Anitta é um dos nomes mais conhecidos do cenário fonográfico atual e, desde sua estreia oficial no mundo da música lá em 2013, mostrou que veio para ficar. Natural de Honório Gurgel e aproveitando a crescente popularização do funk-pop para se imortalizar, a cantora e compositora transformou-se em uma powerhouse como nenhuma outra, alcançando feitos invejáveis e até mesmo uma indicação ao Grammy de Artista Revelação após tornar-se a primeira brasileira a atingir o topo do Spotify Global com o hit “Envolver”. Calcando uma trajetória de enorme sucesso que inclusive lhe trouxe visibilidade no mercado internacional – ora, para além das colaborações memoráveis, ela até mesmo foi integrada à trilha sonora de ‘As Panteras’ com a subestimada “Pantera” -, é inegável que a genial mentalidade de Anitta a mantém na boca do povo goste ou não dela.
Em agosto do ano passado, a performer começou a nos preparar para sua nova investida musical ao lançar o EP ‘Funk Generation: A Favela Love Story’, retornando às suas raízes após ter explorado incursões do mainstream internacional com ‘Versions of Me’ – uma mistura explosiva de pop, synth e EDM adornada com pinceladas de reggaetón e funk em uma espécie de autotestamento. Com o EP em questão, ela alimentava o interesse de seus fãs em o que culminaria no aguardado ‘Funk Generation’, álbum que chegou às principais plataformas de streaming no último dia 26 de abril. É claro que seu novo lançamento não viria sem críticas pré-concebidas, principalmente pelo fato dela estar indesculpavelmente se apropriando de todas as críticas feitas à sua persona e transmutando-as em uma celebração eruptiva que se concretiza como a iteração mais coesa de sua discografia até agora.
É notável como o gênero funk sempre esteve associado a adjetivos e caracterizações pejorativas – erroneamente mencionado como palanque para o tráfico de drogas e a hiperssexualização. Entretanto, caso tracemos as origens desse estilo musical, que busca elementos do Miami bass e do freestyle norte-americano, a construção emergiu como um levante contracultural que começava a dar mais voz a artistas de comunidades periféricas e promoviam uma deliberada exploração da sociedade ao se afastar da burguesia e do elitismo musical. De certa maneira, ao incorporar as múltiplas facetas do funk em sua nova obra, Anitta utiliza a popularidade inescapável de que se apoderou para fazer questão de apresentar uma perspectiva nostálgica e original através de quinze faixas.
Em ‘Funk Generation’, Anitta nos convida a uma viagem no tempo que espalha-se pelas múltiplas vertentes do gênero: logo de cara, com “Lose Ya Breath”, o público é envolvido em um impactante electro-funk que traz certas páginas emprestadas de Ayria (mais especificamente da track “Analog Trash”) para firmar uma amálgama com o EDM à medida que nos conduz por uma sensual e vibrante narrativa que nos arremessa direto para as pistas de dança. É notável como as referências ao new-funk e ao funk 150-BPM aparecem com força e deixam claro o que podemos esperar desse compilado; “Grip”, por sua vez, se apoia na distorção do clássico funk carioca ao incorporar pesados sintetizadores e breves menções ao trap – incluindo batidas muito bem demarcadas que digladiam com versos ostensivos sobre dinheiro e sexo da melhor maneira possível.
Apesar de manter a essência trilíngue de produções anteriores, Anitta tem um objetivo muito claro com o álbum: apresentar o funk para o mundo – e, com um claro objetivo em mente, é apenas questão de tempo até questionamentos começarem a despontar sobre o caráter do disco. Afinal, o público brasileiro está acostumado com a multiplicidade de progressões sonoras e dissonâncias instrumentais presentes no estilo, enquanto o mainstream norte-americano e europeu pauta-se em algo mais sólido, com raras exceções. E, ao longo das tracks, percebemos como a performer não pensa duas vezes antes de se deixar levar por esse conceitualismo que, inclusive, abre um novo capítulo para o funk no escopo nacional ao aproximá-lo de uma criação artística com potencial ilimitado e mais mercadológico do que já é.
De um lado, “Double Team” abraça o funk ousadia em uma comunhão de compositores e produtores que unem forças para falar sobre liberdade sexual e responder às muitas críticas sofridas por Anitta ao longo dos anos – que diminuíam suas conquistas e sua importância em virtude de um puritanismo barato e que, em pleno século XXI, não tem mais espaço entre nós. Enquanto aqui ela é acompanhada pela clara química do rapper Brray e da cantora Bad Gyal, ela faz algo parecido em “Savage Funk”, navegando sozinha pelo melhor do funk carioca e do trap enquanto emula uma explicitação chocante e bem-vinda que dura menos de um minuto e meio; “Joga Pra Lua” expande a mentalidade “marketeira” de Anitta em uma simples e efetiva canção, enquanto “Ahi” traz o reggaetón de volta ao lado de Sam Smith para um mid-tempo que, apesar de repetitivo, é prático na ideia de que se vale.
O destaque principal do disco é destinado a “Funk Rave” – uma peça musical que, sem sombra de dúvida, é uma das melhores incursões da carreira de Anitta pela ousadia com a qual trabalha uma sucessão de estilos diferentes que convergem para um inebriante coquetel de synth-funk, funk 150-BPM e funk-trap cujo único crime é durar apenas dois minutos e meio. Eventualmente, fica claro que ‘Funk Generation’ mostra que a cantora e compositora atingiu um status em que, agora, pode fazer o que bem entender e, mais do que isso, cria as próprias tendências e deixa bem claro que não está preocupada com o que os outros pensam – e sim apenas com o que deseja fazer como artista.
Nota por faixa:
1. Lose Ya Breath – 4,5/5
2. Grip – 5/5
3. Funk Rave – 5/5
4. Fria – 4/5
5. Meme – 3/5
6. Love in Common – 3,5/5
7. Aceita – 3,5/5
8. Double Team – 4/5
9. Savage Funk – 3,5/5
10. Joga pra Lua, feat. Dennis e Pedro Sampaio – 4/5
11. Cria de Favela – 4,5/5
12. Puta Cara – 3/5
13. Sabana – 3,5/5
14. Ahi, feat. Sam Smith – 3,5/5
15. Mil Veces – 3,5/5