Durante seus 47 anos de carreira, Billy Wilder (nascido Samuel Wilder enquanto vivia na Galícia em 1906, tendo o território sido dividido entre Polônia e Ucrânia) se caracterizou pelas várias indicações e vitórias no Oscar. Ao todo foram oito indicações a melhor diretor, tendo vencido duas vezes (“Se meu Apartamento Falasse” e “Farrapo Humano”). Já seus roteiros receberam doze nomeações e ao longo dos anos venceram três vezes (novamente “Se meu Apartamento Falasse”, “Crepúsculo dos Deuses” e “Farrapo Humano”).
Dois clássicos do “Kinnosauros Rex”, como foi chamado pelos jornalistas Ruy Castro (no livro “Que Saudades do Século XX”) e Sérgio Augusto (no artigo “Billy Wilder nunca saiu de cartaz” na Folha de S.Paulo) completam respectivamente 70 e 60 anos em 2020: “Crepúsculo dos Deuses”, de 1950, e “Se Meu Apartamento Falasse”, de 1960.
Ambos são conhecidos pelos lendários roteiros assinados pelo cineasta, que aborda, à sua maneira, o tema da solidão. No primeiro, a atriz Norma Desmond (Gloria Swanson) é uma ex-estrela do cinema mudo que se isolou em sua própria ilusão de que permanece relevante; e no segundo, C.C Baxter (Jack Lemmon) é um solteirão que aluga seu apartamento para os chefes se encontrarem com amantes, sonhando com uma promoção, mas sempre voltando para esse enorme espaço vazio.
Wilder tinha essa característica peculiar de visitar o lado mais sujo da mente humana sem apelar para violência gratuita. Para tanto, os diálogos em suas obras sempre foram rápidos, cirúrgicos e irônicos. Em “Crepúsculo dos Deuses” o protagonista, vivido por William Holden, é um roteirista vivendo em Hollywood que não conseguiu decolar na carreira, passou a dever dinheiro e se tornou próximo de Norma Desmond, visto que essa possuía uma grande fortuna. Em contrapartida, ela se torna afetivamente ligada a ele, enquanto que do lado dele existe apenas o interesse financeiro. De maneira bem singela, Wilder narra uma história particular de uma relação trágica e platônica.
De maneira um pouco diferente, em “Se Meu Apartamento Falasse” o cineasta compreendeu que poderia fazer grande proveito da veia cômica característica de seu principal ator, Jack Lemmon, para suavizar um tema que era um grande tabu em 1960: a infidelidade conjugal, e até a ideia do ato de relações sexuais que vem junto a esse tema.
Diferentemente do que Alfred Hitchcock fez no mesmo ano com “Psicose” na questão de apelar um pouco mais visivelmente para imagens chocantes (e sim, um vaso dando descarga pela primeira vez está incluso), Wilder trabalha a polêmica e o cinismo de maneira gradual, mostrando o cotidiano tedioso de C.C Baxter no trabalho, sua vontade de ascender profissionalmente e só então introduzindo o primeiro dos seus chefes infiéis que lhe pede o apartamento emprestado de última hora para se divertir com uma mulher.
Wilder então quebra a possível seriedade da cena ao dar a Baxter um resfriado e confiar liberdade de atuação a Lemmon para tratar das consequências dessa escolha de maneira engraçada, com ele interagindo com vizinhos de apartamento que acreditam que ele bebe demais (devido ao fato que sua lixeira sempre estar cheia de garrafas vazias resultantes dos encontros de terceiros).
Eventualmente ele se aproxima de Fran (Shirley MacLaine), a operadora de elevador no prédio em que ele trabalha, e um sentimento de amor vai surgindo até novamente o cinismo de Wilder quebrar mais uma expectativa (agora mais positiva do que em situações anteriores) por meio de problemas pessoais de Fran que a impedem de se relacionar mais profundamente com C.C Baxter.
Em outras ocasiões, porém, o diretor nunca hesitou em deixar transparecer seu pessimismo com a moral humana. Em “Farrapo Humano” o alcoolismo que atormenta o protagonista vai destruindo sua vida de maneira bastante evidente, sem ser mascarado por cenas de comédia. Em “Pacto de Sangue” (referência do cinema noir) um vendedor de seguros é convencido por uma mulher a planejarem a morte do marido dela e assim dividirem o dinheiro do seguro de vida. “Montanha dos Sete Abutres” funciona até os dias atuais como uma crítica explícita ao ideal de ‘tudo por um furo’ e como ele é capaz de incentivar atitudes verdadeiramente erradas.
São duas obras que, em 2020, chegam a idades importantes e funcionam como referência narrativa até os dias hoje. Mas toda a filmografia do velho Kinnosauro serve a esse propósito; de se estudar a estrutura da elegância, sobre como retratar de maneira atemporal os lados mais egoístas da alma humana, sem necessariamente ser um filme pesado para maiores de idade.