Cortes cirúrgicos como o de uma afiada faca e uma montagem enérgica – que simula o frenético pensamento humano em uma fração de segundos – fazem de O Urso uma experiência impactante em seus primeiros cinco minutos de episódio piloto.
Entre cenas de relance da agitada cidade de Chicago e a fervilhante atmosfera de uma cozinha caótica e desorganizada, a nova série original da emissora FX, também disponível na plataforma Star+, é como um inesperado choque anafilático, uma descarga de adrenalina que trava nossa mente e rapidamente nos consome para o tumultuado universo de Carmen.
Aqui um dos melhores chefs de cozinha do mundo, o jovem vivido por Jeremy Allen White abre mão de seu estrelato para assumir a lanchonete bairrista de seu irmão mais velho, que tirou sua própria vida. Logo ele descobrirá que consertar as coisas dá muito mais trabalho do que construí-las do zero.
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A incansável mente de Carmy, suas memórias angustiantes e a vida real que lhe batem à porta todos os dias são trazidos aqui por uma ótica espetacular e bem apurada, que convida a audiência para uma experiência catártica e sensorial. Criada por Christopher Storer, O Urso é uma série de comédia dramática bem temperada, que sabe equilibrar o humor sombrio e o drama de forma que haja sempre uma delicada reflexão em meio à intensidade dos assuntos abordados.
Com Jeremy Allen brilhando em tela de forma arrebatadora, a produção original da Disney é um sopro de originalidade, identidade visual e autenticidade narrativa. Explorando o submundo do submundo da gastronomia – nos átrios de uma lanchonete de baixa categoria, ela é o supra sumo do que todo e qualquer filme ou série desse subgênero deveria ser.
Hiperrealista em alguns momentos, a produção intercala o dia-a-dia da cozinha com constantes lapsos mentais e emocionais, em que acompanhamos Carmy lidando e fugindo de seus problemas familiares, traumas e passado. Em episódios de pouco mais de 30 minutos de duração, Storer e sua equipe de roteiristas conseguem nos absorver para a insanidade de O Urso, explorando personagens tão díspares que formam esse pequeno aglomerado disfuncional.
Sabendo tratar os arcos dos coadjuvantes sempre com um certo viés protagonista, vemos os papéis de apoio de destacarem à medida em que orbitam ao redor de Jeremy. De um jeito ou de outro, todos possuem seu momento – que constante acrescenta uma boa dose de profundidade à própria narrativa do personagem principal, bem como à essência da trama, que é esse problemático restaurante e suas peculiares figuras.
Entre pratos bem executados, que exalam seu perfume em direção ao paladar da audiência, e circunstâncias dramáticas que sempre escalonam a trama, O Urso é um presente dado pela Disney.
Com um elenco poderoso formado por Ebon Moss-Bachrach, Ayo Edebiri, Oliver Platt e Jon Bernthal, a série eleva os nossos sentidos, os aguçando a todo momento – enquanto abre nosso apetite. Abordando a síndrome do pânico e o transtorno pós-traumático com perspicácia e precisão, a dramédia nos permite entrar na mente de seu protagonista e perceber o mundo por sua ótica. Essa perspectiva intimista e onipresente garante ao público a rara oportunidade de viver toda e qualquer emoção. Ainda assim, seu ótimo ritmo nos impede de enxergar os fatos apenas a partir de seu campo de visão.
Com um roteiro dinâmico, ainda mais valorizado sob uma montagem excelente e uma trilha sonora que acompanha o caos que rege os personagens, a série original da Star+ ainda é escrita e dirigida em formatos distintos.
Além da onipresença que frequentemente entra em cena, a produção é também dirigida na 3ª pessoa, mantendo um certo distanciamento para que acompanhemos a narrativa por um prisma mais amplo. Mantendo o otimismo a todo momento – até nos piores cenários -, O Urso é uma surpresa que chegou timidamente no Brasil. Com personagens identificáveis e um sentimento de familiaridade, carinho, amor e mutualidade que salpicam todos os seus oito episódios, a nova dramédia é um prato principal de sabor inestimável, que promete um cardápio ainda mais rico em sua 2ª temporada.