Quando pensamos em prolificidade criativa, não há nome como o de Ryan Murphy para calçar esses sapatos com perfeição. Murphy é apenas o criador por trás de uma das antologias mais famosas de todos os tempos, ‘American Horror Story’, e também de diversas outras produções que caíram no gosto popular – incluindo o spin-off ‘American Crime Story’, a adorada série musical ‘Glee’ e o drama LGBTQ+ ‘Pose’ (uma das melhores produções das últimas décadas). Agora, após fechar uma parceria com a Netflix, Murphy já produziu diversos conteúdos originais que, para o bem ou para o mal, ajudaram a popularizar ainda mais seu estilo artístico único – incluindo a mediana série ‘The Politician’ e a visualmente belíssima ‘Ratched’, spin-off de ‘Um Estranho no Ninho’ estrelado por Sarah Paulson.
Depois de oferecer sua própria perspectiva para o remake de ‘The Boys in the Band’ – uma releitura sólida o suficiente para nos manter presos do começo ao fim -, chegou a hora de Murphy apostar mais fichas em suas veias teatrais com a adaptação do musical ‘The Prom’, que recebeu o título de ‘A Festa de Formatura’. Voltando a explorar a necessária representatividade queer no cenário mainstream, o realizador abriu portas para uma história que é centrada numa jovem garota lésbica que é impedida de participar do baile de formatura de seu colégio pela orientação sexual – evento que chama a atenção de estrelas da Broadway em decadência para tentar reverter a decisão da comissão de pais e mestres e dar a ela o que merece e o que lhe é direito.
No geral, o longa-metragem é bastante chamativo, ainda mais por não se situar exatamente em um período histórico único, e sim se espalhar para a contínua luta da comunidade LGBTQ+ pela aceitação e pelo respeito em um mundo cada vez mais retrógrado. Aliando-se à fotografia explosiva de Matthew Libatique (‘Nasce Uma Estrela’) e aos brilhantes figurinos criados por Lou Eyrich, Murphy arquiteta um enredo adorável em todos os seus aspectos, mas que tropeça no meio do caminho por uma extensão interminável e alguns atos que poderiam ser cortados sem afetar as mensagens de paz e de empatia que exalam à medida que chegamos ao terceiro ato. Em outras palavras, o visual estonteante acaba servindo como máscara para diversos equívocos que se aglutinam em uma bola de neve incontrolável.
Murphy encontra um terreno fértil para brincar com suas incursões deliciosamente afetadas que tanto conhecemos de investidas anteriores, ainda mais por deixar o roteiro a encargo dos dramaturgos da peça original, Bob Martin e Chad Beguelin, e a trilha sonora como responsabilidade de Matthew Sklar, provindo dos palcos da Broadway e de suas influências de ‘Chicago’ e ‘Nine’. Mais do que isso, o elenco, guiado pelas performances irretocáveis de Meryl Streep, Nicole Kidman e Kerry Washington, faz o melhor de uma infeliz linearidade e uma falta de ousadia que é uma entrada esquecível ao expansivo catálogo da carreira do cineasta.
Streep dá vida a Dee Dee Allen, uma veterana dos palcos nova-iorquinos que, após sofrer uma grande decepção em sua última estreia, se une a Barry Glickman (James Corden) para reavaliarem o modo como a mídia os enxerga – uma dupla de artistas narcisistas e indignos de qualquer apoio do público – e encontrarem um modo de fazer qualquer serviço social em troca de “boa publicidade”. Acompanhando-os para uma pequena cidade de Indiana, há também a otimista e problemática Angie Dickinson (Kidman) e o egocêntrico Trent Oliver (Andrew Rannells em uma de suas melhores atuações até hoje) – e o quarteto improvável segue marchando com um coro da peça ‘Godspell’ para irromper no tradicional Colégio James Madison e ajudar Emma (interpretada pela novata Jo Ellen Pellman) a se reerguer.
Enquanto comédia, Streep e Corden nutrem de uma química espetacular e de diálogos irreverentes que não pensam duas vezes antes de chocar os espectadores pela diabólica crueza e por uma retorcida egolatria que, eventualmente, emerge como base de complexas e traumatizadas personalidades. Porém, quando a atmosfera começa a se respaldar em um drama tour-de-force, as coisas desandam e parecem manchar uma sutil e familiar estrutura com simbologias datadas, querendo entregar mais do que realmente consegue. O melodrama funciona essencialmente quando a antagonista encarnada por Washington, Sra. Greene, passa por uma profunda transformação, mostrando-se como uma megera religiosa que entra em conflito com suas próprias crenças quando percebe que a filha, Alyssa (Ariana DeBose) é tudo aquilo que outrora condenava.
Tenho certeza de que as exuberantes canções de Sklar realmente funcionam no âmbito teatral, mas aqui até mesmo as faixas mais interessantes se rendem a mais formulaicas das progressões e a uma repetitiva reciclagem sonora que, no final das contas, impede que elas falem por si mesma. Temos as breves exceções de “Changing Lives”, da fosseana “Zazz” e até mesmo da gospel incursão de “Love Thy Neighbor”. O intrínseco problema se faz num estranho desconforto e em movimentos quase robóticos por parte do elenco, desprovidos, às vezes, da tão sonhada naturalidade musical.
‘A Festa de Formatura’ é uma diversão garantida, isso não podemos negar. À medida que se desvencilha de explorações profundas e deixa as presunções de lado – mais precisamente com a iminência do grand finale -, temos uma história que celebra a vida e celebra o amor a quem somos de verdade. A overdose de glitter e de alegria pode até funcionar, mas passa longe de explorar todo o potencial que esconde.