Fim de ano é tempo de limpar todas as coisas ruins que aconteceram ao longo dos 365 dias e projetar bons pensamentos e sonhos a realizar no ano por vir. É tempo também de refletir sobre as coisas que aconteceram, pensar nos equívocos e acertos, agradecer pelas coisas boas e, em teoria, também pedir desculpas pelos erros cometidos no trajeto. Numa pegada bem nesse sentido estreou na Netflix o drama sueco ‘Agradecimento e Desculpas’, uma história comum que convida o espectador à reflexão.
Sara (Sanna Sundqvist) está grávida de 8 meses. Ela é uma mulher comum, mãe de um menino, e, certo dia, é surpreendida por seu marido, Daniél (Mattias Ramos), que pede para dar um tempo na relação e decide dormir sozinho porque precisa pensar. No dia seguinte, depois de dormir na sala, Sara encontra Daniél morto no quarto do casal. Sem saber o que fazer e diante da perspectiva de ter que cuidar de uma criança pequena e estar prestes a dar luz à outra, Sara vai se deixando levar pelos acontecimentos e pelas interferências de sua sogra Helen (Ia Langhammer). Mas é no funeral de seu marido que sua irmã mais velha, Linda (Charlotta Bjorck, que é a cara da Eleven, de ‘Stranger Things’), que se identifica pelo gênero masculino, reaparece em sua vida e aos poucos passa a participar cada vez mais do cotidiano da pequena família, o que causa ciúmes em sua sogra. Dentre o acontecimento trágico do presente e ressentimentos antigos no passado, todos esses personagens repensarão suas vidas antes da nova criança nascer.
Em uma hora e meia de duração, ‘Agradecimento e Desculpas’ é um drama estilo lavando a roupa suja, só que com pitadas de humor – e esse é o melhor acerto do filme. Em vez de carregar nos insultos, na dramaticidade, na intensidade dos eventos, o roteiro de Marie Osterbye propõe a pausa, deixando ao espectador a imaginação de todos os gritos, motivos, explicações, frustrações. Se por um lado isso suaviza o enredo, por outro dá uma sensação de que o filme corre com o freio de mão ativado, sem se permitir transbordar todas as emoções até chegar na catarse final – e, mesmo então, o faz com certa retenção.
Outro ponto interessante do filme de Lisa Aschan é a forma como trata a identificação de gênero, com bastante naturalidade (ponto o qual a tradução brasileira acompanhou, respeitando as escolhas originais e tratando o personagem Linda como tio Linda). A diretora debruça um olhar interessante sobre o cotidiano da protagonista grávida, mostrando-a independente, capaz de se abaixar, de levantar, subir e descer escadas; mesmo que com cuidados, a protagonista gerencia a própria casa permitindo-se uma espécie de luto interno, como que impossibilitada de externar qualquer tipo de sentimento (medo, raiva, tristeza, saudade) diante do turbilhão inacreditável em que sua vida se torna na reta final da gravidez.
‘Agradecimento e Desculpas’ é um filme interessante para assistir nessas últimas horas de 2023. É sobre agradecer e se desculpar, mesmo pelas coisas antigas, mesmo sobre coisas que nem se lembrava de ter ocorrido. Uma mensagem interessante para encerrar bem o ano e chegar em 2024 mais leve.