Filme assistido no Festival de Sundance 2023
A mortalidade humana é uma das verdades mais inconcebíveis para o mundo. Diante de uma ciência que constantemente visa driblar a inexorável certeza de que o fim é inevitável, somos testemunhas de uma cultura global que busca retardar o envelhecimento e perpetuar a humanidade, ainda que isso não esteja em nossas mãos. Esse medo, angústia e desejo por controlar o incontrolável é o que faz com que artistas como os roteiristas Laura Moss e Brendan J. O’Brien se desafiem em narrativas como Birth/Rebirth. Aqui, uma apática médica e uma enfermeira que acaba de perder sua filha se veem diante da enorme questão moral tantas vezes levantada entre a comunidade científica, os religiosos e a sociedade mundana: É possível brincar de ser Deus?
No longa dirigido por Moss, essa e tantas outras questões éticas são abordadas, de forma prática e visual. Ao invés de esticar sua 1h30 de filme em profanos debates psicoemocionais sobre a moralidade que contrasta a ciência com a fé, Birth/Rebirth é como um ensaio cinematográfico sobre quem é o ser humano diante da inevitável mortalidade. Fazendo um paralelo entre duas personagens tão moralmente díspares, o terror/thriller é um convite a uma experiência diferente. Instigante e sempre debaixo de uma enorme tensão, a produção explora a determinação assombrosa de uma médica com ares sociopatas, que abre mão de qualquer princípio a fim de descobrir a cura para a imortalidade.
Nessa jornada, seu caminho se cruza com o de uma mãe solo, que ao perder sua pequena filha para um severo caso de meningite, é forçada a confrontar suas próprias convicções – conduzida pelo incomensurável instinto materno. Nessa trajetória, somos contemplados por um longa que desafia nossos sentidos, subvertendo sua temática já tão esgotada nos cinema e na TV com uma overdose de originalidade e criatividade. Birth/Rebirth dá vida a um assunto praticamente natimorto de tão exaurido que está e leva a audiência por caminhos pouco explorados. Com um suspense que escalona a partir dos comportamentos questionáveis de suas protagonistas, o filme é capaz de tratar as mesmas problemáticas de sci-fis de altíssimo orçamento com muito mais propriedade, riqueza narrativa e impacto.
Isso se deve à brilhante combinação entre Moss e J. O’Brien, que não se perdem em detalhes enfadonhos, se privam de análises tão eruditas e complicadas, sem perder a complexidade daquela grande pergunta, apresentada logo no primeiro parágrafo. E conduzida pelas poderosas performances de Marin Ireland (A Qualquer Custo) e Judy Reyes (Grey’s Anatomy), o suspense/terror é uma distopia sobre a mortalidade, que mostra até onde uma mãe é capaz de ir para salvar sua prole. E transformando um clássico tema do gênero de terror em um objeto de estudo reimaginado, a dupla criativa alicerça sua história na complexa psique de suas protagonistas.
Marcando a estreia na direção de Laura Moss, o thriller brinca com a linearidade narrativa de forma inteligente, entregando uma reviravolta poderosa que faz seus primeiros 5 minutos de filme ganharem um novo significado. Com um final previsível – mas excelente, Birth/Rebirth é um terror inteligente, não subestima a audiência e nos leva à mesma intensa montanha russa emocional que pauta a espetacular e disfuncional dinâmica relacional entre Ireland e Reyes.