Foi ainda em 2016, um ano após o lançamento de 007 Contra Spectre, que começou a pré-produção daquele que seria o capítulo final dessa nova e conceituada leva de filmes do James Bond. Agora sem Sam Mendes, que comandava a franquia desde Operação Skyfall (2012), e mesmo fazendo um enorme sucesso decidiu deixar o cargo de diretor, além do termino contratual da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) com a Sony Pictures, que coproduzia e distribuía os longas estrelados por Daniel Craig, grandes estúdios pleitearam a vaga por esses direitos, como a Warner, a Fox e a própria Sony. No entanto a Universal Pictures acabou vencendo a disputa, ficando a cargo da distribuição internacional e home video, incluindo Estados Unidos e Canadá.
Já em março de 2017, a dupla Neal Purvis e Robert Wade, que trabalham na série desde O Mundo não é o Bastante (1999), deram início ao novo roteiro, enquanto a MGM buscava um novo cineasta para liderar o projeto. Fizeram diversas sondagens com nomes que iam de Denis Villeneuve (Duna) a Christopher Nolan (Tenet), estes que tinham outros planos e pularam fora. Porém, em maio de 2018, Danny Boyle (Quem Quer Ser um Milionário?) foi anunciado como novo diretor, porém apresentando uma nova ideia, desenvolvida com o seu roteirista parceiro, John Hodge, onde a trama criada por Purvis e Wade seria completamente descartada. Os produtores até curtiram a proposta, mas, devido a inúmeras divergências criativas, Boyle e por consequência Hodge abandonam a produção.
Voltando então ao conceito original, ainda em setembro do mesmo ano, finalmente a MGM anuncia que Cary Fukunaga seria então o responsável por comandar essa nova empreitada. Fukunaga que ganhou destaque após dirigir a irretocável primeira temporada da série HBO, True Detective (2014), e o primeiro longa de ficção da Netflix, Beasts of No Nation (2015). Com as filmagens do novo 007 começando em abril de 2019, por países como Jamaica, Noruega, Escócia e Itália, além do habitual cenário londrino. Este que foi o primeiro filme da franquia a ter cenas filmadas com a tecnologia IMAX.
O agora chamado 007 – Sem Tempo para Morrer estava definido para estrear em novembro de 2019, mas, após a saída de Boyle, foi remarcado para fevereiro de 2020 e depois abril. Porém, com o surto de COVID-19 e vários cancelamentos consecutivos, a produção ficou sem uma data exatamente definida. Desde então ocorreram diversas brigas, mas os executivos foram firmes e fizeram questão de mantar o lançamento exclusivamente para os cinemas. Eis que finalmente um dos filmes mais turbulentos da franquia, equivalente às aventuras de James Bond, ganha as telas, em setembro de 2021, com parte da população vacinada, pelo menos nos principais mercados.
Mas, afinal, após todo esse embrolho, será que tinha como esse filme dar certo? Algo até necessário, isto porque, mesmo faturando bem, o último 007 ficou devendo no que se refere a qualidade, principalmente por abordar um dos arcos mais explorados e queridos da obra como um todo, a organização Spectre, chefiada por Ernst Stavro Blofeld. Sim, Christoph Waltz está incrível na pele do vilão, mas o filme era inchado, um tanto enfadonho e parecia fora de tom, como se tivessem juntado a cômica e exagerada fase do Roger Moore com essa mais séria e explosiva do Craig. Contudo, fiquem tranquilos, pois Sem Tempo para Morrer é, no melhor sentido, uma espécie de reunião dos grandes momentos dessa nova saga que começou, lá em 2006, com o também sensacional Cassino Royale.
Com cenas iniciais grandiosas e sem medo de soar exagerado ou megalomaníaco, o filme, logo de cara, apresenta um recorte doloroso envolvendo a agora parceira de Bond, Madeleine Swann – que de novo ganha vida pela elegantíssima e sensual presença de Léa Seydoux – com um vilão propositalmente caricatural e ao mesmo tempo aterrorizante, interpretado por Rami Malek. Sem intervalo vamos enfim para o tradicional momento de impacto com o próprio James, que está aposentado, mas nunca tem um minuto de sossego. E aqui ele faz barba, cabelo e bigode, por precisar se meter em lugares acidentados e pilotar uma enorme variedade de veículos, enfrentando inimigos igualmente implacáveis e saindo de situações extremas no maior estilo Batman.
A sempre aguardada abertura musical traz dessa vez a americana Billie Eilish, que possui uma carreira artisticamente inquieta e aqui segue um tom mais classudo com a homônima No Time to Die, que remete ao clima da belíssima Skyfall, eternizada por Adele. E se visualmente a abertura de Spectre impressionava pelo altíssimo nível de produção, creiam, a que vemos em Sem Tempo para Morrer atinge um novo patamar, com direito a homenagem ao primeiro filme da franquia, O Satânico Dr. No (1962). Não seria exagero dizer que gastaram alguns milhões de dólares nesse pequeno clipe, pois de fato o troço deve impressionar até os fãs mais exigentes. Como vocês devem imaginar, a nova canção de Eilish supera, com distancia, a sonolenta Writing’s on the Wall, de Sam Smith.
Porém, como já destacamos, Sem Tempo para Morrer é o filme mais completo e grandioso por mais parecer uma viagem por toda “fase Daniel Craig”, trazendo momentos de grande tensão, que era a força de Cassino Royale; uma trama familiar que envolve política, a única adição positiva do modorrento Quantum of Solace (2008); a elegância estética e narrativa presente no jovem clássico Operação Skyfall, com um inimigo que assusta só de olhar; e as set pieces estrambólicas e bem executadas de Spectre, rivalizando com os recentes Missão: Impossível. Talvez só o tamanho, quase 3 horas de duração, seja além da conta.
De modo que fica até difícil apontar problemas reais, já que, na grande maioria de suas intenções, o longa parece abraçar o absurdo e ainda assim convencer o expectador que toda aquela loucura faz sentido. Muito porque somos totalmente fisgados pelo drama vivido por Bond, Madeleine e uma pequena figura que rouba a cena. Claro que isso acontece também pela verdade impressa nas trocas de olhares de Craig e Seydoux. Ou mesmo pela química do grupo formado por M (Ralph Fiennes), Moneypenny (Naomie Harris) e Q (Ben Whishaw). E da inclusão das atrizes Lashana Lynch (que vai realizar pela primeira vez um sonho antigo dos fãs) e Ana de Armas que, particularmente, confere um dos melhores momentos do longa, com uma performance irrepreensível.
É bom ver que Sem Tempo para Morrer foi parar em boas mãos, já que Cary Fukunaga mantém a excelência dos seus trabalhos anteriores e constrói uma narrativa que, a todo momento, mescla o crível ao absurdo. Da mesma maneira o cineasta é hábil por também criar diversas rimas narrativas expressadas ora pelo cenário, ora por objetos de pista e recompensa. Com destaque para o reencontro de M com Bond, onde através de uma mesa vemos o que parecia ser um duvidoso e pequeno M se transformar na figura basilar e poderosa que sempre foi. E, como não podia deixar de ser, Fukunaga deixa sua marca visual característica, advinda de um rigor técnico estético quase kubrickiano – ou mesmo por dar umas cutucadas de la revolucion que farão alguns chama-lo de comunista. De maneira geral, não é ousadia dizer que a despedida de Daniel Craig, o 007 mais físico e intenso, não poderia ter sido melhor – talvez, muito talvez, só comparável.
Alerta: fique após os créditos para conferir uma mensagem surpresa.