Sabe aqueles chamados casamentos perfeitos? Pois bem, a junção de Jordan Peele com o clássico Além da Imaginação (The Twilight Zone) é um destes casos de “feitos um para o outro”. Um verdadeiro Midas atual, o cineasta Jordan Peele se tornou um dos nomes mais quentes na indústria de Hollywood com apenas dois trabalhos como diretor – mas dois “senhores” trabalhos, em filmes de muito sucesso de público e crítica: Corra! (2017) e Nós (2019). Peele parece ter achado o filão do “terror social” e se tornando um de seus fortes representantes. Assim, o cineasta garantiu presença como produtor de Spike Lee em Infiltrado na Klan (2018), em Hunters (série com Al Pacino na Amazon), no recente sucesso Lovecraft Country (da HBO) e no vindouro reboot de A Lenda de Candyman, por exemplo.
Do outro lado, Além da Imaginação pode ser considerado um dos programas que serviram para cimentar a Televisão nos lares norte-americanos em seus primórdios, indo ao ar por cinco temporadas, num total de 156 episódios, de 1959 a 1964. Criada e apresentada por Rod Serling, a série tinha como propósito comentar questões sociais relevantes para a época, envelopadas pela fantasia, ficção científica e terror. Mistura efervescente para seu sucesso no terreno do entretenimento. Sua importância histórica é inegável, e até hoje ele é tido como um dos melhores programas de TV de todos os tempos (entre os 25 melhores) na opinião do grande público. Além da Imaginação capturou a atenção de gente como Steven Spielberg (que dirigiu um dos segmentos e produziu um longa em 1983 baseado na série), gerou dois revivals (em 1985 e em 2002) e seu legado foi inclusive tema do último episódio da primeira temporada deste reboot de Peele, no capítulo protagonizado por Zazie Beetz.
Indo ao ar semanalmente, ao longo de dez episódios, a primeira temporada de Além da Imaginação de Jordan Peele fez sua estreia no dia 1º de abril de 2019 – mas não era uma brincadeira. E é esta primeira temporada que iremos comentar aqui. Nos EUA, o programa já ganhou seu segundo ano, tendo estreado recentemente no dia 25 de junho de 2020 com mais dez episódios. Os quais os brasileiros ainda estão ansiando para ver – deverão chegar muito em breve por aqui também. Os primeiros dez episódios estão disponíveis no catálogo da Amazon Prime Video e são simplesmente imperdíveis – atendendo aos fãs do programa clássico, de Jordan Peele, de suspense, terror ou que tenham gosto por séries de antologia em geral. O público mais novo pode aderir por estar acostumado ao feitio devido ao sucesso do já igualmente icônico Black Mirror. Sim, existe similaridade, mas Além da Imaginação é pioneiro e único.
Fora todos os outros atrativos, um dos chamarizes que ajudaram a impulsionar o programa no gosto popular foi a presença de grandes nomes (ou nomes promissores) protagonizando os episódios. Assim, nos clássicos tínhamos gente como William Shatner (numa época pré Star Trek) e Burgess Meredith (pré Batman e Rocky), por exemplo. Pela nova edição desfilam em tela nomes como Seth Rogen, Sanaa Lathan, Taissa Farmiga, Ike Barinholtz, Tracy Morgan, Kumail Nanjiani, Adam Scott, Greg Kinnear, Steven Yeun, Jacob Tremblay, John Cho, Allison Tolman, John Larroquette, DeWanda Wise, Ginnifer Goodwin, Chris O’Dowd, Amy Landecker e a citada Zazie Beetz.
Além da Imaginação sempre foi um programa comportamental, reflexo de seu meio. Era de se esperar que ao ser adquirido por Jordan Peele tais elementos fossem aflorar de forma intensa. Os críticos concordam que as mensagens presentes nestas micro histórias não são muito sutis, porém, funcionam bem ao serem mescladas ao valor de entretenimento. Assim, alguns dos melhores episódios abordam questões como racismo, abuso de autoridade da polícia, masculinidade tóxica, política e governantes despreparados para presidirem uma nação. Mais atual impossível!
Como em qualquer série de antologia também, temos os episódios mais fracos e outros que se tornam marcantes. Alguns, apesar da boa intenção, não atingem todo o seu potencial, como é o caso com Point of Origin, protagonizado por Goodwin, que discute imigração ilegal e bolhas de conforto. “Todos somos imigrantes de algum lugar”, diz Peele em sua narração. Apesar do tema importante, o capítulo sofre com uma narrativa confusa, falta de foco e uma reviravolta que chega antes da conclusão. Em outro episódio, The Blue Scorpion, o assunto é a posse de arma do cidadão comum e a cultura armamentista dos EUA – “enquanto objetos foram mais valorizados que a vida, a tragédia será sempre fabricada por aqui…”, profere Peele sobre o tema. Porém, este episódio também resulta num conto cambaleante.
Na versão de Peele não poderiam faltar as homenagens ao programa clássico. Desta forma, o segundo episódio é logo de cara um dos mais icônicos: Nightmare at 30.000 Feet – presente no seriado clássico e homenageado no filme de Spielberg (até mesmo nos Simpsons a trama já foi parar). Nesta história, um sujeito se recuperando de uma crise nervosa se depara com uma criatura na asa do avião em que está. Na versão de Peele, o monstro dá lugar à paranoia e ao medo do terrorismo, num episódio eficiente estrelado por Adam Scott. No episódio The Wunderkind, com Jacob Tremblay, temos modernizado outro clássico do programa, It’s a Good Life, onde um menino não pode ser contrariado, cercado de adultos em pânico devido a seus poderes sobrenaturais. Novamente, Peele insere uma situação “crível”, sem o uso do fantástico (ou quase) para criticar a falta de experiência e capacidade dos políticos que nos governam.
Um episódio que deve pegar os fãs em cheio é o finale da temporada. The Blurryman, ou o Homem Borrado, protagonizado por Zazie Beetz, é o mais fora da caixinha. A jovem atriz estrela como… uma roteirista do programa Além da Imaginação, vejam só. O episódio é pura metalinguagem, brinca com o gênero, fala de arte versus entretenimento e é repleto de surpresas para os aficionados. Justamente por isso, o quanto menos falarmos sobre ele, melhor. A primeira temporada reserva ainda seres alienígenas, viagens interplanetárias, meteoritos contagiosos, figuras assombradas, espíritos presos em armas, câmeras que rebobinam o tempo, gravadores que narram o futuro e o poder de apagar pessoas da existência. Ou seja, todos os elementos que fizeram Além da Imaginação um programa famoso são respeitados por Jordan Peele e sua abordagem consciente.
Você não pode perder. Essa é nossa dica. Em breve lançaremos um ranking com os episódios da primeira temporada – em nossa ordem de preferência. E, é claro, também falaremos da segunda temporada assim que ela aportar em terras tupiniquins, muito provavelmente na Amazon.