Um dos capítulos mais famosos da Roma Antiga é o mito de Rômulo e Remo. Filhos do deus Marte com uma mortal, os gêmeos foram vítimas de um golpe para acabar com a linha real e foram lançados a um rio, ainda bebês, para morrerem afogados. Porém, foram encontrados e amamentados por uma loba, até serem resgatados por um pastor que os criou como filhos. O tempo passou e o destino de Rômulo faria dele o grande fundador de Roma, que iniciaria a cidade sobre o cadáver de Remo, após se vingarem do regente que havia mandado matá-los na infância. Isso de uma forma bastante resumida.
A analogia com contos clássicos da antiguidade é uma das características mais interessantes da ficção científica. Curiosamente, apesar de trazer uma analogia bem simplista desse mito, é interessante reparar como Alien: Romulus consegue mesclar de forma muito bem equilibrada a ficção com o terror.
Nos últimos anos, a franquia Alien vem sendo muito maltratada nos cinemas. Iniciada na década de 1970, a saga de Ridley Scott passou pelas mãos de alguns dos maiores cineastas de todos os tempos, até retornar ao controle de Scott, que parece ter se perdido na própria criação no tenebroso Alien: Covenant (2017). Sem contar as aberrações que foram os derivados de Alien Vs Predador, cuja ideia parecia promissora, mas a execução foi pior que briga de foice.
A exemplo do rival, Predador, que vinha acumulando tentativas frustradas de retomar a franquia nas telonas até decidir focar em uma história menor, mas bem executada, como visto no espetacular O Predador: A Caçada (2022), o Xenomorfo encontrou em Alien: Romulus uma nova chance para brilhar. Sob a direção do uruguaio Fede Álvarez, o longa seguiu mais pelo caminho do terror, como já indicava o histórico do diretor, mas aproveitou o cenário de ficção científica para construir um dos filmes mais interessantes deste ano.
Um dos méritos desse filme é ter uma história fechadinha. Ela se passa entre o primeiro e o segundo capítulo da cronologia oficial – justamente os dois melhores da franquia -, mas não se contenta em ser apenas uma grande homenagem, ele se sustenta com o que tem a dizer. Não que seja algo muito complexo, e esse acaba sendo seu grande acerto.
Criou-se um mito de que ficções devem ser de difícil compreensão, o que acaba afastando o grande público e tornando esse gênero mais nichado. Sabendo disso, o time criativo tratou de fazer um roteiro bem didático, que acaba funcionando perfeitamente com o dinamismo da direção de Álvarez. Essa decisão faz com que a experiência de assistir Romulus seja boa tanto para os fãs da franquia quanto para aqueles que jamais viram um capítulo sequer da saga.
E o lado bom é que esse didatismo não chega a ser irritante como em algumas ficções da década passada, que repetiam as mesmas informações à exaustão, considerando que seu público era burro e não entenderia alguns conceitos se não fossem repetidos 42 vezes. A parte didática desse longa se dá pela explicação de alguns riscos que eventualmente vão acontecer. Mal comparando, é como se sua mãe falasse para você levar o casaco porque vai esfriar, você não levasse, o tempo virasse e você passasse frio na rua. É mais ou menos esse o didatismo.
Tudo que acontece em tela foi sugerido previamente, só que isso não irrita. A direção de Álvarez sabe dosar tão bem o suspense e o terror em meio a essas sugestões e acontecimentos, que só resta ao público se prender à tensão bem construída, principalmente pelas viradas sutis que surgem na trama.
Outro ponto fascinante é que a tripulação da Romulus escapa bastante do padrão de cientistas arrogantes da saga. Dessa vez, acompanhamos um grupo de jovens escravizados em busca de uma tecnologia presente nesta espaçonave abandonada que poderia levá-los a um planeta sem as amarras do sistema escravocrata em que se encontram. E até onde você iria pela liberdade? O que você estaria disposta a sacrificar para fundar um novo mundo? É partindo dessa premissa que vemos a história da jovem Rain e seus amigos se misturar ao dos Xenomorfos.
Falando em Rain, que fase espetacular vive a Cailee Spaeny! Depois de nos brindar com atuações fora de série até mesmo em filmes ruins, a jovem traz mais um trabalho incrível como a protagonista desse longa. Ela é durona quando precisa, mas uma jovem preocupada com seu irmão na maior parte do tempo. Ela faz o que for preciso para sobreviver, só que sem perder seu lado humano. É uma clássica Final Girl com jeitão de super-heroína por acidente. Uma personagem realmente muito interessante.
Vale ressaltar também o excelente trabalho do time de efeitos visuais. A construção do Xenomorfo é uma mistura visualmente brilhante de animatrônicos com correções em CGI. Já os clássicos Facehuggers protagonizam boas cenas de ação feitas em computação gráfica. O segredo é a velha tática de construir essas cenas na escuridão, permitindo que a própria falta de iluminação corrija alguns eventuais defeitos. Junto a isso, a história de Álvarez no terror, como Evil Dead (2013), permitiu que ele conduzisse algumas cenas bem nojentas e visualmente impactantes. E como isso fez bem ao filme!
Em geral, Alien: Romulus chega para provar que ainda há o que explorar nessa franquia, principalmente se o projeto for entregue a diretores que prefiram contar suas próprias histórias do que tentar recriar ou homenagear o tempo inteiro os capítulos anteriores. Não é um filme perfeito, mas sabe suas limitações e conduz sua trama de forma honesta e bem executada. Uma gratíssima surpresa!
Alien: Romulus estreia nesta quinta-feira (15) nos principais cinemas do Brasil.