O Brasil é um país continental, com culturas diferentes e cujo território abrange a maior parte da Floresta Amazônica – o pulmão da Terra. Justamente por ser o centro através do qual o planeta respira, ele desperta a cobiça de empresas do mundo inteiro, que visam na região atrás da madeira, dos minérios, dos animais, dos recursos naturais e, claro, do próprio território, que cada vez mais vem sendo devastado para se transformar em pasto para o agronegócio. E é neste ponto que entra as Aruanas.
Partindo de uma realidade atual e cruel, a série produzida pela Rede Globo busca aproximar a ficção do cenário cotidiano das populações diretamente afetadas pelo desmatamento e jogar luz sobre o que se passa na região norte brasileira. A série desconstrói a ideia de imaginário ocidental da selva inexplorada, jogando luz para um cenário já em desmatamento, já em destruição.
Com um argumento extremamente pertinente, o tema é justamente o forte de ‘Aruanas’. A série parte da luta de uma organização não governamental chamada Aruana, da qual fazem parte a advogada Verônica Muniz (Taís Araujo), a jornalista Natalie Lima (Débora Falabella) e a ativista Luiza Laz (Leandra Leal) – três amigas de infância que fundaram a ONG –, além da estagiária Clara (Thainá Duarte), que chega na ONG fugindo do seu ex abusivo. Juntas elas e outros funcionários da Aruanas irão lutar contra a mineradora KM, empresa de Miguel Kiriatos (Luiz Carlos Vasconcelos), que recebe assessoria constante da lobista Olga Ribeiro (Camila Pitanga) para conseguir burlar Brasília e se apropriar das reservas indígenas na cidade de Cari, no Amazonas.
O roteiro de Estela Renner e Marcos Nisti, escrito com Pedro de Barros, transita suavemente entre o drama e o thriller, afinal, as três ativistas se colocam sob constante risco em nome da causa – o que é legal, porque não exagera nos elementos de nenhum desses dois gêneros. Entretanto, exagera nos diálogos enciclopédicos, que engessam por muitas vezes a fala dos personagens – os quais explicam o tempo todo coisas uns aos outros e elencam estatísticas, em um artifício didático de transmitir a realidade enfrentada pelos povos indígenas e ribeirinhos. Além disso, embora o argumento seja centrado nessa luta pela manutenção da floresta amazônica, o roteiro é preenchido boa parte pelos dramas pessoais das quatro protagonistas, desviando o interesse do espectador do foco principal para apresentar mais profundamente essas personagens, tendo já em vista uma segunda temporada – já confirmada.
Com dez episódios de cerca de quarenta e cinco minutos cada, a primeira temporada toda nos conduz para a cena final, que é realmente emocionante. Os momentos ápices da história ocorrem no final do episódio 4; no 7º, quando o grande drama é revelado; e no 8º, quando a coisa toda vai para o ventilador.
A atuação do elenco – reunido pela primeira vez em uma mesma produção – é bastante competente, embora nos primeiros episódios se aproxime mais com a atuação de teatro (que tem movimentos mais marcados). O destaque é Leandra Leal, mais familiarizada com o cinema, e em Gustavo Vaz e Bruno Goya, cujas performances são mais naturais.
A direção competente de Estela Renner – aliada com uma super produção que levou a equipe para gravar no Amazonas e incluiu indígenas de verdade para representarem a si mesmos na ficção, inclusive falando em guarani – consegue um resultado de encher os olhos, sem se demorar em cenas de violência e trazendo belíssimas imagens de uma parte do Brasil pouquíssimo conhecida pelos próprios brasileiros. A série – que teve premiere em Nova York em 2019 na inauguração da Globoplay como streaming internacional – se encaminha para ser uma das principais referências de produção nacional no resto do mundo, e tem tudo para trazer uma segunda temporada mais aprofundada no tema.