quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | A Natureza do Amor – Comédia Romântica entrega Corajosa Reflexão sobre Adultério e Desejo aos 40

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Apresentado no Festival de Cannes 2023, na mostra Um Certo Olhar, A Natureza do Amor (Simple Comme Sylvain) é uma comédia romântica sobre — ainda pouca abordada no cinema moderno — a experiência da mulher adúltera em busca de prazer e paixão ao invés de segurança e conforto. O terceiro longa da canadense Monia Chokri é um intenso passeio de emoções sobre a vida amorosa da mulher independente do século XXI. 

Já na primeira cena, a diretora quebecoise nos coloca na mesa de jantar com dois casais de amigos, no qual conhecemos alguns aspectos de suas personalidades e, principalmente, classe econômica. Sophie (Magalie Lépine Blondeau), uma professora de filosofia universitária casada com Xavier (Francis-William Rhéaume) e do outro lado os amigos Françoise (vivida pela própria diretora Monia Chokri) e Philippe (Steve Laplante) no patamar de progenitores em torno das necessidades dos filhos. 



Todos parecem cômodos em seus discursos de classe média bem sucedida entre belas taças de vinhos e uma vida confortável. Afinal, o status social será a tônica tanto para o desencadeamento de uma paixão quanto a comédia dos desencontros entre o desejo e a materialidade dessa fantasia no mundo real. Para acompanhar esta jornada, a trilha sonora também tem  sua mágica, com destaque para Still Love You (1984), de Scorpions, que adentra o roteiro e o romance iminente.  

Em sala de aula, Sophie ensina sobre a teoria do amor baseada na obra Retórica de Aristóteles e outros filósofos. Os sentimentos transmitidos a seus alunos, entretanto, estão adormecidos dentro dela, que aos 40 anos tem uma vida estável e sem grandes emoções. Para sair da rotina, o casal Sophie e Xavier estão prestes a comprar uma casa de férias no campo, distante da cidade e perto de um lago. O sonho da classe média moradora de apartamentos na capital, seja em qualquer lugar do mundo. 

A partir desse projeto, Sophie conhece o encarregado de obras Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), o qual cuida dos últimos reparos da sua nova moradia sazonal. Como nos melhores clichês românticos, a moça da cidade encanta-se pelo jeito simples e rústico do moço do campo. Independente do esperado acontecimento, a química entre os atores funciona de forma a soltar faíscas em cena e o sorriso meio cínico meio ingênuo de Sylvain é um convite inevitável para o público e Sophia deixar-se levar se pelas expectativas de mais do que uma bela curvatura dos lábios. 

Narrativas de mulheres afortunadas e casadas que se envolvem com os trabalhadores braçais em busca de uma verdadeira paixão baseada na ideia do homem pobre, mas másculo, não é uma novidade. Os romances históricos, por exemplo, Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1865), de Nikolai Leskov, e O Amante de Lady Chatterley (1928), de D. H. Lawrence, já apresentavam a mulher adúltera em busca de seus próprios interesses, mas o cinema arrisca ainda muito pouco nessa dinâmica sem criar uma vilã.

Se recomeços após traições alheias são enredos cativantes, como Sob o Sol da Toscana (2003), de Audrey Wells, a adúltera, tal como em Infidelidade (2002), de Adrian Lyne, recebe uma carga punitivista. Com bravura, Monia Chokri deixa essas características por terra e navega em uma madura trajetória a fim de permitir-se viver além dos rótulos. Quando Sophie entrega-se a Sylvain, ela adentra ao seu mundo simples e sua família, sem diplomas universitários e muitos erros linguísticos. 

Por diversas vezes, ela corrige o seu modo de falar de maneira a notar-se que este detalhe a incomoda. A direção de arte tem um trabalho notável em criar tudo sem tons beges e vermelhos como uma outono interminável na vida dos seus personagens, até mesmo uma pouco usual luva de plástico bege compõe o cenário perfeitamente modulado. Trabalho semelhante pode ser admirado no surrealista Babysitter (2022), segundo longa-metragem da diretora, disponível na plataforma MUBI

Antes de passar ao próximo capítulo de uma aventura, no entanto, Sophie precisa terminar o seguro, aprazível e duradouro relacionamento com Xavier. Cenas de términos de relacionamento costumam ser muitas boas, se feitas na medida certa, senão torna-se uma quebra de ritmo e de elo com o espectador. Como em filmes premiados pelos seus roteiros, Closer – Perto Demais (2004) e A Pior Pessoa do Mundo (2021) — ótimos exemplos de rompimentos dolorosos —, Chokri (que também assina o roteiro) deixa todos os dilemas da sua protagonistas navegarem de forma realista e pungente. 

Ao atravessar a barreira de convencer-se sobre suas escolhas, Sophie é uma mulher real, sem heroísmo, carregada de alguns preconceitos de sua classe e com dúvidas sobre como lidar com a realidade da carga sentimental adquirida nos livros de filosofia. Para uma comédia romântica, A Natureza do Amor entrega muito mais do que um bom momento de catarse cômica e emotiva, mas uma viagem de introspecção sobre vontade, coragem e aceitação.

 

Ganhador do César de Melhor Filme Estrangeiro 2024, A Natureza do Amor (Simple Comme Sylvain) estreou nos cinemas brasileiros no dia 25 de abril de 2024 com distribuição da Imovision

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Já na primeira cena, a diretora quebecoise nos coloca na mesa de jantar com dois casais de amigos, no qual conhecemos alguns aspectos de suas personalidades e, principalmente, classe econômica. Sophie (Magalie Lépine Blondeau), uma professora de filosofia universitária casada com Xavier (Francis-William Rhéaume) e do outro lado os amigos Françoise (vivida pela própria diretora Monia Chokri) e Philippe (Steve Laplante) no patamar de progenitores em torno das necessidades dos filhos. 

Todos parecem cômodos em seus discursos de classe média bem sucedida entre belas taças de vinhos e uma vida confortável. Afinal, o status social será a tônica tanto para o desencadeamento de uma paixão quanto a comédia dos desencontros entre o desejo e a materialidade dessa fantasia no mundo real. Para acompanhar esta jornada, a trilha sonora também tem  sua mágica, com destaque para Still Love You (1984), de Scorpions, que adentra o roteiro e o romance iminente.  

Em sala de aula, Sophie ensina sobre a teoria do amor baseada na obra Retórica de Aristóteles e outros filósofos. Os sentimentos transmitidos a seus alunos, entretanto, estão adormecidos dentro dela, que aos 40 anos tem uma vida estável e sem grandes emoções. Para sair da rotina, o casal Sophie e Xavier estão prestes a comprar uma casa de férias no campo, distante da cidade e perto de um lago. O sonho da classe média moradora de apartamentos na capital, seja em qualquer lugar do mundo. 

A partir desse projeto, Sophie conhece o encarregado de obras Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), o qual cuida dos últimos reparos da sua nova moradia sazonal. Como nos melhores clichês românticos, a moça da cidade encanta-se pelo jeito simples e rústico do moço do campo. Independente do esperado acontecimento, a química entre os atores funciona de forma a soltar faíscas em cena e o sorriso meio cínico meio ingênuo de Sylvain é um convite inevitável para o público e Sophia deixar-se levar se pelas expectativas de mais do que uma bela curvatura dos lábios. 

Narrativas de mulheres afortunadas e casadas que se envolvem com os trabalhadores braçais em busca de uma verdadeira paixão baseada na ideia do homem pobre, mas másculo, não é uma novidade. Os romances históricos, por exemplo, Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1865), de Nikolai Leskov, e O Amante de Lady Chatterley (1928), de D. H. Lawrence, já apresentavam a mulher adúltera em busca de seus próprios interesses, mas o cinema arrisca ainda muito pouco nessa dinâmica sem criar uma vilã.

Se recomeços após traições alheias são enredos cativantes, como Sob o Sol da Toscana (2003), de Audrey Wells, a adúltera, tal como em Infidelidade (2002), de Adrian Lyne, recebe uma carga punitivista. Com bravura, Monia Chokri deixa essas características por terra e navega em uma madura trajetória a fim de permitir-se viver além dos rótulos. Quando Sophie entrega-se a Sylvain, ela adentra ao seu mundo simples e sua família, sem diplomas universitários e muitos erros linguísticos. 

Por diversas vezes, ela corrige o seu modo de falar de maneira a notar-se que este detalhe a incomoda. A direção de arte tem um trabalho notável em criar tudo sem tons beges e vermelhos como uma outono interminável na vida dos seus personagens, até mesmo uma pouco usual luva de plástico bege compõe o cenário perfeitamente modulado. Trabalho semelhante pode ser admirado no surrealista Babysitter (2022), segundo longa-metragem da diretora, disponível na plataforma MUBI

Antes de passar ao próximo capítulo de uma aventura, no entanto, Sophie precisa terminar o seguro, aprazível e duradouro relacionamento com Xavier. Cenas de términos de relacionamento costumam ser muitas boas, se feitas na medida certa, senão torna-se uma quebra de ritmo e de elo com o espectador. Como em filmes premiados pelos seus roteiros, Closer – Perto Demais (2004) e A Pior Pessoa do Mundo (2021) — ótimos exemplos de rompimentos dolorosos —, Chokri (que também assina o roteiro) deixa todos os dilemas da sua protagonistas navegarem de forma realista e pungente. 

Ao atravessar a barreira de convencer-se sobre suas escolhas, Sophie é uma mulher real, sem heroísmo, carregada de alguns preconceitos de sua classe e com dúvidas sobre como lidar com a realidade da carga sentimental adquirida nos livros de filosofia. Para uma comédia romântica, A Natureza do Amor entrega muito mais do que um bom momento de catarse cômica e emotiva, mas uma viagem de introspecção sobre vontade, coragem e aceitação.

 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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