É possível falar com sensibilidade e humor de um tema tão delicado e urgente no país que você mora? Esse foi o desafio de Mikhaël Hers ao dirigir ‘Amanda’, um drama francês que nos apresenta um lado da história que não passa nos telejornais.
David (Vincent Lacoste – fiquem de olho nesse nome, porque ele está estrelando vários filmes francófonos) é um típico jovem contemporâneo: prefere andar à pé ou de bicicleta para causar menos impacto no meio ambiente, mora sozinho, não consegue se envolver romanticamente e trabalha de bicos informais para se sustentar, recepcionando turistas e os levando aos apartamentos alugados por eles (tipo Arbnb) e podando árvores a serviço da prefeitura. Ele tem uma irmã, Sandrine (Ophélia Kolb), com quem mantém uma boa relação, apesar de ela achar que os dois não passam muito tempo juntos; e uma sobrinha, Amanda (Isaure Multrier), filha de Sandrine, com quem se diverte, mas não se sente responsável.
A primeira meia hora de filme é bastante agradável, pois vemos o dinamismo dessa pequena família e acompanhamos o dia a dia dos personagens pelas amplas ruas de Paris. É tudo muito belo e solar, dá realmente vontade de estar lá. Até que, de repente, um ataque terrorista vitimiza diversas pessoas que estavam fazendo piquenique num parque, dentre as quais Sandrine, mãe de Amanda. E isso muda toda a história do filme.
Se antes víamos uma Paris alegre e pulsante, de um dia para o outro vemos as ruas esvaziadas, o policiamento reforçado com militares em todas as esquinas, as lojas fechadas em dias comuns, a segurança revistando as pessoas com detector de metal antes de entrarem nos locais. Apesar dos cidadãos parisienses terem que seguir em frente com suas vidas, fica claro que nada mais será como antes, mesmo esses ataques se tornando cada vez mais frequentes na cidade. E, aos poucos, esses ataques vão alimentando um ódio crescente contra os imigrantes e visitantes, especialmente os de religião muçulmana.
Vincent Lacoste está totalmente convincente como um rapaz que era feliz e satisfeito com sua vida, mas que, de repente, perde o sorriso e se vê diante de escolhas que nunca antes pensara para si. E a jovem Isaure Multrier atua realmente como uma criança, sem adultização precoce do personagem, focando na confusão que uma menina de sete anos sentiria diante de uma perda incompreensível. Os únicos dois probleminhas do longa são a apresentação dos personagens, que aparecem em cena interagindo com os outros sem serem introduzidos na trama, fazendo com que o espectador fique se perguntando a toda hora ‘quem é essa pessoa?’; e um leve arrastar do arco final da trama, quando, literalmente, assistimos a um serviço inteiro de uma partida de tênis, o que nos deixa a impressão de que aquele take só foi feito para justificar um possível apoio do Torneio de Wimbledon à realização do longa, pois não acrescenta em nada à história. Porém, isso não ofusca ‘Amanda’, que é um filme que toca num tema urgente por um outro viés, e nos entrega um retrato de uma Europa atual que ainda não sabe lidar com os ataques que vem sofrendo na última década.