quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | A Lei da Noite

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‘Sadfleck’, o gângster

Poucos artistas tiveram uma entrada tão triunfal em Hollywood quanto Ben Affleck. O ano era 1998, e Affleck, então um jovem de 26 anos, levava para casa a estatueta de melhor roteiro original, ao lado do protagonista Matt Damon, por Gênio Indomável. A amizade entre os atores ficou muito conhecida, além do talento da dupla. Mas se por um lado, Damon viu seu reconhecimento como ator chegar logo (ele foi indicado como protagonista no filme citado, e depois por Invictus, em 2010, e Perdido em Marte, em 2016), Affleck naufragava após a tentativa de virar herói em blockbusters (Armageddon, Pearl Harbor e Jogo Duro), com escolhas de projetos duvidosos que o levaram para o fundo do poço no início da década passada – vide Contato de Risco (2003), O Pagamento (2003), Menina dos Olhos (2004) e Sobrevivendo ao Natal (2004).

Foi quando Affleck decidiu fazer a transição para trás das câmeras, adaptando de forma quase secreta (sem muita divulgação), o suspense Medo da Verdade, de Dennis Lehane, que sua carreira sofreria nova reviravolta, desta vez rumo ladeira acima. O esforço do ator como diretor debutante foi muito elogiado, inspirando uma crescente de projetos como cineasta, seguiram Atração Perigosa (2010) e o ápice com Argo (2012), vencedor do Oscar de melhor filme em 2013. Como ator, a carreira de Affleck se beneficiou de sua nova ocupação, rendendo trabalhos melhores também frente às câmeras, como Intrigas de Estado (2009), A Grande Virada (2010), Amor Pleno (2012) e Garota Exemplar (2014), além dos citados que igualmente dirigiu. Porém, em 2016, Affleck apertou novamente a mão do diabo e afundou com Batman Vs. Superman, o esquizofrênico O Contador, e culminando com o fracasso de A Lei da Noite (nos EUA, o filme foi mal de crítica e público).



A Lei da Noite, quarto trabalho de Affleck como diretor, era tido como uma das grandes apostas da Warner para o Oscar 2017. Primeiro, porque marcaria um novo encontro de um texto de Lehane adaptado por Affleck para o cinema, depois de Medo da Verdade. No cinema, os livros do autor já renderam filmes como Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood, e Ilha do Medo (2010), de Martin Scorsese. Segundo, porque era o primeiro projeto de Affleck na direção depois do aclamado Argo, vencedor de 3 Oscar. A expectativa era, no mínimo, alta. Fora isso, a produção é uma das maiores a abordar o subgênero dos gangsteres, que há muito não emplaca um grande filme no cinema. Para a obra, Affleck se cercou de profissionais proeminentes (e caros) do meio como Robert Richardson na fotografia (vencedor de 3 Oscar) e William Goldenberg na edição (vencedor do Oscar), além da trilha sonora, direção de arte e figurinos. E tudo aparece na tela.

A Lei da Noite é em seu núcleo um grande filme de gangsteres, que, como nas mais famosas histórias, acompanha a ascensão e queda de uma figura central – aqui, Joe Coughlin, interpretado pelo próprio Affleck. Na trama, Coughlin é um criminoso de carreira e notório assaltante de bancos, que sempre procurou se manter à margem do crime organizado de Boston. Seu maior erro foi apaixonar-se por Emma Gould (papel de Sienna Miller), amante do poderoso chefão local Albert White (Robert Glenister), e com ela ter um relacionamento proibido. É claro que esta história não iria terminar bem, principalmente para o protagonista, acabando preso, mas não morto, protegido pelo pai chefe de polícia, papel do sempre ótimo Brendan Gleeson.

Algum tempo depois, Coughlin deixa a prisão, agora disposto a se vingar do homem que arruinou sua vida. Para isso, nada melhor que se juntar ao maior rival dele, o italiano Maso Pescatore (Remo Girone), fazendo valer a máxima do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Assim, o sujeito adere finalmente à máfia, e é enviado para Tampa, na Flórida, para lá cuidar dos negócios e construir seu próprio império, durante a era da Lei Seca norte-americana, nos anos 1930. No local, o protagonista conhece um novo amor, nas formas da cubana Graciela (Zoe Saldana, exalando mais sensualidade e beleza do que nunca), precisará lidar com um policial corrupto (Chris Cooper, o melhor em cena), sua filha ultra religiosa (Elle Fanning, a segunda melhor em cena), e até mesmo fanáticos da Klu Klux Klan (personificados por Matthew Maher, cujas cenas rendem alguns dos melhores e mais tensos momentos do longa).

A Lei da Noite tem a magnitude dos grandes espetáculos do cinema, e ver um confeccionado dentro deste gênero enche os olhos. Repetindo, é raro ganharmos algo de tamanha qualidade atualmente dentro deste estilo. O longa de Affleck emula inclusive O Poderoso Chefão (1972), em uma cena específica. O filme, no entanto, possui suas fraquezas também. Talvez a maior delas seja confiar em Affleck para estrelar o longa, o que deixa o protagonista sem as camadas psicológicas necessárias em momentos chave – como um diálogo chantagista com Cooper – que se caso tivessem um ator mais potente, renderiam algo especialmente único. Como estão, soam como esforços unilaterais. Sentimos isso em todas as trocas que Affleck, o ator, tem durante o filme, seja como Fanning, Saldana e até mesmo com a ameaça de Maher.

A obra também sofre com a edição episódica, que talvez tenha influência do roteiro adaptado pelo próprio Affleck, para o épico conto criminal de Lehane. O fato só demonstra o quanto adaptações são difíceis. Tudo bem que o ator é um roteirista treinado, vencedor do Oscar, mas em trabalhos anteriores sempre contou com o apoio do texto de outros, como Aaron Stockard (Medo da Verdade), Peter Craig e Aaron Stockard (Atração Perigosa) e Chris Terio (Argo). O longa perpassa a série de eventos citados, como episódios em um programa de TV, sem uma linha narrativa conectora, que amarre os fatos de forma mais uníssona e inclusiva. Apesar destas questões, que não chegam a atrapalhar o desempenho final, A Lei da Noite possui muito mais a seu favor, como atuações que transitam entre satisfatórias, chamativas e muito boas – além das citadas, temos também Chris Messina como Dion Bartolo, o melhor amigo de Coughlin, Max Casella, Anthony Michael Hall e Clark Gregg, todos rendendo boas cenas que ajudam a construir o todo.

O clima geral também é satisfatório, no qual os quesitos técnicos (fotografia, direção de arte, trilha e figurinos) somados à direção de Affleck, conseguem nos transportar para uma época específica, abraçando o sentimento do período – em especial as cenas de Tampa, com os clubes noturnos cubanos. No fim das contas, A Leia da Noite pode ser definido como um amontoado de cenas eficientes (com algumas beirando a grandeza), que podem não funcionar tão bem, ou coerentemente, em conjunto. Apesar disso, que cenas! Numa época em que o cinemão mainstream anda capenga, precisando se firmar em produtos mirados ao público jovem, é necessário ostentar a importância de filmes como este, que dão tudo de si homenageando, fazendo referências e, principalmente, ligando presente com passado, cada vez menos valorizado pela geração dispersa atual. Verdadeiramente, valores como os trazidos por este tipo de cinema, talvez não tenham mais lugar no mundo atual. É uma pena.

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Foi quando Affleck decidiu fazer a transição para trás das câmeras, adaptando de forma quase secreta (sem muita divulgação), o suspense Medo da Verdade, de Dennis Lehane, que sua carreira sofreria nova reviravolta, desta vez rumo ladeira acima. O esforço do ator como diretor debutante foi muito elogiado, inspirando uma crescente de projetos como cineasta, seguiram Atração Perigosa (2010) e o ápice com Argo (2012), vencedor do Oscar de melhor filme em 2013. Como ator, a carreira de Affleck se beneficiou de sua nova ocupação, rendendo trabalhos melhores também frente às câmeras, como Intrigas de Estado (2009), A Grande Virada (2010), Amor Pleno (2012) e Garota Exemplar (2014), além dos citados que igualmente dirigiu. Porém, em 2016, Affleck apertou novamente a mão do diabo e afundou com Batman Vs. Superman, o esquizofrênico O Contador, e culminando com o fracasso de A Lei da Noite (nos EUA, o filme foi mal de crítica e público).

A Lei da Noite, quarto trabalho de Affleck como diretor, era tido como uma das grandes apostas da Warner para o Oscar 2017. Primeiro, porque marcaria um novo encontro de um texto de Lehane adaptado por Affleck para o cinema, depois de Medo da Verdade. No cinema, os livros do autor já renderam filmes como Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood, e Ilha do Medo (2010), de Martin Scorsese. Segundo, porque era o primeiro projeto de Affleck na direção depois do aclamado Argo, vencedor de 3 Oscar. A expectativa era, no mínimo, alta. Fora isso, a produção é uma das maiores a abordar o subgênero dos gangsteres, que há muito não emplaca um grande filme no cinema. Para a obra, Affleck se cercou de profissionais proeminentes (e caros) do meio como Robert Richardson na fotografia (vencedor de 3 Oscar) e William Goldenberg na edição (vencedor do Oscar), além da trilha sonora, direção de arte e figurinos. E tudo aparece na tela.

A Lei da Noite é em seu núcleo um grande filme de gangsteres, que, como nas mais famosas histórias, acompanha a ascensão e queda de uma figura central – aqui, Joe Coughlin, interpretado pelo próprio Affleck. Na trama, Coughlin é um criminoso de carreira e notório assaltante de bancos, que sempre procurou se manter à margem do crime organizado de Boston. Seu maior erro foi apaixonar-se por Emma Gould (papel de Sienna Miller), amante do poderoso chefão local Albert White (Robert Glenister), e com ela ter um relacionamento proibido. É claro que esta história não iria terminar bem, principalmente para o protagonista, acabando preso, mas não morto, protegido pelo pai chefe de polícia, papel do sempre ótimo Brendan Gleeson.

Algum tempo depois, Coughlin deixa a prisão, agora disposto a se vingar do homem que arruinou sua vida. Para isso, nada melhor que se juntar ao maior rival dele, o italiano Maso Pescatore (Remo Girone), fazendo valer a máxima do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Assim, o sujeito adere finalmente à máfia, e é enviado para Tampa, na Flórida, para lá cuidar dos negócios e construir seu próprio império, durante a era da Lei Seca norte-americana, nos anos 1930. No local, o protagonista conhece um novo amor, nas formas da cubana Graciela (Zoe Saldana, exalando mais sensualidade e beleza do que nunca), precisará lidar com um policial corrupto (Chris Cooper, o melhor em cena), sua filha ultra religiosa (Elle Fanning, a segunda melhor em cena), e até mesmo fanáticos da Klu Klux Klan (personificados por Matthew Maher, cujas cenas rendem alguns dos melhores e mais tensos momentos do longa).

A Lei da Noite tem a magnitude dos grandes espetáculos do cinema, e ver um confeccionado dentro deste gênero enche os olhos. Repetindo, é raro ganharmos algo de tamanha qualidade atualmente dentro deste estilo. O longa de Affleck emula inclusive O Poderoso Chefão (1972), em uma cena específica. O filme, no entanto, possui suas fraquezas também. Talvez a maior delas seja confiar em Affleck para estrelar o longa, o que deixa o protagonista sem as camadas psicológicas necessárias em momentos chave – como um diálogo chantagista com Cooper – que se caso tivessem um ator mais potente, renderiam algo especialmente único. Como estão, soam como esforços unilaterais. Sentimos isso em todas as trocas que Affleck, o ator, tem durante o filme, seja como Fanning, Saldana e até mesmo com a ameaça de Maher.

A obra também sofre com a edição episódica, que talvez tenha influência do roteiro adaptado pelo próprio Affleck, para o épico conto criminal de Lehane. O fato só demonstra o quanto adaptações são difíceis. Tudo bem que o ator é um roteirista treinado, vencedor do Oscar, mas em trabalhos anteriores sempre contou com o apoio do texto de outros, como Aaron Stockard (Medo da Verdade), Peter Craig e Aaron Stockard (Atração Perigosa) e Chris Terio (Argo). O longa perpassa a série de eventos citados, como episódios em um programa de TV, sem uma linha narrativa conectora, que amarre os fatos de forma mais uníssona e inclusiva. Apesar destas questões, que não chegam a atrapalhar o desempenho final, A Lei da Noite possui muito mais a seu favor, como atuações que transitam entre satisfatórias, chamativas e muito boas – além das citadas, temos também Chris Messina como Dion Bartolo, o melhor amigo de Coughlin, Max Casella, Anthony Michael Hall e Clark Gregg, todos rendendo boas cenas que ajudam a construir o todo.

O clima geral também é satisfatório, no qual os quesitos técnicos (fotografia, direção de arte, trilha e figurinos) somados à direção de Affleck, conseguem nos transportar para uma época específica, abraçando o sentimento do período – em especial as cenas de Tampa, com os clubes noturnos cubanos. No fim das contas, A Leia da Noite pode ser definido como um amontoado de cenas eficientes (com algumas beirando a grandeza), que podem não funcionar tão bem, ou coerentemente, em conjunto. Apesar disso, que cenas! Numa época em que o cinemão mainstream anda capenga, precisando se firmar em produtos mirados ao público jovem, é necessário ostentar a importância de filmes como este, que dão tudo de si homenageando, fazendo referências e, principalmente, ligando presente com passado, cada vez menos valorizado pela geração dispersa atual. Verdadeiramente, valores como os trazidos por este tipo de cinema, talvez não tenham mais lugar no mundo atual. É uma pena.

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