Os cinéfilos que curtem o bom cinema francês sabem que as peculiaridades do humor nas produções desse país não são plenamente entendidas por boa parcela do público espectador – e está tudo bem. Isso acontece porque nem todas as narrativas são ou precisam ser iguais, e, no caso da França, essa fina camada que divide o humor e o absurdo é uma das características mais marcantes da produção contemporânea, e pode ser facilmente identificada no lançamento ‘Adeus, Idiotas’, que chega essa semana às salas de cinema brasileiras.
Suze Trappet (Virginie Efira) é uma cabelereira de quarenta e poucos anos que acaba de descobrir que está com uma doença terminal e tem pouquíssimo tempo de vida. Diante de seu destino fatídico ela decide ir atrás de seu filho natural, de quem abrira mão anonimamente à época do nascimento e que agora ela precisa saber o paradeiro. Para tal, Suze busca informações no arquivo da cidade, onde coincidentemente acaba conhecendo ao Sr. Cuchas (Albert Dupontel), que acaba de ser passado para trás na empresa em que trabalha e tenta se matar em seu próprio escritório, causando um enorme acidente. No meio do caos que se forma, esses dois vão acabar unindo forças, com a ajuda do arquivista Serge Blin (Nicolas Marié), um homem cego contratado apenas para preencher as cotas da empresa e que na base do milagre consegue direcionar os caminhos certos a serem percorridos pelas ruas de Paris.
Em pouco mais de uma hora e meia o espectador é convidado a acompanhar a louca jornada de três personagens completamente diferentes que se juntam num caminho improvável no qual nenhum deles têm interesse direto, mas mesmo assim se envolvem. A construção do relacionamento desses três indivíduos é o mais gostoso no roteiro de Xavier Nemo, Marcia Romano e Albert Dupontel (sim, um dos protagonistas). Ainda que o início seja confuso (começamos acompanhando um protagonista e, então, a câmera gira e passamos a acompanhar outro, sem nenhuma transição lógica em princípio), a costura do envolvimento dos três em situações histéricas e absurdas é o que promove o riso e mantém o ambiente cômico das cenas.
De uma forma sutil, ‘Adeus, Idiotas’ se apresenta como uma comédia dramática, baseando sua essência no primeiro para terminar seu enredo já no segundo gênero, numa pegada bastante ‘Thelma e Louise’. E talvez esse seja o grande lance do filme de Albert Dupontel: construir uma história em que os personagens se tornam heróis de suas próprias vidas, ainda que a sociedade e o mundo tentem com insistência esmagá-los com a força do destino ou da globalização.
‘Adeus, Idiotas’ traz aquele típico humor ácido francês que se constrói na tensão e na histeria do abismo. Nada é escrachado, tudo é subentendido, retratado nas reações dos personagens: quem entendeu, entendeu. Com a leveza da tragédia contemporânea do cosmopoliticismo, é um filme que convida o espectador a pensar que realmente só temos o dia de hoje, e não podemos deixar assuntos mal resolvidos em vida, bem como também não dá para lutar contra grandes corporações, pois, por mais que nos esforcemos, sempre seremos descartáveis para os grandes empresários. C’est la vie.