O ano de 2023 marca os 15 anos de um dos principais estúdios de animações brasileiras, o Copa Studio. Fundado por três sócios, Zé Brandão, Felipe Tavares e Rodrigo Soldado, o ‘Copa’ é responsável por algumas das animações nacionais mais queridas da atualidade, como o fenômeno jovem de Irmão do Jorel, Tromba Trem e Historietas Assombradas. Durante o Rio2C, festival de criatividade sediado anualmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro, um dos fundadores do estúdio, Zé Brandão, integrou um painel dedicado às produções nacionais de animações, em que, junto a outros nomes importantes do mercado, debateu sobre as tendências desse mundo animado.
Agora, em entrevista ao CinePOP, Zé Brandão comentou um pouco mais sobre sua trajetória profissional, os 15 anos do Copa Studio e deu uma visão de quem trabalha no meio sobre a cena atual da animação nacional.
CinePOP – Zé, muito obrigado pela oportunidade de te entrevistar. Você pode nos contar mais sobre sua carreira até chegar ao Copa Studio?
Zé Brandão – Eu sempre gostei de desenhar, desde pequenininho, mas minha trajetória profissional é meio inusitada, porque acabei fazendo jornalismo na faculdade, por questão de não saber, na minha adolescência, que era possível fazer animação no Brasil. Então, eu nem procurei saber. Mesmo gostando de desenhar, eu não achava que era possível trabalhar com a animação no Brasil. E até por isso, inspirado na minha ignorância, que a gente decidiu montar o Estúdio Escola, para que outros jovens soubessem que é possível viver de animação no Brasil. Então, eu fiz jornalismo e fazia estágio em uma grande empresa de telefonia celular, e um dia, olhando no jornal, vi um classificado que dizia: “Procura-se animadores!”. Eu resolvi ir até o endereço com meu portfólio. E era um endereço longe, num lugar meio ermo, isolado. Cheguei a pensar até que fosse golpe. Fiquei com medo, mas era o endereço da residência de um produtor da Globo, que queria produzir animações para o programa da Xuxa, para o Casseta & Planeta, pro Luciano Huck. E assim eu comecei meio do nada, produzindo animações para esses programas. Mas na Rede Globo, a gente da animação ficava em terceiro plano. Então, minha família achou muito louco quando larguei tudo na Globo, que, para eles, era o principal meio de vida possível para mim, para ir trabalhar em uma produtora recém-aberta, chamada Labocine Digital, na época, para produzir animação. Mas pelo menos eu imaginava que a animação era protagonista por lá. A gente começou a trabalhar, produzindo filme da Turma da Mônica, filme da Xuxa e tal, mas foi ali que a gente percebeu que precisava montar nosso próprio estúdio. E aí veio o Copa Studio, que começou com um curta-metragem meu, depois fizemos nossa primeira série, da qual sou autor também, o Tromba Trem, e depois dirigi animações do Historietas Assombradas e agora produzi o Irmão do Jorel. Depois disso, produzi vários outros projetos e, hoje, tô muito feliz que uma série da qual sou Produtor Executivo, que é o Irmão do Jorel, está chegando a sua quinta temporada, e o Tromba Trem, que foi minha primeira animação, virou filme e que, inclusive, estreou essa semana no Disney+. E queria aproveitar para convidar a todos para assistirem ao filme no Disney+.
O Copa Studio completa 15 anos em 2023. Como você avalia a trajetória do estúdio nesses 15 anos?
No início, a gente só queria trabalhar num lugar em que se sentisse confortável. Eu e meus dois sócios, a gente trabalhava em uma produtora, antes do Copa Studio, em que a gente sentia que muita coisa poderia ser diferente. Então, tudo que a gente queria era montar um espaço, onde tivesse vontade de ir trabalhar todos os dias, que a gente se divertisse e sentisse bem. E o lugar que a gente mais gosta de ficar, na nossa casa, geralmente é a cozinha. Só que ‘Cozinha Studio’ ia ficar meio estranho, então a gente chamou de ‘Copa Studio’, né? Tem muita gente, inclusive, que acha que esse “Copa” é de “Copacabana”, mas é de copa de cozinha. E é muito louco pensar, 15 anos atrás, em três caras que só queriam um lugar para trabalharem felizes, e que depois desses 15 anos estão aí com oito animações originais, quase seis mil minutos de animação produzida ao longo desses anos, entre animações originais e serviços de animação, que a gente faz também, e passando por muita coisa, diferentes movimentos do mercado. A gente começou trabalhando muito com TVs públicas, depois a gente ficou trabalhando com canais à cabo, e agora a gente tá trabalhando com os streamings. Passamos também por diferentes visões do Estado sobre a Cultura e o Audiovisual e passamos por uma pandemia. Tudo isso faz a gente chegar agora e nos vermos como resilientes e felizes de estarmos aqui até hoje produzindo muitas animações que as pessoas conhecem e gostam.
Vocês esperavam que animações como “Irmão do Jorel” e “Tromba Trem” se tornassem os fenômenos que são hoje em dia?
A gente sempre sonha que o nosso trabalho seja visto e reconhecido. E a gente sempre achou que tanto Tromba Trem quanto Irmão do Jorel tinham ideias originais e pessoas que estavam muito a fim de colocar seu talento e amor para acontecer. Então, a gente tinha, sim, o otimismo de que daria certo. Só que o que aconteceu com Irmão do Jorel, por exemplo, em termos de reconhecimento do público e da crítica, e da audiência como um todo, realmente me surpreende até hoje. Quando eu vou na rua e vejo alguém com uma camiseta do Irmão do Jorel, ou então quando vou em algum lugar e vejo até gente tatuada com os personagens, isso ainda é bem surpreendente. A gente, claro, que simulava esse tipo de coisa nos nossos sonhos, mas ver se tornando realidade é meio surreal.
Quais os desafios de produzir animação no Brasil?
Animação é um desafio em qualquer lugar do mundo, né? Você parte de uma tela em branco, em que não existe cenário, não existem atores de carne e osso na tela, não existe figurino. Então sai tudo de uma tela em branco, o que é muito trabalho. O animador de uma série nossa, quando chega em casa dizendo: “Olha, hoje eu trabalhei muito!”, ele produziu entre três e dez segundos de animação. E a gente já está chegando a seis mil minutos produzidos no Copa Studio, e isso realmente dá muito trabalho. No Brasil, esse trabalho, não vou dizer que é maior, mas foi muito desafiador, sobretudo no início, porque a animação no Brasil como indústria ela começou há não mais que 20 anos. A gente tem as primeiras séries de animação com “Peixonauta”, “Escola Pra Cachorro”, “Princesinhas do Mar”, depois “Meu Amigãozão”, mas não havia muitas séries. O Brasil sempre foi conhecido por ter muita qualidade na sua animação de publicidade, alguns filmes aqui e ali, e seus curta-metragens. Os curta-metragens brasileiros sempre estão por aí. Mas essa indústria da animação, que emprega muitas pessoas, das séries e longa-metragens é bem recente. E acho que o primeiro desafio então foi a gente não ter muita formação em animação no Brasil. O segundo, é claro, é uma questão orçamentária também. Você pega um projeto como “O Menino e o Mundo”, do Alê Abreu, que disputou o Oscar com um orçamento de alguns poucos milhões de reais, talvez dois milhões de reais, disputando o Oscar contra orçamentos de 150 milhões de dólares, 100 milhões de dólares. Isso, sem dúvidas, é um desafio.
Você acha que o cenário para os animadores melhorou? E o que ainda pode melhorar?
Eu acho que em alguma instância o cenário para os animadores melhorou. Primeiro porque, com as oportunidades de trabalhos remotos, os animadores não estão precisando mais nem sair de suas cidades, suas casas, para trabalhar em estúdios dentro e fora do Brasil. Então, nesse sentido, eu acho que melhorou para os animadores. O que eu acho que também está melhor é o acesso às informações para você aprender a ser um animador, estão mais democratizadas as informações sobre as técnicas de animação, e mesmo as ferramentas para animar, como computadores, mesas digitalizadoras e até softwares também ficaram um pouco mais em conta. Mas ainda acho que as condições de trabalho dos animadores têm muita coisa para melhorar. Sobretudo em termos de remuneração, porque é uma profissão altamente especializada e que exige bastante esforço e aprendizado contínuo, então acho que ainda tem espaço para melhorar bastante, mesmo tendo melhorado, sim, nos últimos anos em vários outros aspectos.
Pra você, qual o futuro da animação aqui no Brasil?
O Brasil é um país que tem um grande potencial na Cultura e na produção de peças culturais, de entretenimento. Porque a gente é, sem dúvidas, uma sociedade formada por muitos povos, muitas etnias, com regiões muito diferentes, com uma diversidade natural muito grande. É uma Cultura pujante, e a animação eu vejo como um tipo de produtor artístico e cultural que, na verdade, é multidisciplinar. Você precisa de escritores, que fazem os roteiros, você precisa de atores para dar voz. Você precisa de músicos, desenhistas, ilustradores, animadores, que são pessoas que, pra mim, transitam entre a ilustração, a edição e as artes performáticas também. Dizem que os animadores são atores com um lápis na mão. E eu acho que o Brasil tem um grande potencial em suas animações para ganhar o mundo. O que eu acho é que a gente precisa de um grande hit de animação brasileira. O dia em que a gente tiver um grande hit de nível mundial, do naipe de um “Round 6”, “La Casa de Papel”, que não são produções americanas e que ganharam o mundo, ou pegando um exemplo mais da animação infantil, como “Bluey”, da Austrália, o dia que o Brasil tiver um grande hit mundial, como esse, os olhos do mundo vão começar a se voltar cada vez mais pra cá. A gente viveu um momento muito lindo, quando a gente, por dois anos consecutivos, ganhou o Cristal, que é o grande prêmio de Annecy, na França, com “Uma História de Amor e Fúria”, do Luiz Bolognesi, e “O Menino e o Mundo”, do Alê Abreu. Logo na sequência, a gente teve, inclusive, o Brasil como homenageado do Festival de Annecy, que é um dos principais do mundo. E ali parecia que a gente ia despontar como uma grande potência de animação. Mas, infelizmente, logo na sequência, a gente teve um período em que o Estado Brasileiro não olhou para a Cultura e para a Animação como algo estratégico. E aquele momento nos fez perder um pouco da força, mas a gente tá voltando agora com uma perspectiva bastante otimista de que a animação brasileira vai voltar a despontar como uma potência em breve.
E como fazer para popularizar a produção de animações no Brasil?
Para popularizar a produção, eu acho que a gente tem que popularizar também audiência. As animações brasileiras precisam ser mais vistas também. E aí, nesse caso, eu acho que seria ótimo se as TVs abertas, que são concessões públicas, voltassem a ter programas voltados para o público infantil. Não que animação seja algo voltado exclusivamente para o público infantil, mas a maioria das animações são para esse público. Então, se a gente pudesse ter mais acesso à animação brasileira, acho que naturalmente as animações brasileiras ficariam mais populares e, em consequência, a gente teria mais produções, o que faria com que a gente precisasse popularizar também o acesso ao ensino da animação. E nesse sentido, eu quero destacar o trabalho que a Baluarte Cultura e o Copa Studio vêm fazendo na criação do Estúdio Escola de Animação, que é uma escola de animação para jovens do Rio de Janeiro aprenderem animação de forma gratuita, sem ter que pagar pelo curso. Inclusive, quero aproveitar para dizer que as inscrições para o Estúdio Escola, para jovens entre 16 e 24 anos, moradores do Grande Rio, porque as aulas são presenciais, vão até o dia 16 de abril (amanhã).
Brandão coordena o Estúdio Escola de Animação desde 2013 e já viu diversos jovens descobrirem a paixão pela animação durante as aulas. Conforme ele disse, as aulas são gratuitas e para fazer parte do curso, basta fazer a inscrição no site Estúdio Escola de Animação (estudioescola.com.br), mas vale prestar atenção para o prazo, que termina neste domingo (16). Tromba Trem: O Filme está disponível no Disney+, já Irmão do Jorel está no catálogo do HBO Max.