domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | 5º episódio de ‘American Horror Story: Double Feature’ é um dos mais cruéis de toda a série

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American Horror Story: Double Feature’ foi anunciada com grande antecipação pelos fãs da icônica antologia criada por Ryan Murphy e tinha um extenso legado a manter vivo no cenário do entretenimento contemporâneo. Afinal, o parco material promocional não revelou muito sobre a história, mas já deixou os espectadores animados em, provavelmente, retornar às raízes do que outrora colocar a produção no centro dos holofotes e nos braços de uma aclamação contínua (ao menos até a quarta temporada).

É claro que a decisão de Murphy e de Brad Falchuk, seu recorrente colaborador, em dividir a narrativa principal em duas poderia muito bem dar errado – mas não foi esse o caso. Ao contrário do que a maré indicava, ‘Double Feature’ fez uma estrondosa estreia ao misturar terror e drama na medida certa e arquitetar reviravoltas que, apesar de não serem originais, e sim emulativas, nos mantiveram presos às telinhas em uma correnteza sem saída que nos arrastou para a pequena cidade de Provincetown. Acompanhando a saga da família Gardner em um ciclo vicioso de mentiras e de provações, o quinto e penúltimo episódio da primeira parte, ‘Red Tide’, manteve-se num nível altíssimo e se mostrou como um dos mais cruéis já criados para o show.



Em “Gaslight”, como ficou intitulado o mais recente episódio, o foco da trama retorna para uma já conturbada Doris (Lily Rabe em uma atuação espetacular, novamente), que dá luz ao seu segundo filho e retorna para a casa da qual queria escapar. Entretanto, quando acreditava que o pior havia passado, ela enfrenta um turbilhão de emoções que envolvem o marido, Harry (Finn Wittrock), a filha mais velha, Alma (Ryan Kiera Armstrong), e a presença inconveniente de Ursula (Leslie Grossman). Depois de cinco semanas deixada de lado em uma rede de intrigas que culminou em uma explosão de emoções e frustrações, Doris descobre que a família vem tomando pílulas que aumentam o lado criativo das pessoas – e presencia uma cena tenebrosa em que Alma se alimenta do sangue do irmão mais novo. Influenciada pela filha e por Ursula, ela resolve usar o comprimido também, apenas para encarar a própria mediocridade e se transformar numa criatura abjeta e sedenta por sangue.

O ponto de maior sucesso do episódio é, sem dúvida alguma, o intrincado roteiro assinado por Falchuk e por Manny Coto. Enquanto Coto ficou creditado nos erros burlescos da péssima American Horror Stories, ele parece ter feito uso das mesmas pílulas que giram em torno da vida dos personagens em um competente e chocante fluxo imaginativo que não se restringiu em qualquer momento e mergulhou fundo em temas de importante discussão: por um lado, temos o próprio título da iteração, que faz alusão à prática de histeria dos homens contra as mulheres para diminuírem seus problemas; de outro, o paradoxo entre comodismo e talento que irradia de modo implacável e que coloca em xeque as diferentes personalidades de Doris e Alma, por exemplo.

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Mais do que isso, há o intrínseco complexo de sociopatia de Alma que desponta de sua controversa personalidade. Antes frustrada por não ser tão boa quanto outros violinistas, a jovem transformou-se em uma máquina incontrolável que descartou a mãe como se fosse um pedaço de plástico: ela sabia que, tomando o comprimido, Doris não conseguiria lidar com a falta de talento e abandonaria a família (sem escolha, é claro), permitindo que ela e o pai trilhassem seus caminhos sem obstáculos. Armstrong, nesse quesito, entregou uma memorável performance digna de atenção; Grossman, por sua vez, permanece sólida e diverte-se com uma das melhores atuações de sua carreira, encarnando um lado antagonista que até mesmo ultrapassa o de Margaret Booth em ‘1984’.

“Gaslight” é alicerçado nas sólidas bases construídas nos capítulos anteriores e, por esse motivo, tem todo o direito de dar algumas deslizadas. Felizmente, isso não acontece – e até mesmo a direção mimética de John J. Gray não esbarra no óbvio e aproveita para resgatar elementos do expressionismo alemão com uma homenagem sutil a ‘Nosferatu’, pouco antes do ato final. E, apesar dos Gardners terem maior tempo de cena que os outros personagens, Karen (Sarah Paulson) e Mickey (Macaulay Culkin) também causam impacto no altercado relacionamento que possuem. Karen, outrora encarada como uma louca mulher sem prospecto de vida, prova ser a mais madura da cidade e, carregada por uma epifania niilista, coloca um fim em seus problemas em um poético e comovente adeus.

American Horror Story: Double Feature’ perpetua a esplendorosa história que começou algumas semanas atrás e, cometendo pontuais deslizes, explora seu potencial ilimitado e aproveita um fresco panorama para viciar o público com uma narcótica e inspiradora tragédia.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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American Horror Story: Double Feature’ foi anunciada com grande antecipação pelos fãs da icônica antologia criada por Ryan Murphy e tinha um extenso legado a manter vivo no cenário do entretenimento contemporâneo. Afinal, o parco material promocional não revelou muito sobre a história, mas já deixou os espectadores animados em, provavelmente, retornar às raízes do que outrora colocar a produção no centro dos holofotes e nos braços de uma aclamação contínua (ao menos até a quarta temporada).

É claro que a decisão de Murphy e de Brad Falchuk, seu recorrente colaborador, em dividir a narrativa principal em duas poderia muito bem dar errado – mas não foi esse o caso. Ao contrário do que a maré indicava, ‘Double Feature’ fez uma estrondosa estreia ao misturar terror e drama na medida certa e arquitetar reviravoltas que, apesar de não serem originais, e sim emulativas, nos mantiveram presos às telinhas em uma correnteza sem saída que nos arrastou para a pequena cidade de Provincetown. Acompanhando a saga da família Gardner em um ciclo vicioso de mentiras e de provações, o quinto e penúltimo episódio da primeira parte, ‘Red Tide’, manteve-se num nível altíssimo e se mostrou como um dos mais cruéis já criados para o show.

Em “Gaslight”, como ficou intitulado o mais recente episódio, o foco da trama retorna para uma já conturbada Doris (Lily Rabe em uma atuação espetacular, novamente), que dá luz ao seu segundo filho e retorna para a casa da qual queria escapar. Entretanto, quando acreditava que o pior havia passado, ela enfrenta um turbilhão de emoções que envolvem o marido, Harry (Finn Wittrock), a filha mais velha, Alma (Ryan Kiera Armstrong), e a presença inconveniente de Ursula (Leslie Grossman). Depois de cinco semanas deixada de lado em uma rede de intrigas que culminou em uma explosão de emoções e frustrações, Doris descobre que a família vem tomando pílulas que aumentam o lado criativo das pessoas – e presencia uma cena tenebrosa em que Alma se alimenta do sangue do irmão mais novo. Influenciada pela filha e por Ursula, ela resolve usar o comprimido também, apenas para encarar a própria mediocridade e se transformar numa criatura abjeta e sedenta por sangue.

O ponto de maior sucesso do episódio é, sem dúvida alguma, o intrincado roteiro assinado por Falchuk e por Manny Coto. Enquanto Coto ficou creditado nos erros burlescos da péssima American Horror Stories, ele parece ter feito uso das mesmas pílulas que giram em torno da vida dos personagens em um competente e chocante fluxo imaginativo que não se restringiu em qualquer momento e mergulhou fundo em temas de importante discussão: por um lado, temos o próprio título da iteração, que faz alusão à prática de histeria dos homens contra as mulheres para diminuírem seus problemas; de outro, o paradoxo entre comodismo e talento que irradia de modo implacável e que coloca em xeque as diferentes personalidades de Doris e Alma, por exemplo.

Mais do que isso, há o intrínseco complexo de sociopatia de Alma que desponta de sua controversa personalidade. Antes frustrada por não ser tão boa quanto outros violinistas, a jovem transformou-se em uma máquina incontrolável que descartou a mãe como se fosse um pedaço de plástico: ela sabia que, tomando o comprimido, Doris não conseguiria lidar com a falta de talento e abandonaria a família (sem escolha, é claro), permitindo que ela e o pai trilhassem seus caminhos sem obstáculos. Armstrong, nesse quesito, entregou uma memorável performance digna de atenção; Grossman, por sua vez, permanece sólida e diverte-se com uma das melhores atuações de sua carreira, encarnando um lado antagonista que até mesmo ultrapassa o de Margaret Booth em ‘1984’.

“Gaslight” é alicerçado nas sólidas bases construídas nos capítulos anteriores e, por esse motivo, tem todo o direito de dar algumas deslizadas. Felizmente, isso não acontece – e até mesmo a direção mimética de John J. Gray não esbarra no óbvio e aproveita para resgatar elementos do expressionismo alemão com uma homenagem sutil a ‘Nosferatu’, pouco antes do ato final. E, apesar dos Gardners terem maior tempo de cena que os outros personagens, Karen (Sarah Paulson) e Mickey (Macaulay Culkin) também causam impacto no altercado relacionamento que possuem. Karen, outrora encarada como uma louca mulher sem prospecto de vida, prova ser a mais madura da cidade e, carregada por uma epifania niilista, coloca um fim em seus problemas em um poético e comovente adeus.

American Horror Story: Double Feature’ perpetua a esplendorosa história que começou algumas semanas atrás e, cometendo pontuais deslizes, explora seu potencial ilimitado e aproveita um fresco panorama para viciar o público com uma narcótica e inspiradora tragédia.

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