Três Estranhos no Ninho
A expectativa tem se tornado a pior inimiga dos fãs de cinema. Na nossa infância, esperávamos um filme e quando recebíamos, a garantia de felicidade era praticamente certa. Tais filmes realmente atendiam nossas expectativas ou nosso senso crítico era muito baixo na infância? Bem, um pouco dos dois. Os filmes Batman, de Tim Burton (1989 – 1992), por exemplo, fizeram a alegria de diversas crianças daquela geração e continuam como bons exemplares do gênero até hoje, para adultos. Por outro lado, produções como Street Fighter – A Última Batalha (1994), Super Mario Bros (1993) e Mortal Kombat (1995) apelaram unicamente à nossa nostalgia e memória afetiva.
Na vida adulta, o mesmo acontece, sendo talvez um pouco mais difícil nos conquistar apenas pelos itens citados acima (nostalgia e memória afetiva). Então, este conceito de que “ah, você foi com muita expectativa”, “o hype era grande”, “se decepcionou porque esperava muito”, não cola. Sim, em relação a alguns filmes é impossível se manter indiferente. Mas isso não significa que ele não possa atender à sua expectativa. Vingadores: Guerra Infinita é um bom exemplo disso. Um Lugar Silencioso, Hereditário e Corra! idem. Esperava-se muito, por diversos motivos, e nos foi entregue muito. Mas independente de qualquer outro fator, precisamos nos manter fieis ao que realmente estamos recebendo de um filme – não importando quem é o diretor, ator ou se é a sequência de uma produção que esperamos demais.
É claro que queríamos que todos os filmes nos causassem o impacto certo. Afinal, para quem assiste a muitos filmes, gostar da maioria (ou de todos) seria o plano ideal. Mas a decepção faz parte. O que seria dos filmes bons, sem os ruins. Em poucos meses, alguns dos filmes que particularmente mais esperava, surgiram apenas para quebrar aquele período de investimento, imaginando o envolvimento que causariam. O Predador e Halloween, dois filmes diretamente ligados à história pessoal de muitos de nós como cinéfilos, lançaram novos exemplares que sugaram nossa felicidade pela tela. Bem, toda essa gigantesca introdução para aquecer os motores e finalmente falar de Vidro – caminho o qual você já imagina que irei seguir.
Vidro é a sequência direta de Fragmentado (2017), suspense que transformou o diretor M. Night Shyamalan novamente em astro. A grande surpresa daquele filme era se revelar uma continuação e não o material original que havia sido vendido durante a projeção. Fragmentado, na verdade, era o segundo episódio da trilogia iniciada em Corpo Fechado (2000), tão planejada durante décadas pelo cineasta. Uma vez unindo os dois longas num único universo, agora chega a tão aguardada sequência desta história. E o resultado é nada mais que decepcionante. O que não significa que estejamos diante de um novo A Dama na Água (2006) ou Fim dos Tempos (2008).
O novo filme é apenas pouco inspirado. É como se, mais uma vez, Shyamalan tivesse plena confiança por estar no topo do mundo e não precisasse se esforçar tanto para que as plateias se atirem a seus pés. A trama – muito inusitada – desta continuação passa muito tempo se fantasiando de Um Estranho no Ninho (1975) e termina por esquecer de entregar o que o público verdadeiramente queria ver. Sim, é a quebra de expectativa, a puxada no tapete que Shyamalan tanto gosta de realizar. O problema é que isso não funcionou tão bem para ele no passado, restringindo o grande público a um número menor de seguidores apaixonados, que tratam suas obras com religião.
A impressão que fica, no entanto, é a de estagnação – como se personagens e trama permanecessem no status quo sem evoluir. Nada de novo é tentado, e os conflitos apresentados são exatamente o que você deduz apenas de olhar para o cartaz. E previsibilidade é o pior adjetivo que um filme do cineasta pode receber. Em partes monótono, Vidro fica a espera de engatar uma nova marcha e aí o filme acaba.
Aqui, o diretor martela com mão pesada sua filosofia sobre as histórias em quadrinhos serem livros de história sobre a evolução humana – tema abordado com muito mais sutileza há 20 anos em Corpo Fechado. Isso é apenas um exemplo do material reciclado que Shyamalan utiliza na hora de nos servir este prato requentado. Fragmentado é genuinamente uma peça criativa na filmografia do cineasta, que difere em gênero, número e grau do que havia sido apresentado por ele em Corpo Fechado. Justamente por isso, são dois marcos de seu currículo. Aqui falta ousadia. Atrevimento para sair da caixinha e seguir por um terceiro caminho, totalmente oposto para esta continuação. Do jeito que está, soa como se pegasse o que deu certo nos conceitos de um e de outro, e misturasse, repetindo sem adicionar.
Quanto aos atores, Samuel L. Jackson como Elijah, e Sarah Paulson como a Dra. Ellie Staple são os destaques. Bruce Willis está correto no retorno como David Dunn, e os pontos fracos são justamente os atores de Fragmentado. Enquanto Anya Taylor-Joy não precisava estar aqui – tamanha é sua falta de propósito na narrativa -, James McAvoy, que brilhantemente roubou a cena no filme citado (despertando inclusive comoção dos fãs por indicações), apenas repete sua rotina sem o brilho original e na maioria das cenas grunhe sem camisa privilegiando o personagem menos interessante de seu repertório: a Fera.
Falta energia e criatividade em Vidro. A preocupação do diretor em encerrar essa história foi maior do que a de fazer um filme próprio. Nem vale adentrar o terreno dos famosos plot twists – pelos quais Shyamalan é muito associado – porque aqui quando não são inexistentes, não fazem muito sentido. Vidro, assim como o personagem de Jackson, não se sustenta de pé, e termina com a sensação de que faltou muito.