Filme assistido durante o Festival de Toronto 2022
Uma fotografia solar sob um filtro mais fosco torna os primeiros minutos de Baby Ruby em uma materialização impecável do que é a vida na era digital, onde cada instante de nossos dias é pautado a partir da possibilidade de se tornar um momento instagramável. E com uma decoração simplista e um olhar mais apurado para registrar tudo ao seu redor pelos ângulos mais favoráveis, Jo é uma blogueira famosa e mãe de primeira viagem que está preparando os detalhes finais de sua gestação, com uma chá de bebê digno de Pinterest e uma comemoração intimista que exala os ares de influencer gringa low profile – que deixou a França para viver a vida nos Estados Unidos com seu belo esposo.
Mas o que o glamour de uma gravidez perfeita não lhe revelou foi a espiral do famoso puerpério, termo que muita gente até hoje nunca ouviu falar. E sob uma alucinante psicose pós-parto, Jo começa a questionar sua sanidade e até mesmo a de sua nova e lindíssima bebê, que parece ser a extensão de um enorme pesadelo na vida de uma mulher já submetida ao mais profundo estresse. Baby Ruby marca a estreia na direção de Bess Wohl, que faz de seu primeiro longa um genuíno posicionamento cultural sobre como a arte pode ser usada de forma tão original para iniciar conversas tão fundamentais e ainda tão raras na sociedade contemporânea. Com um roteiro perspicaz e dinâmico, a nova cineasta brinca com sua protagonista em tela, aguçando tanto os seus sentidos como as nossas sensações, nos imergindo em uma jornada de efeitos colaterais inesgotáveis.
Usando os estereótipos do gênero de thriller psicológico de maneira precisa para nos absorver na jornada de Jo e de sua recém-descoberta maternidade, Wohl ainda abre espaço para a atriz Noémie Merlant brilhar em cena, mostrando o seu talento para além do que fora mostrado em Retrato de uma Jovem em Chamas. Entre a loucura absoluta e a neurose, a francesa traz um retrato audacioso da maternidade da vida real, quando o brilho da tela dos smartphones se apaga. E entregando uma experiência completa e ofegante para a audiência, a diretora ainda faz de seu thriller dramático uma aterrorizante análise social crítica, que nos mantém em estado de alerta e de questionamento por toda sua duração.
Surpreendente e bem dirigido, o thriller ainda faz uma metáfora impressionante da depressão pós-parto, se privando de explicações exaustivas e desnecessárias – que naturalmente atrapalhariam a experiência do público. Desafiando a nossa compreensão a respeito das reais origens e motivações que regem a caótica jornada da protagonista, o filme nos mantém em dúvida a todo momento, guardando seu plot twist para os instantes finais, sempre deixando um rastro de questionamentos que nos acompanham na saída da sessão. Com toques serenos de humor – que agregam um valor diferente à trama -, Baby Ruby é do tipo que não prometeu nada, mas entregou tudo.