Quando a Fox anunciou uma nova versão do clássico O Exorcista, os fãs do gênero gritaram para todos os cantos em desaprovação; como se a série pudesse manchar a imagem do filme de 1973. Convenhamos, se O Exorcista II não manchou a marca da franquia, não vai ser uma minissérie que mal é ligada à história original que será responsável por isso, não é mesmo? Eu fiquei curioso desde o começo – apesar de estar consciente sobre o fato de que o resulto obviamente não chegaria aos pés do clássico absoluto do gênero. Assim como em Scream, eu não conseguia enxergar a trama original sendo desenvolvida propriamente em uma série de TV, mas estava curioso para saber como os roteiristas contornariam essa situação.
Em primeiro lugar, essa série não reconta a história do primeiro filme. É uma coisa completamente diferente, com outros personagens e ambientada nos dias atuais. Ainda assim, vale ressaltar que a série existe dentro do universo do primeiro filme, então ela também funciona como uma espécie de continuação, trazendo a possibilidade de apresentar mais fatos e até mesmo personagens conhecidos dos fãs da franquia cinematográfica. Optar por uma nova história foi uma decisão muito sábia porque ajuda a série a se afastar da sombra do filme, dando a chance de apresentar e construir os seus personagens sem que haja a necessidade de comparação. Além disso, o roteiro pode investir e expandir sua própria mitologia, sem ficar preso aos pontos cruciais do enredo original. E, vale ressaltar que, os roteiristas já usaram dessa liberdade para nos surpreender nos minutos finais desse episódio.
Quem está esperando sustos, terror intenso e vômito verde no primeiro episódio certamente vai ficar decepcionado. O roteiro usa esses 40 minutos para apresentar e desenvolver sua trama/personagens, e usa muito bem o tempo que tem para estabelecer um início sólido que possa ser explorado nas próximas semanas. Alguns elementos sobrenaturais lembram outras franquias – como A Profecia –, e alguns outros servem como uma homenagem ao filme original – como o momento em que um menino possuído torce o próprio pescoço. Vi muita gente perguntando o motivo dele ter morrido se a Regan no original sobreviveu fazendo muito pior – e ambos se passam no mesmo universo –, mas vale lembrar que o demônio é um mentiroso, e aquela cena pode muito bem ter sido uma alucinação provocada pelo demônio para aterrorizar os personagens. No livro esse ponto fica muito mais claro do que no filme, porque acontece logo depois de um personagem receber uma pancada na cabeça. Mas o importante é que essa cena reaparece na série, e é tão icônica que todos irão reconhecer a homenagem imediatamente.
Infelizmente, este primeiro episódio sofre com o seu tempo limitado. Há uma nova história e personagens para serem apresentados e o roteiro ainda tem que acrescentar vários elementos “assustadores” para justificar o próprio gênero, o que resulta em um ritmo corrido, especialmente quando a mãe procura ajuda do padre na metade do episódio. Ela relata sua preocupação e dispara de uma forma muito, muito específica que um demônio está tentando pegar a filha dela. Não faz muito sentido como ela chegou a se conclusão de acordo com os argumentos que ela enumera. Há, porém, uma teoria que explicaria isso. Muitos acreditam que a personagem da atriz Geena Davis é, na verdade, ninguém menos do que a Regan. Ela está com um novo diferente, é claro, mas quem não iria querer trocar a identidade e começar uma vida nova depois do que aconteceu? Torço muito para que seja verdade, porque isso aprofundaria demais a trama. E a cena em que a personagem ouve vozes na parede também ganharia uma nova dimensão, porque sua expressão é ambígua; uma mistura estranha de medo e… reconhecimento.
E quando ela fala sobre ter um demônio em sua casa, Angela é firme; ela tem certeza – e nós sabemos que ela está certa. A personagem é categórica ao descartar depressão, o que só acrescenta força na teoria de que ela é mesmo Regan. Eu acho que seria uma uma reviravolta sensacional, e conectaria perfeitamente as duas tramas. Contribuindo para essa teoria, descobriram que o nome Angela Rance pode ser um anagrama de “A Clean Regan” (“Uma Regan Pura”, em tradução livre). Achei meio forçado, mas ainda assim curioso; digno de nota, no mínimo. Por enquanto, a única ligação sólida entre a série e o filme é um artigo que o Padre Thomas encontra na internet, relatando a morte de outros dois padres e estampando uma imagem da icônica escadaria do filme de 1973.
Por último, tenho que destacar a cena no sótão, que foi o grande destaque do episódio. Pensei que só serviria para acrescentar um jump scare mal desenvolvido, mas foi responsável por elevar o nível deste primeiro episódio, deixando-me curioso para saber o que virá a seguir. Com uma reviravolta divertida, descobrimos que a irmã possuída não é a que estava sendo apontada, mas a outra; a feliz, de bem com a vida. E não iremos acompanhar ela sendo possuída aos poucos; o demônio já está em total controle do seu corpo, no auge do seu poder. Aliás, demônios, como ela mesma alertou; “é como dizem, onde tem um, tem um monte deles”. Foi um desfecho empolgante para um episódio que estava caminhando de forma previsível. E também serviu para mostrar que os roteiristas não irão se levar tão a sério – sem a pretensão de se tornar a série mais assustadora de todos os tempos –, o que pode render um entretenimento de qualidade.