A indústria cinematográfica sul-coreana aos poucos vem conquistando o gosto do grande público. A coroação dos esforços das leis de incentivo culturais daquele país veio no início de 2020, com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e de Melhor Filme para ‘Parasita’ – e, de lá para cá, os olhos do mundo se voltaram para a parte sul da ilha da Coreia. Para fechar o ano, chega agora à Netflix o incrível suspense ‘A Ligação’.
Seo-yeon (Park Shin-Hye) é uma jovem que acaba de se mudar para a antiga casa da sua família, onde passara a infância e onde, anos atrás, perdera o pai (Ho-San Park) em um incêndio. Porém, as dolorosas memórias do passado não são as únicas ameaças na sua vida atual: após perder o celular, Seo-yeon passa a receber ligações sinistras de Young-sook (Jong-seo Jun), a antiga moradora do passado, no telefone fixo da casa. Aos poucos, o que parecia ser uma divertida viagem no tempo vai se transformando em um pesadelo maior do que os fantasmas do passado na vida de Seo-yeon.
Em quase duas horas de duração, o espectador é convidado a conhecer uma história aparentemente tranquila, mas que vai se problematizando aos poucos, regada de plot twists e que escala rapidamente do drama para o thriller. Com o enredo centrado na relação entre as duas protagonistas mulheres, o roteiro de Chung-Hyun Lee se reinventa junto com seu próprio argumento, apropriando-se do conceito de viagem do tempo e trazendo-o para o gênero do thriller e do serial killer, convidando o espectador a pensar que nem toda viagem no tempo é feliz e, sim, ações que mudam o curso das coisas no passado afetam drasticamente o rumo da vida no presente e no futuro.
Embora a essência do argumento não seja exatamente original, o bacana é trazer esse mote para o contexto do thriller, e Chung-Hyun Lee constrói isso muito bem em seu ‘A Ligação’, não só pelo roteiro cheio de reviravoltas, mas também em outros aspectos que alimentam um longa-metragem: na paleta de cores (que no início do filme é bastante solar e iluminada e, no final, é completamente sombrio, em tons de azul e preto); na trilha sonora, com fundamental inserção do heavy metal de Seo Taiji do segundo ato em diante; na caracterização das personagens, cujos cabelos alternam entre mais comprido e mais curto dependendo de quem está no comando da situação no momento; ao uso dos efeitos especiais apenas no momento certo, de modo que o desenvolvimento da trama se dá basicamente apenas na casa e as mudanças que nela ocorrem de acordo com o desenrolar do filme.
Em ‘A Ligação’ vemos algo ainda pouco oferecido no mercado audiovisual: uma história que é centrada e se desenvolve apenas em um núcleo feminino, composto pela protagonista e sua antagonista, com pouquíssima participação de personagens masculinos. Neste quesito, Park Shin-Hye e Jong-seo Jun dão um banho de interpretação, escalonando seus papéis da inocência à loucura em todo o seu potencial.
‘A Ligação’ é um ótimo thriller que não desperdiça nem um minuto da atenção do espectador e oferece muito mais do que a sinopse apresenta. É para ver numa sentada só até o final – ou até depois do final, pois tem cena pós-crédito.