terça-feira, março 19, 2024

Crítica | Alicia Keys aposta na nostalgia do R&B para o tocante álbum ‘As I Am’

Depois de dois grandes sucessos de crítica e de venda, Alicia Keys deu uma breve pausa em sua carreira que durou quatro anos. Com exceção de um álbum ao vivo intitulado ‘Unplugged’, a icônica artista contemporâneo preparava terreno para sua produção mais madura até então, o subestimado ‘As I Am’. Claro que, assim como as obras anteriores, o CD garantiu inúmeras estatuetas do Grammy Awards à performer e vendeu mais de 5 milhões de cópias desde seu lançamento – mas teve uma recepção morna por parte da crítica, definitivamente não chegando ao mesmo nível de aclame de ‘Songs in A Minor’ ou ‘The Diary of Alicia Keys’. A explicação talvez seja bem simples – afinal, quando uma mulher, especialmente negra, resolve buscar pela reinvenção e pelo contínuo desejo de empoderamento, é logo criticada por qualquer razão.

Afastando-se dos experimentalismos dissonantes de suas primeiras incursões, que traziam a artista em uma jornada de autodescobrimento estético, Keys resolveu se fixar no R&B e plantar suas raízes nas explorações sentimentais de baladas e semi-baladas românticas, sempre abusando de suas habilidades vocais e entregando rendições impecáveis. O single mais famoso de seu terceiro álbum de estúdio, “No One”, é uma belíssima declamação amorosa que parecer ter se escrito por conta própria, apenas usando a cantora como receptáculo para se materializar; a nítida e propositalmente quebradiça incursão, que delineia uma montanha-russa sensorial, faz alusões a lendas da música, incluindo Aretha Franklin e Whitney Houston, quebrando fórmulas padronizadas pelo mainstream e sendo impulsionada pelo subjetivismo emocional.

Não é à toa que a faixa levou para casa dois prêmios do Grammy, incluindo Melhor Música R&B – além de ter se tornando a música mais vendida de 2007. O apreço pela reclusão intimista e reflexiva aparece em diversas outras tracks, como a impecável “Tell You Something (Nana’s Reprise)”, que analisa um mundo sem amor e sem esperança com uma quasi-teatral performance que arranca lágrimas até dos mais fortes; ou então do classicismo orquestral de “Prelude To a Kiss”; ou até mesmo das similaridades “Lesson Learned”, cantada com perfeição ao lado de John Mayer, apesar da trama clichê. A verdade é que não importa de que forma Alicia conte suas histórias – ela sempre nos convence de que há algo entre os bem pensados versos e a cautela com a qual ela conduz cada nota, seja em epopeias, seja em breves poemas cantados que encantam nossos ouvidos.

É notável como as habilidades de composição de Keys apenas melhoraram com o tempo, sendo bem aproveitadas para uma atemporalidade invejável e um envelhecimento longevo que permite que as canções sejam atuais mesmo depois de uma década. É o caso, por exemplo, da ingenuidade saudosista de “Teenage Love Affair”, em que a artista revisita seus anos como adolescente e nas descobertas do primeiro amor – que nos joga de volta para o início dos anos 2000 e para a redescoberta do neo-soul e do hip-pop. Já em “Go Ahead”, o dinamismo alcança um patamar mais sensual, dark e envolvente, fruto também de um nostálgico apreço pelas inflexões adotadas por Christina Aguilera em ‘Stripped’ (mais precisamente na adorada “Fighter”, lançada ainda em 2002).

Este não seria um álbum de Alicia Keys sem a exaltação do piano, é claro. Logo de cara, somos agraciados com mais uma breve e irretocável introdução que une sutil e fluidamente o passado e o presente; a faixa-titular é uma preparação, assim como “Piano & I” e “Harlem’s Nocturne”, às aventuras de uma performer completa e que se reinventa, ainda que de um jeito modesto, ano após ano. Ousando em “Sure Looks Good to Me”, que presta homenagem à esquecida Anna Nalick, e deixando se levar pela sinestesia de “Prelude To a Kiss” (um dos títulos mais evocativos de sua discografia), Keys continua a demonstrar sua paixão pelas teclas do instrumento e como se conecta como ninguém a um instrumento vinha caindo em desuso há algum tempo.

A cantora e compositora também não pensa duas vezes antes de trazer suas inspirações à tona. Ela volta a flertar com o soul em “Superwoman”, permitindo que a lendária Linda Perry empreste suas habilidades à lírica de um neo-folk digno de uma trilha sonora cinematográfica; em “Where Do We Go from Here”, o blues e o hip-hop se amalgamam em uma explosiva e circense rendição que seria reutilizada por Amy Winehouse e Adele; já em outras faixas, a pressão teatral parece falar mais forte, eventualmente manchando o que poderia ser uma obra perfeita – como é o caso de certas construções esquecidas com o tempo, como a impetuosa “The Thing About Love” ou a reciclada “Wreckless Love”, cujas bizarrices poderiam ser melhor aproveitadas. Felizmente, os deslizes não são possantes o suficiente para ofuscar os múltiplos ápices do CD.

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‘As I Am’ mais uma vez aposta no retrato nu e cru de Alicia Keys, contribuindo para sua crescente carreira e para um amadurecimento adorável e envolvente – algo que não vem com nenhuma surpresa, considerando o que ela já havia nos entregado antes.

Nota por faixa:

  1. As I Am – 5/5
  2. Go Ahead – 5/5
  3. Superwoman – 4,5/5
  4. No One – 5/5
  5. Like You’ll Never See Me Again – 4/5
  6. Lesson Learned (feat. John Mayer) – 3,5/5
  7. Wreckless Love – 2/5
  8. The Thing About Love – 2/5
  9. Teenage Love Affair – 3,5/5
  10. I Need You – 3,5/5
  11. Where Do We Go from Here – 5/5
  12. Prelude to a Kiss – 4/5
  13. Tell You Something (Nana’s Reprise) – 5/5
  14. Sure Looks Good to Me – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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