Quem é fã de suspense e terror já manja das armadilhas. É difícil surpreender esse tipo de espectador, pois ele ou ela já viu muita coisa, já imaginou muita coisa e quase nada o/a assusta mais. É um tipo de fã difícil de agradar, mas, quando um filme consegue ser bem-feito e cai no gosto desses espectadores, aí rapidamente gera-se o boca a boca da galera e a produção entra para as listas de favoritos. É assim que podemos definir o longa ‘Jaula’, que, sem fazer alarde, já estreou em primeiro lugar no Top 10 da Netflix.
Paula (Elena Anaya) e Simón (Pablo Molinero) são um casal voltando para casa de carro quando, de repente, avistam uma criança no meio da estrada à noite. Eles a levam para o hospital, para ser cuidada, pois aparenta estar em frágeis condições de saúde. Com o passar dos dias, descobrem que a criança se chama Clara (Eva Tennear), mas ela não fala, embora compreenda alguma coisa de castelhano. Na ausência de informações sobre a criança ou de uma família que a esteja buscando, Paula e Simón decidem ficar com Clara por alguns dias, pois é evidente que a menina criou um laço de confiança com os dois. Mas, ao mesmo tempo, também fica evidente que a garota sofreu um ou mais tipos de traumas, pois, além de não falar, possui um comportamento que não a permite sair do espaço além daquele demarcado por um giz no chão. O que parecia inicialmente ser a chance de Paula e Simón construir sua família, aos poucos vai se transformando em uma história mais sombria do que os dois imaginavam.
‘Jaula’ tem um enredo surpreendente, imaginativo e com um pé na realidade. O roteiro de Isabel Peña e Ignacio Tatay vai destrinchando o plot pacientemente, partindo do drama inicial apresentado já na primeira cena para, então, ir desenrolando o thriller colocando as peças na mesa meio espaçadamente; então, de repente, uma peça muito importante é encaixada, fazendo sentido o contexto das outras peças ao seu redor que estavam espalhadas aleatoriamente, pegando o espectador desprevenido e, justamente por isso, agradando-os.
Ignacio Tatay faz um ótimo uso do número contido de set para contar a trama de ‘Jaula’ sem ter que nos distrair com cenários paradisíacos: a história toda se passa basicamente na casa do casal protagonista, no hospital e na delegacia – apenas no terceiro ato, quando ficamos sabendo o que de fato aconteceu, é que outros sets entram em cena. Aliás, é na virada do segundo para o terceiro ato, quando a coisa toda é revelada, que, mesmo contando a grande revelação cedo demais ao espectador, o roteiro dá a oportunidade de acompanharmos a costura final do desfecho de uma maneira muito mais bizarra e imersiva, com cenas de terror que farão o espectador roer as unhas.
‘Jaula’ é uma grata surpresa que chegou silenciosamente na Netflix, e traz, até mesmo, participação especial de Esther Acebo (a Mónica, de ‘La Casa de Papel’) como uma vizinha que nem ganha close up para termos certeza de que é ela, pois, afinal, o filme se vale apesar desse rostinho conhecido. É um ótimo suspense psicológico sobre o qual não se pode falar muito sem correr o risco de entregar a grande reviravolta.