Crítica | A Cabra – Pierre Richard e Gérard Depardieu em EXCELENTE Comédia das Antigas [Festival de Cinema Francês]

Muitos dos atores mais consagrados dos nossos tempos tiveram suas carreiras iniciadas tempos antes de muitos de nós sequer termos nascido. O que significa, na prática, que muitos de nós criou imagens fixas de artistas consagrados como se eles não tivessem tido um início de carreira – mas tiveram. E aí está o encantamento de assistir a clássicos restaurados ou filmes antigos que voltam ao circuito para o público de hoje: entender como esses artistas se tornaram quem são hoje. Foi o que o Festival de Cinema Francês fez este ano, ao trazer para o circuito exibidor o longa ‘A Cabra’, de 1981, como parte da mostra em celebração ao ator Pierre Richard, homenageado desse ano.

Um homem muito rico e dono de uma importante empresa enfrenta uma situação difícil: é que sua filha, Marie (Corynne Charbit) está desaparecida há meses. Acontece que a jovem além de rica e herdeira, é também muito, muito azarada, por isso o pai colocou um investigador, Campana (Gérard Depardieu), que não conseguiu encontrar seu paradeiro. É então que um funcionário da empresa dá uma sugestão: contratar François (Pierre Richard) para encontrar Marie, uma vez que o sujeito é tão azarado quanto a filha do magnata. Assim começa a improvável campanha de resgate no meio da selva, promovida por um contador mega azarado e um detetive particular mega frustrado por não conseguir realizar seu trabalho direito.

Mais do que uma comédia estrelada pelo tropo policial mau versus policial bom, ‘A Cabra’ é uma comédia crua, bem aos moldes de antigamente, moldada pelas comédias de costume para criticar a metodologia que o inconsciente cria sobre o que é sorte e o que é azar dentro de um contexto em que tudo muda o tempo todo, encabeçados por dois personagens diametralmente opostos que usam a razão e a inspiração como motivadores de suas ações. Desse contraste nasce o humor genuíno no filme de Francis Veber.



Mas são as atuações da dupla principal que arrancam verdadeiras gargalhadas do público. Pierre Richard simplesmente brilha como um cara totalmente azarado, mas que não tem o menor conhecimento do que está acontecendo consigo mesmo, ao contrário: certo de que tudo é acaso, ao receber a proposta de seu chefe entende-se, de uma maneira bem torta, que é ele quem está no comando da missão, levando à loucura o pobre do Campana – e ao vermos o jovem Depardieu em cena, conseguimos entender o frisson que causou tanto no público quanto na indústria da época.

Ter uma dupla de atores em total sintonia faz com que ‘A Cabra’ seja mais do que um filme, e sim uma aula de direção, de roteiro de comédia e de improvisos. E de como é possível fazer comédia sem ser ofensivo, mesmo cinquenta anos atrás. É claro que aqui e ali há alguma situação mais datada, que não seria bem-visto se produzido hoje, mas a ideia e o desenvolvimento de ‘A Cabra’ são tão geniais, que é simplesmente impossível não se permitir rir das situações insanas em que os personagens se metem – principalmente a partir da inocência de François, pois é a sua ingenuidade que proporciona o absurdo da trama.

Simples, atemporal e engraçado do início ao fim, ‘A Cabra’ poderia muito bem ser um filme brasileiro estrelado pelo Hassum, mas é filme francês. O que demonstra a universalidade da comédia bem feita, e também comprova porque Pierre Richard e Gérard Depardieu se tornaram atores tão consagrados até os dias de hoje, cinquenta anos após seu lançamento. Ainda bem que o Festival de Cinema Francês trouxe essa experiência em tela grande para o público de hoje!

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Janda Montenegro
Janda Montenegro é doutora-pesquisadora em Literatura Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRJ com ênfase nas literaturas preta e indígenas de autoria brasileira contemporâneas. De origem peruana amazônica, Janda é uma palavra em tupi que significa “voar”. Desde 2018 trabalha como crítica de cinema nos portais CinePOP e Cabine Secreta. É curadora, repórter cultural, assistente de direção e roteirista. Co-proprietária da produtora Cabine Secreta e autora dos romances Antes do 174 (2010), O Incrível Mundo do Senhor da Chuva (2011); Por enquanto, adeus (2013); A Love Tale (2014); Três Dias Para Sempre (2015); Um Coração para o Homem de Lata (2016); Aconteceu Naquele Natal (2018,). O Último Adeus (2023). Cinéfila desde pequena, escreve seus textos sem usar chat GPT e já entrevistou centenas de artistas, dentre os quais Xuxa, Viola Davis, Willem Dafoe, Luca Guadanigno e Dakota Johnson.
Janda Montenegrohttps://cinepop.com.br
Janda Montenegro é doutora-pesquisadora em Literatura Brasileira no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRJ com ênfase nas literaturas preta e indígenas de autoria brasileira contemporâneas. De origem peruana amazônica, Janda é uma palavra em tupi que significa “voar”. Desde 2018 trabalha como crítica de cinema nos portais CinePOP e Cabine Secreta. É curadora, repórter cultural, assistente de direção e roteirista. Co-proprietária da produtora Cabine Secreta e autora dos romances Antes do 174 (2010), O Incrível Mundo do Senhor da Chuva (2011); Por enquanto, adeus (2013); A Love Tale (2014); Três Dias Para Sempre (2015); Um Coração para o Homem de Lata (2016); Aconteceu Naquele Natal (2018,). O Último Adeus (2023). Cinéfila desde pequena, escreve seus textos sem usar chat GPT e já entrevistou centenas de artistas, dentre os quais Xuxa, Viola Davis, Willem Dafoe, Luca Guadanigno e Dakota Johnson.
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