É tudo tão plástico, artificial. A realidade criada pelas redes sociais é quase como um filtro em si. Esconde as marcas, suaviza os traços e promove uma ilusão admissível e compartilhada. Assim como o leque de opções que o Instagram e o Facebook oferecem tornam as fotos mais harmônicas, mídias digitais como essas tentam tornar a vida mais fácil e e bem resolvida do que de fato é. E essa quase realidade alternativa/virtual é o que tem proporcionado uma percepção turva do que realmente é genuíno. De repente, ninguém tem problemas, os boletos já estão todos em dias e a rotina é uma sucessão de lugares incríveis em fotos forçadamente espontâneas. Smithereens é um episódio de Black Mirror que joga isso na cara da audiência, entregando um capítulo contrastante: Ainda que seja muito bom, faltou aquele futuro caótico amedrontador que odiamos amar.
O recado foi dado. Não estamos preparados para lidar com a revolução tecnológica, que nos engole em suas grandes ondas. Completamente absortos em tudo aquilo que nos é introduzido no mercado, vivemos vidas paralelas, que atualmente parecem fazer mais sentido dentro do espelho negro, do que fora. E essa inversão, onde a maior parte do nosso tempo é consumida em redes sociais, tem fragmentado as mentes, mudando valores e tornado nossa percepção de realidade social tumultuada e equivocada. E em Smithereens, uma tragédia anunciada – ocorrida em decorrência do uso excessivo da rede social homônima, parte a alma de Chris Gillhaney (Andrew Scott). Sem saber administrar suas emoções, ele padece em um estado absoluto de luto, onde recomeços não existem e os falsos conceito da vida virtual impregnaram qualquer direito a uma nova chance.
Dirigido por James Hawes, o capítulo é excelente por saber construir a tensão necessária, tratando de um tema tão atual que é o vício que a tecnologia digital gerou na maioria de nós. Com sua narrativa se desabrochando a cada cena, Smithereens é progressivo, o que ajuda a concentrar nossas forças a cada novo fato apresentado em tela. E trazendo Scott com uma atuação explosiva e poderosa, o episódio é uma experiência viva e pulsante, nos traga para dentro da narrativa, à medida que promove uma angústia crescente. E como alguém que pretende provar seu argumento até o último minuto, Charlie Brooker segura a revelação final com vontade. A estratégia segue a mesma premissa sempre tão Black Mirror e faz de sua reflexão de encerramento a cereja de uma intensa descarga emocional que visa muito mais que nos incomodar, mas também nos confrontar.
E nesse ponto, Smithereens acerta bem. Questionando a forma como essa atual dinâmica tecnológica nos tornou mais egocêntricos, sensíveis e principalmente instáveis, o episódio faz o que Ingrid Vai Para o Oeste faz com perfeição. Mas enquanto este é uma sucessão de surras dilaceradas, aquele é…desconfortável. De fato nos leva a refletir sobre as pessoas que nos rodeiam e como estamos lidando com elas e suas circunstâncias, mas deixa um gostinho realmente amargo que os episódios mais complexos de Black Mirror sempre foram capazes de suprir. E embora seja um bom capítulo, ele aparenta um tanto incompleto. Sua mensagem tem começo, meio e fim. Mas seus confrontos param na metade, não exploram com mais acidez e dureza o peso que essas redes sociais trouxeram sobre a nossa psique. Nos deixa reflexivos, mas não perplexos. E é esse sentimento que um fã da produção busca.
Com atuações impressionantes, que ainda destacam Topher Grace como um personagem diferente do que já vimos ele interpretar, o segundo episódio da produção peca também em seu horizonte futurista. Deixando o caos de um futuro tecnológico incerto de lado, ele é um retrato genuíno do presente, um relato alarmante que visa nos alertar sobre como passamos a nos comportar em virtude das novas mídias digitais, além dos problemas nascidos a partir deste distúrbio. Válido, o episódio é impactante – ainda que efêmero, muito bem produzido, mas falha em suprir as expectativas por algo que seja mais estrondoso. Seu resultado ainda fica bem atrás de Ingrid Vai Para o Oeste, que com 27 minutos a mais promoveu um choque sócio cultural que ainda reverbera, dois anos depois de seu lançamento. Uma promessa cumprida pela metade, Smithereens é bom, mas poderia ser infinitamente melhor.
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