segunda-feira , 4 novembro , 2024

Crítica | Caçadoras de Recompensas – Netflix encontra afeto e transgressão em série teen

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Caçadoras de Recompensasé um amontoado de contradições reunidas em um único elemento. Se isso soa como um problema, é na verdade o oposto. Operar dentro de todos os seus paradoxos é o superpoder secreto desta comédia adolescente da Netflix.

A primeira contradição é o fato de as próprias protagonistas, Amy e Sterling, serem ao mesmo tempo conservadoras e liberais, dependendo do ponto de vista em que estão. Elas vêm de uma família religiosa, branca, rica e republicana de Atlanta, no sul dos Estados Unidos — a capital da Geórgia, um estado majoritariamente negro. Elas carregam armas no porta-malas do pai, frequentam um colégio religioso regido a ética, bons costumes e abstinência sexual. Mas elas falam de sexo o tempo todo, sustentam uma mentira, bebem mesmo sendo menores de idade. 

E, mesmo com tudo isso, o grande pecado irredutível para elas é o cigarro.

A segunda contradição é que, para uma série que se passa em um estado de população majoritariamente negra, soa estranho protagonistas tão brancas enquanto os atores de outras etnias se restringem a papéis secundários. A família, o colégio, amigos — todos excessivamente brancos, uma bolha que é rompida quando o vallet do clube que a família frequenta insistentemente convida Amy para sair, e quando as duas estão com Bowser sendo Caçadoras de Recompensas

Você pode escolher olhar para essas questões como problemas, mas isso seria deixar passar o principal ponto. Toda essa série de elementos dissonantes que fazem parte da vida de Amy e Sterling estão ali não apenas para apontar de uma forma muito delicada que não existe uma única maneira ideal de se comportar no mundo, como também para ir contra a redução de religiosidade necessariamente a caretismo. 

Quando a série se propõe a mostrar a feminilidade ‘moderna’ das irmãs mesmo dentro de todos os laços conservadores em que estão naturalmente inseridas, está propondo um olhar menos simplificado do que significa crescer dentro de uma religiosidade. Quando fura a bolha cultural de ambas com personagens como Bowser e Miles, propõe um diálogo aberto e mais fraterno sobre os estereótipos sociais que nos dividem. 

É por isso que acompanhar a jornada dessas irmãs soa como algo novo. A história se encaixa  no tradicional coming of age, mas com um ponto de vista diferente. Ao invés de rejeitarem criação e o que elas têm de referência, elas abraçam os pais e os ensinamentos. Isso sem deixar de lado as escapadas sexuais, as desventuras da idade e as inevitáveis decepções. Quando a série abraça um background tão rico para Amy e Sterling,Caçadoras de Recompensasse abre para possibilidades de narrativa extremamente doces. Ao mesmo tempo que se mantém dentro das estruturas pré-estabelecidas de uma série que tem um pouco deBuffy, a Caça-Vampiros’ e um pouco de Veronica Mars, ela encontra uma voz única.

Criada por Kathleen Jordan e com produção executiva de Jenji Kohan, Caçadoras de Recompensasàs vezes denuncia a forma como parece ter sido feita para agradar parcelas específicas da audiência da Netflix, com um extenso trabalho de pesquisa de marketing e algoritmo por trás para marcar todos os pontos que satisfazem e atraem o público de séries como ‘Eu Nunca…’, ‘The End of The F***ing World’, ‘Sex Education’, One Day at a Timee etc. Isso, é claro, não é algo inventado pela Netflix, mas é de se questionar o quanto de intervenção criativa existe em projetos como estes citados. 

Por outro lado, é a boa relação entre Maddie Phillips e Anjelica Bette Fellini que nos permite deixar passar problemas mais graves, como o desenvolvimento brusco de viradas do roteiro e soluções preguiçosas para os conflitos. Enquanto Sterling é a ‘gêmea boa’, Amy funciona como a ‘gêmea má’, e a forma como elas se irritam e dão apoio mútuo serve para que uma deixe a outra se destacar um pouco mais, além de tornar até mesmo a conexão psíquica entre elas um recurso útil e divertido. É uma dinâmica fraternal na sua mais pura essência. 

Por isso, Caçadoras de Recompensascumpre o seu propósito como um bom divertimento, embora exija algumas suspensões de realidade um pouco excessivas. A forma como retrata as múltiplas feminilidades e expõe contradições de leituras religiosas que não se sustentam é o seu ponto alto, ainda que muitas vezes se esqueça disso em prol de piadas práticas pouco efetivas.   

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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A primeira contradição é o fato de as próprias protagonistas, Amy e Sterling, serem ao mesmo tempo conservadoras e liberais, dependendo do ponto de vista em que estão. Elas vêm de uma família religiosa, branca, rica e republicana de Atlanta, no sul dos Estados Unidos — a capital da Geórgia, um estado majoritariamente negro. Elas carregam armas no porta-malas do pai, frequentam um colégio religioso regido a ética, bons costumes e abstinência sexual. Mas elas falam de sexo o tempo todo, sustentam uma mentira, bebem mesmo sendo menores de idade. 

E, mesmo com tudo isso, o grande pecado irredutível para elas é o cigarro.

A segunda contradição é que, para uma série que se passa em um estado de população majoritariamente negra, soa estranho protagonistas tão brancas enquanto os atores de outras etnias se restringem a papéis secundários. A família, o colégio, amigos — todos excessivamente brancos, uma bolha que é rompida quando o vallet do clube que a família frequenta insistentemente convida Amy para sair, e quando as duas estão com Bowser sendo Caçadoras de Recompensas

Você pode escolher olhar para essas questões como problemas, mas isso seria deixar passar o principal ponto. Toda essa série de elementos dissonantes que fazem parte da vida de Amy e Sterling estão ali não apenas para apontar de uma forma muito delicada que não existe uma única maneira ideal de se comportar no mundo, como também para ir contra a redução de religiosidade necessariamente a caretismo. 

Quando a série se propõe a mostrar a feminilidade ‘moderna’ das irmãs mesmo dentro de todos os laços conservadores em que estão naturalmente inseridas, está propondo um olhar menos simplificado do que significa crescer dentro de uma religiosidade. Quando fura a bolha cultural de ambas com personagens como Bowser e Miles, propõe um diálogo aberto e mais fraterno sobre os estereótipos sociais que nos dividem. 

É por isso que acompanhar a jornada dessas irmãs soa como algo novo. A história se encaixa  no tradicional coming of age, mas com um ponto de vista diferente. Ao invés de rejeitarem criação e o que elas têm de referência, elas abraçam os pais e os ensinamentos. Isso sem deixar de lado as escapadas sexuais, as desventuras da idade e as inevitáveis decepções. Quando a série abraça um background tão rico para Amy e Sterling,Caçadoras de Recompensasse abre para possibilidades de narrativa extremamente doces. Ao mesmo tempo que se mantém dentro das estruturas pré-estabelecidas de uma série que tem um pouco deBuffy, a Caça-Vampiros’ e um pouco de Veronica Mars, ela encontra uma voz única.

Criada por Kathleen Jordan e com produção executiva de Jenji Kohan, Caçadoras de Recompensasàs vezes denuncia a forma como parece ter sido feita para agradar parcelas específicas da audiência da Netflix, com um extenso trabalho de pesquisa de marketing e algoritmo por trás para marcar todos os pontos que satisfazem e atraem o público de séries como ‘Eu Nunca…’, ‘The End of The F***ing World’, ‘Sex Education’, One Day at a Timee etc. Isso, é claro, não é algo inventado pela Netflix, mas é de se questionar o quanto de intervenção criativa existe em projetos como estes citados. 

Por outro lado, é a boa relação entre Maddie Phillips e Anjelica Bette Fellini que nos permite deixar passar problemas mais graves, como o desenvolvimento brusco de viradas do roteiro e soluções preguiçosas para os conflitos. Enquanto Sterling é a ‘gêmea boa’, Amy funciona como a ‘gêmea má’, e a forma como elas se irritam e dão apoio mútuo serve para que uma deixe a outra se destacar um pouco mais, além de tornar até mesmo a conexão psíquica entre elas um recurso útil e divertido. É uma dinâmica fraternal na sua mais pura essência. 

Por isso, Caçadoras de Recompensascumpre o seu propósito como um bom divertimento, embora exija algumas suspensões de realidade um pouco excessivas. A forma como retrata as múltiplas feminilidades e expõe contradições de leituras religiosas que não se sustentam é o seu ponto alto, ainda que muitas vezes se esqueça disso em prol de piadas práticas pouco efetivas.   

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Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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