sexta-feira , 10 janeiro , 2025

Crítica | A Semente do Fruto Sagrado – Indicado pela Alemanha ao Oscar 2025 ecoa Gritos Femininos Contra Regimes Opressivos

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Vencedor do prêmio especial do júri e da FIPRESCI no Festival de Cannes, A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig), do diretor iraniano Mohammad Rasoulof, emerge como uma das grandes apostas ao Oscar de Melhor Filme Internacional, rivalizando com o brasileiro Ainda Estou Aqui. Indicado pela Alemanha ao prêmio e censurado pelo seu país de origem, a obra é uma potente e instigante narrativa sobre a luta pela liberdade contra sistemas ditatoriais. 

Ambientado durante a obrigatoriedade do véu — chamado hijab — para as mulheres no Irã e o recrudescimento da violência policial contra aquelas que ousassem desafiar as normas do regime islâmico, A Semente do Fruto Sagrado é um grito contra o patriarcado e as amarras de um sistema que silencia a liberdade feminina. Rasoulof, no entanto, nos oferece mais do que um manifesto político: ele constrói um drama familiar de suspense, repleto de nuances e dilemas morais, ancorado na figura de Iman (Missagh Zareh), um ambicioso advogado, pai de família, promovido a investigador do estado — ou seja, executor das rígidas ordens do regime.



Mohammad Rasoulof já havia explorado questões polêmicas no premiado Não Há Mal Algum (Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2020), cujo tema abordava o impacto da pena de morte no Irã. Dessa vez, o cineasta nos entrega uma narrativa que mescla sensibilidade e denúncia. O cinema iraniano tem nos brindado com histórias maravilhosas de suspense, angústia e dúvida dentro do ciclo familiar, desde as poéticas obras de Abbas Kiarostami (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, 1987) até os mais recentes Um Herói (2021), de Asghar Farhadi, e Hit the Road (2021), de Panah Panahi, filho do prestigiado Jafar Panahi (Táxi Teerã, 2015).

Em A Semente do Fruto Sagrado, Iman, casado com a dedicada Najmeh (Soheila Golestani) e pai das jovens Sana (Setareh Maleki) e Rezvan (Mahsa Rostami), personifica a tensão entre o dever religioso e o amor familiar. Embora inicialmente seja apresentado como um homem zeloso e reticente quanto ao seu papel de executor, ele se revela alguém que, ao confrontar o crescente levante das filhas por liberdade, escolhe se alinhar às leis do regime. De forma imersiva, a narrativa apresenta cada personagem como simultaneamente vulnerável e imprevisível, mantendo o público à beira do assento.

O roteiro  intercala habilmente o micro e o macrocosmo. Dentro do núcleo familiar, a presença de Sadaf (Niousha Akhshi), amiga de Rezvan, gera desconforto por suas ideias liberais. Estudante universitária que vive sozinha em Teerã, Sadaf representa uma ameaça ao rígido controle de Iman. Uma das cenas mais marcantes da obra, protagonizada por ela, revela de forma pujante e dolorosa a brutalidade da repressão contra mulheres no Irã.

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Por outro lado, o filme transcende as paredes da casa ao retratar a influência das redes sociais na formação de uma nova consciência feminista. Sana e Rezvan encontram nessas plataformas uma janela para a liberdade, mas também um catalisador de conflitos dentro de casa. O cineasta iraniano utiliza imagens reais das manifestações e da violenta repressão, compartilhadas nas mídias sociais, para contrastar com o discurso das mídias tradicionais controladas pelo estado. 

A Semente do Fruto Sagrado

O desaparecimento da arma de fogo de Iman — entregue a ele por conta de seu posto de risco, mas sem qualquer orientação sobre uso ou armazenamento —  é o ponto de ruptura familiar, transformando o filme em um suspense quase detetivesco, onde segredos e ressentimentos armazenados explodem como pólvora. Com 2h47 de duração, A Semente do Fruto Sagrado é exaustivo na melhor acepção do termo: uma jornada emocional densa e inquietante. A montagem cuidadosa e a fotografia de enquadramentos precisos imergem o espectador em um turbilhão de eventos, culminando em um desfecho acachapante. 

Apesar de pequenos tropeços, A Semente do Fruto Sagrado destaca-se pelo retrato poderoso de uma sociedade em ebulição e pela coragem de expor, mesmo sob censura, as feridas de um sistema opressor. Assim, Mohammad Rasoulof encapsula um conflito micro, em torno da dinâmica familiar, contra um caos avassaladoramente macro para o país e para todas as nações democráticas que enfrentam regimes fundamentalistas ou ditatoriais. A obra nos oferece um lembrete universal: a luta por liberdade é tanto íntima quanto global.

Com distribuição da Mares Filmes, A Semente do Fruto Sagrado estreia nos cinemas brasileiros a partir de 9 de janeiro de 2025.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Ambientado durante a obrigatoriedade do véu — chamado hijab — para as mulheres no Irã e o recrudescimento da violência policial contra aquelas que ousassem desafiar as normas do regime islâmico, A Semente do Fruto Sagrado é um grito contra o patriarcado e as amarras de um sistema que silencia a liberdade feminina. Rasoulof, no entanto, nos oferece mais do que um manifesto político: ele constrói um drama familiar de suspense, repleto de nuances e dilemas morais, ancorado na figura de Iman (Missagh Zareh), um ambicioso advogado, pai de família, promovido a investigador do estado — ou seja, executor das rígidas ordens do regime.

Mohammad Rasoulof já havia explorado questões polêmicas no premiado Não Há Mal Algum (Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2020), cujo tema abordava o impacto da pena de morte no Irã. Dessa vez, o cineasta nos entrega uma narrativa que mescla sensibilidade e denúncia. O cinema iraniano tem nos brindado com histórias maravilhosas de suspense, angústia e dúvida dentro do ciclo familiar, desde as poéticas obras de Abbas Kiarostami (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, 1987) até os mais recentes Um Herói (2021), de Asghar Farhadi, e Hit the Road (2021), de Panah Panahi, filho do prestigiado Jafar Panahi (Táxi Teerã, 2015).

Em A Semente do Fruto Sagrado, Iman, casado com a dedicada Najmeh (Soheila Golestani) e pai das jovens Sana (Setareh Maleki) e Rezvan (Mahsa Rostami), personifica a tensão entre o dever religioso e o amor familiar. Embora inicialmente seja apresentado como um homem zeloso e reticente quanto ao seu papel de executor, ele se revela alguém que, ao confrontar o crescente levante das filhas por liberdade, escolhe se alinhar às leis do regime. De forma imersiva, a narrativa apresenta cada personagem como simultaneamente vulnerável e imprevisível, mantendo o público à beira do assento.

O roteiro  intercala habilmente o micro e o macrocosmo. Dentro do núcleo familiar, a presença de Sadaf (Niousha Akhshi), amiga de Rezvan, gera desconforto por suas ideias liberais. Estudante universitária que vive sozinha em Teerã, Sadaf representa uma ameaça ao rígido controle de Iman. Uma das cenas mais marcantes da obra, protagonizada por ela, revela de forma pujante e dolorosa a brutalidade da repressão contra mulheres no Irã.

Por outro lado, o filme transcende as paredes da casa ao retratar a influência das redes sociais na formação de uma nova consciência feminista. Sana e Rezvan encontram nessas plataformas uma janela para a liberdade, mas também um catalisador de conflitos dentro de casa. O cineasta iraniano utiliza imagens reais das manifestações e da violenta repressão, compartilhadas nas mídias sociais, para contrastar com o discurso das mídias tradicionais controladas pelo estado. 

A Semente do Fruto Sagrado

O desaparecimento da arma de fogo de Iman — entregue a ele por conta de seu posto de risco, mas sem qualquer orientação sobre uso ou armazenamento —  é o ponto de ruptura familiar, transformando o filme em um suspense quase detetivesco, onde segredos e ressentimentos armazenados explodem como pólvora. Com 2h47 de duração, A Semente do Fruto Sagrado é exaustivo na melhor acepção do termo: uma jornada emocional densa e inquietante. A montagem cuidadosa e a fotografia de enquadramentos precisos imergem o espectador em um turbilhão de eventos, culminando em um desfecho acachapante. 

Apesar de pequenos tropeços, A Semente do Fruto Sagrado destaca-se pelo retrato poderoso de uma sociedade em ebulição e pela coragem de expor, mesmo sob censura, as feridas de um sistema opressor. Assim, Mohammad Rasoulof encapsula um conflito micro, em torno da dinâmica familiar, contra um caos avassaladoramente macro para o país e para todas as nações democráticas que enfrentam regimes fundamentalistas ou ditatoriais. A obra nos oferece um lembrete universal: a luta por liberdade é tanto íntima quanto global.

Com distribuição da Mares Filmes, A Semente do Fruto Sagrado estreia nos cinemas brasileiros a partir de 9 de janeiro de 2025.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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