sábado, abril 27, 2024

Crítica | Baco Exu do Blues critica o funcionamento da engrenagem social no impactante ‘QVVJFA?’

Baco Exu do Blues, nome artístico de Diogo Moncorvo, começou a fazer sucesso a partir de 2016 quando lançou a adorada canção “Sulicídio”, ao lado do rapper Diomedes Chinaski, criticando a concentração exacerbada da música rap na região sudeste do Brasil. Desde então, trilhou uma carreira de enorme sucesso (e algumas polêmicas) que o transformaram em um dos performers nacionais de maior prestígio da atualidade. Conhecido por seus versos pungentes que falam com franqueza sobre amor, sexo, as relações de poder na sociedade e religião, o artista soteropolitano ganhou destaque por amalgamar diversos estilos musicais em suas composições – e, dois anos depois de ‘Não Tem Bacanal na Quarentena’, EP divulgado no início da pandemia do COVID-19, ele retornou aos holofotes com o aguardado ‘QVVJFA?’.

A obra, cujo título é acrônimo para ‘Quantas Vezes Você Já Foi Amado?’, estende-se ao longo de 12 breves faixas e trata de uma multiplicidade admirável de temas, desde a exaltação das fés de matriz africana no país, como a umbanda e o candomblé, até declarações atrevidas e ácidas sobre sexo. O resultado é uma sólida jornada autorreflexiva e que não poupa detalhes explícitos sobre tudo que se esconde na psique do eu lírico – algo que vimos na discografia do cantor anteriormente e que, no começo deste novo ano, vem com muito mais asperidade, talvez em virtude de alguém exaurido de tantas coisas controversas que ocorrem no mundo e em sua própria vida.

Considerando a importância de Baco Exu no cenário fonográfico contemporâneo, é natural que ele utilize sua voz para destilar declarações necessárias para que compreendamos o funcionamento complexo da engrenagem viciada que nos rege. A faixa de abertura, “Sinto Tanta Raiva…”, é resumida pelos impactantes versos “se acostume a ver preto e dinheiro; são só notas, baby, não fique com medo”, trajados com uma ironia impecável e traduzidos pela fusão entre o blues, o rap, o trip-hop e o trap – além de uma mensagem de bonança que encerra com chave de ouro um dos inícios mais icônicos dos últimos anos na música brasileira. E, enquanto o artista, a princípio, opta por metáforas diligentes, ele apenas prepara o terreno para a urgente explosão de “Inimigos”, que realiza um movimento crescente que ecoa em “atacaram meu povo primeiro” e nas inclinações aos estilos orientais que prenunciam o fim da produção.

Se há uma coisa que podemos compreender do álbum é a maestria com que todos os aspectos instrumentais colidem em profusão aplaudível às potentes letras que o performer assina. É claro que algumas delas pendem para algumas fórmulas tão utilizadas no mainstream, como a frustração amorosa de “20 Ligações” ou a bem-vinda crueza de “Mulheres Grandes”, que perdem um pouco de força frente a tantas tracks ótimas – e o mesmo acontece com a repetição minimalista de “Autoestima”, isolada na segunda metade do álbum. Entretanto, os deslizes são ofuscados em boa parte do tempo pelo que se esconde nas entrelinhas e pelo convite que Baco Exu nos faz para encontrá-las num cenário bélico de notas e melodias.

Uma delas é “Dois Amores”, cuja qualificação ambígua é seu maior bem: ao citar nomes como Doja Cat e Childish Gambino, o cantor promove uma interseção entre culturas diferentes unidas por passados traumáticos e pela necessidade de abrirem espaço às minorias sociais; aqui, as intercalações desconexas se manifestam pela dualidade titular que se expande para o conflito “Brasil x Caribe”, “Brasil x Giorgio Maggiore”, “crime x riqueza”, explanando dualidades não muito vistas – e que demonstram uma sagacidade invejável de seu feitor. Em “Cigana”, essa mesma dualidade aparece nas influências do funk brasileiro e internacional, pincelado com o dark-trap sensorialista e com uma singela história de paixão aguda goteja da literariedade do artista.

Há outras faixas que também merecem nossa atenção, como a cândida “Samba in Paris”, apresentada ao lado da famosa drag queen Gloria Groove: a efetiva química entre os dois é regada pela mistura interessante de piano, baixo e sintetizadores, canalizados para um dream-trap e um dream-hop de ponta; “Imortais e Fatais 2” promove um retorno ao hip-hop dos anos 2000, repreendendo o capitalismo predatório e servindo, ao se respaldar na nostalgia, como símbolo de reclamação pela cultura roubada da comunidade negra; e “4 da manhã em Salvador”, fechando esse arco introspectivo, adota um teor mais biográfico, consagrando-se como a canção mais latinizada do álbum (com a presença inesperada do violão) e uma narrativa de superação que denuncia a opressão sistêmica dos não privilegiados.

Não deixe de assistir:

Ainda que com certos tropeços, ‘QVVJFA?’ é exatamente o que esperaríamos de uma produção vinda de Baco Exu do Blues – todavia, lidamos com críticas mais densas a que estávamos acostumados e com uma precisa iminência que apenas reitera seu valor socioartístico para o país.

Nota por faixa:

1. Sinto Tanta Raiva… – 5/5
2. Dois Amores – 5/5
3. Cigana – 4,5/5
4. 20 Ligações – 4/5
5. Mulheres Grandes – 3/5
6. Samba in Paris – 3,5/5
7. Sei Partir – 2,5/5
8. Autoestima – 3,5/5
9. Lágrimas – 4/5
10. Inimigos – 5/5
11. Imortais e Fatais 2 – 5/5
12. 4 da Manhã em Salvador – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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