Talvez ela tenha sido uma das grandes responsáveis pela ruína do Star System implantado pela Disney em suas séries de TV. Filha de um cantor de música country das antigas, Miley Cyrus foi de inspiração à advertência durante sua meteórica carreira. Em Hannah Montana, ela vivia o melhor dos dois mundo, com uma peruca loira dividindo sua vida entre o estrelato e o anonimato. Mas cercada por um regime intenso que visava proteger sua reputação de comportamentos naturais do boom hormonal da adolescência, a cantora e atriz não resistiu e se viu extravasando das mais diversas, desconfortáveis e problemáticas maneiras.
E no terceiro episódio da quinta temporada de Black Mirror, intitulado Rachel, Jack e Ashley Too, Miley parece recordar da sua péssima experiência com a emissora, em uma espécie de epifania metalinguística. Aqui, ela dá vida à Ashley, uma jovem artista que vive sob o algoz controle de sua tia, que muito mais que pautar o ritmo e estilo de sua carreira, quer também abafar todos os complexos, traumas e problemas emocionais vividos pela garota. Aprisionada em seu próprio dom musical, ela é tratada como uma marionete, que responde a comandos, não possui sua própria identidade e acaba sendo vítima de sua criatividade, que é submetida à uma tecnologia futurista, que visa sugar todo o seu talento, descartando sua vida como se fosse uma carcaça qualquer.
Voltando às suas raízes com um episódio essencialmente Black Mirror, a indústria fonográfica é exposta de maneira mais dilacerada e exacerbada no episódio, pelas lentes de aumento que Charlie Brooker se habituou a usar em sua produção. Aqui, vemos o quão descartável um artista pode ser, diante de seu potencial econômico para as grandes gravadoras. Como uma forma de alfinetar esse tratamento irrelevante dado aos músicos, Rachel, Jack e Ashley Too ainda serve como uma metáfora comparativa à própria carreira de Miley Cyrus, que no auge de suas desilusões com a Disney chegou a afirmar o seu desprezo pelo tempo que teve na emissora Disney Channel. A revolta não se ateve apenas à cantora, com seu próprio pai, Billy Ray Cyrus, chegando a declarar que a empresa havia destruído sua família, em uma franca e excepcional entrevista à revista GQ.
E em se tratando do cânone de Black Mirror, o episódio final é dinâmico, eletrizante e mostra um futuro sombrio genuinamente cabível que a tecnologia resguarda no que tange o cenário musical. Trazendo também uma evolução dos shows feitos em hologramas, Rachel, Jack e Ashley Too traz Miley de volta à atuação de maneira crua e orgânica, como um tipo de déjà vu da boca suja que a própria artista teve durante a fase mais tumultuosa de sua adolescência/juventude. Com um final feliz, cercado por um background obscuro, este capítulo beira o humor negro – principalmente em seus instantes finais.
Com canções originais chicletes cantadas pela artista, o episódio é certamente o melhor da temporada, honra o jargão isso é tão Black Mirror e faz um relato verdadeiro sobre uma das indústrias mais sujas. E embora não encabece a lista de melhores no geral, ele é capaz de nos fazer refletir não apenas sobre a manipulação midiática imposta por grandes conglomerados midiáticos em suas estrelas, bem como sobre os nossos falsos padrões exigentes, que julgam, condenam e escracham essas personalidades pelos deslizes e erros cometidos diante do mundo.