quarta-feira , 25 dezembro , 2024

Crítica | Cara Gente Branca – 1ª Temporada

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Antes de começar esta crítica, deixe-me esclarecer um ponto aqui: meu nome é Karolen Passos, tenho 23 anos, sou jornalista e a cor da minha pele seria, na cultura norte-americana, considerada birracial. Por que tudo isso? É preciso deixar em evidência o que essa série representa para alguém como eu.

Cara Gente Branca, criada por Justin Simien, o mesmo que roteirizou o filme que inspirou a produção da Netflix, tem a seguinte sinopse: “alunos negros de uma conceituada universidade norte-americana enfrentam desrespeito e a política evasiva da escola, que está longe de ser ‘pró-racial’”.



O que esperar de uma série que fale sobre preconceitos diários sofridos por pessoas de pele negra cuja esta rendeu cancelamentos de assinaturas na Netflix? O que esperar de uma série que mostra descaradamente que essa conversa de que não existe mais racismo é aquilo que a minha avó chama de “papo para boi dormir”? O que esperar de uma série que faz piada do tal racismo reverso tão proclamado por pessoas brancas racistas? O que esperar de uma série que exibe, para aqueles que ainda não sabem o que é, o privilégio branco? Sabe o que você deve esperar de uma série assim? Que ela seja EXCELENTE! (isso porque se eu for nomear todas as formas de preconceitos que a série mostra, escrevo a bíblia aqui).

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Cara Gente Branca possui um dos melhores roteiros escritos da atualidade. Entre tantas comédias de humor ácido, crítico, ela consegue ter um destaque singular no topo. A história consegue prender o telespectador desde a primeira cena, é impossível não ficar curioso em saber o que mais vem por aí. Os diálogos são maravilhosamente estruturados e a evolução dos personagens merece uma salva de palmas. Sem contar que Simien não tem medo de expor nada.

No quesito técnico, a série também se destaca. A direção cumpre o papel que lhe é designado e trabalha com cenas em câmera lenta quando necessário, assim como excelentes planos-detalhes. Um ponto interessante é como uma mesma cena ganha visões diferentes de acordo com o personagem em evidência durante o episódio, algo muito bem trabalhado tanto nesta parte quanto no roteiro. A direção de arte também não deixa a desejar em momento algum. O público é inserido com facilidade naquele mundo de universitários norte-americanos, é fácil acreditar no campus que é mostrado.

Os personagens… Ah, os personagens! A obra de Justin Simien criou seres tão complexos e bem construídos quanto às pessoas que o telespectador conhece no dia a dia. Em Cara Gente Branca é possível encontrar todos os tipos de seres humanos: os que buscam mudar o mundo através de protestos, em grupo ou sozinhos, os que acreditam que o racismo não existe, os que desmerecem as causas das minorias, os machistas, os que acreditam em racismo reverso, os que tentam se enturmar para não se sentirem tão deslocados, entre outros.

Samantha White (Logan Browning), Lionel Higgins (DeRon Horton), Troy Fairbanks (Brandon P Bell), Coco Conners (Antoinette Robertson), Reggie Green (Marque Richardson), Gabe Mitchell (John Patrick Amedori), Joelle Brooks (Ashley Blaine Featherson), entre outros, merecem destaque. É possível acompanhar a evolução dos mesmos ao longo dos episódios e é quase impossível não querer conhecer cada vez mais sobre cada um deles. Os atores merecem reconhecimento pelo trabalho desempenhado.

SPOILERS

Falar desta série e não destacar algumas cenas é uma missão difícil. Prometo que é só um pouquinho de spoiler (para quem veio até aqui) sobre alguns pontos que merecem espaço para debate. Na verdade, todos merecem, mas resolvi falar destes abaixo.

Primeiro: festa do Blackface. Uma festa organizada por pessoas brancas – para pessoas brancas se vestirem como pessoas negras. Uma noite como um negro, basicamente. Só para constar: blackface foi uma prática utilizada por atores de teatro que se coloriam com carvão de cortiça para representar personagens afro-americanos de forma estereotipada.

Infelizmente, o blackface ainda existe. Pessoas que se vestem como pessoas negras em festas a fantasia, no halloween norte-americano, e também é possível ver este situação no carnaval brasileiro. Uma cena tão bem produzida que causa a mesma revolta no público, sentida pelos personagens. Foi também nesse momento que tive a sensação de que o Lionel ainda iria causar mais turbulências (jornalistas, certo? risos).

Segundo: arma apontada para o Reggie. Se fosse para classificar um episódio como o melhor de toda a temporada, este seria o quinto capítulo. É um tapa na cara da sociedade que não acredita em tratamentos diferenciados pela polícia entre brancos e negros. Sabe o movimento Black Lives Matter? Então, ele é importante. Sabe as notícias que vemos de que jovem negro, morador de comunidade, foi morto por bala perdida? Nem sempre é bala perdida.

A cena é retratada de forma tão realista que dói, sabe por qual motivo? Porque numa festa, se tiver briga, em um furto dentro de algum coletivo, loja, ambientes de trabalho, entre outras situações deste cunho, nas quais não se sabe quem é, de fato, o culpado, o primeiro para o qual a maioria das pessoas e principalmente, as que se chamam de autoridades, que deveriam proteger os cidadãos, apontam o dedo são para as de pele negra.

Terceiro: permita-me fazer um paralelo. Sabe o diálogo em que eles falam sobre privilégio branco, sobre pessoas que não conseguem uma vaga devido à cor da pele? Já aconteceu com alguém que faz parte da minha família. Essa pessoa possui conhecimento vasto e ao ser subestimada pela empresa conseguiu compreender, já que os dois entrevistadores conversaram entre si em outra língua, o motivo pelo qual não queriam a mesma. Ela falava o outro idioma também. Já fui mal atendida em lojas devido a este mesmo fator, tenho amigos que já foram mal tratados em restaurantes pelo mesmo motivo.

Tenho dois irmãos, um adolescente e um pré-adolescente, uma vez os dois estavam em uma estação de BRT, no Rio de Janeiro, aguardando a mãe que vinha buscar eles. Uma tia nossa os deixou lá e foi no banco resolver um problema antes de fechar. Os dois estavam arrumados, com mochilas e animados para ver a mãe. Um dos seguranças começou a gritar com meus irmãos, exigindo que eles saíssem da estação imediatamente ou ele chamaria a polícia para levá-los. Meus irmãos são da mesma cor de pele que eu. E choraram muito quando contaram o ocorrido. Já vi jovens brancos da mesma idade deles nessas estações e nada acontecer.

Racismo existe. E é preciso debater sobre isso, é preciso fazer movimentos, protestos, é preciso que mais séries e filmes abordem sobre este tema, pois só assim é possível, aos poucos, mudar essas situações que não devem ser consideradas normais.

Para finalizar, assista Cara Gente Branca. Esta série merece muito mais do que cinco estrelas.

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Crítica | Cara Gente Branca – 1ª Temporada

Antes de começar esta crítica, deixe-me esclarecer um ponto aqui: meu nome é Karolen Passos, tenho 23 anos, sou jornalista e a cor da minha pele seria, na cultura norte-americana, considerada birracial. Por que tudo isso? É preciso deixar em evidência o que essa série representa para alguém como eu.

Cara Gente Branca, criada por Justin Simien, o mesmo que roteirizou o filme que inspirou a produção da Netflix, tem a seguinte sinopse: “alunos negros de uma conceituada universidade norte-americana enfrentam desrespeito e a política evasiva da escola, que está longe de ser ‘pró-racial’”.

O que esperar de uma série que fale sobre preconceitos diários sofridos por pessoas de pele negra cuja esta rendeu cancelamentos de assinaturas na Netflix? O que esperar de uma série que mostra descaradamente que essa conversa de que não existe mais racismo é aquilo que a minha avó chama de “papo para boi dormir”? O que esperar de uma série que faz piada do tal racismo reverso tão proclamado por pessoas brancas racistas? O que esperar de uma série que exibe, para aqueles que ainda não sabem o que é, o privilégio branco? Sabe o que você deve esperar de uma série assim? Que ela seja EXCELENTE! (isso porque se eu for nomear todas as formas de preconceitos que a série mostra, escrevo a bíblia aqui).

Cara Gente Branca possui um dos melhores roteiros escritos da atualidade. Entre tantas comédias de humor ácido, crítico, ela consegue ter um destaque singular no topo. A história consegue prender o telespectador desde a primeira cena, é impossível não ficar curioso em saber o que mais vem por aí. Os diálogos são maravilhosamente estruturados e a evolução dos personagens merece uma salva de palmas. Sem contar que Simien não tem medo de expor nada.

No quesito técnico, a série também se destaca. A direção cumpre o papel que lhe é designado e trabalha com cenas em câmera lenta quando necessário, assim como excelentes planos-detalhes. Um ponto interessante é como uma mesma cena ganha visões diferentes de acordo com o personagem em evidência durante o episódio, algo muito bem trabalhado tanto nesta parte quanto no roteiro. A direção de arte também não deixa a desejar em momento algum. O público é inserido com facilidade naquele mundo de universitários norte-americanos, é fácil acreditar no campus que é mostrado.

Os personagens… Ah, os personagens! A obra de Justin Simien criou seres tão complexos e bem construídos quanto às pessoas que o telespectador conhece no dia a dia. Em Cara Gente Branca é possível encontrar todos os tipos de seres humanos: os que buscam mudar o mundo através de protestos, em grupo ou sozinhos, os que acreditam que o racismo não existe, os que desmerecem as causas das minorias, os machistas, os que acreditam em racismo reverso, os que tentam se enturmar para não se sentirem tão deslocados, entre outros.

Samantha White (Logan Browning), Lionel Higgins (DeRon Horton), Troy Fairbanks (Brandon P Bell), Coco Conners (Antoinette Robertson), Reggie Green (Marque Richardson), Gabe Mitchell (John Patrick Amedori), Joelle Brooks (Ashley Blaine Featherson), entre outros, merecem destaque. É possível acompanhar a evolução dos mesmos ao longo dos episódios e é quase impossível não querer conhecer cada vez mais sobre cada um deles. Os atores merecem reconhecimento pelo trabalho desempenhado.

SPOILERS

Falar desta série e não destacar algumas cenas é uma missão difícil. Prometo que é só um pouquinho de spoiler (para quem veio até aqui) sobre alguns pontos que merecem espaço para debate. Na verdade, todos merecem, mas resolvi falar destes abaixo.

Primeiro: festa do Blackface. Uma festa organizada por pessoas brancas – para pessoas brancas se vestirem como pessoas negras. Uma noite como um negro, basicamente. Só para constar: blackface foi uma prática utilizada por atores de teatro que se coloriam com carvão de cortiça para representar personagens afro-americanos de forma estereotipada.

Infelizmente, o blackface ainda existe. Pessoas que se vestem como pessoas negras em festas a fantasia, no halloween norte-americano, e também é possível ver este situação no carnaval brasileiro. Uma cena tão bem produzida que causa a mesma revolta no público, sentida pelos personagens. Foi também nesse momento que tive a sensação de que o Lionel ainda iria causar mais turbulências (jornalistas, certo? risos).

Segundo: arma apontada para o Reggie. Se fosse para classificar um episódio como o melhor de toda a temporada, este seria o quinto capítulo. É um tapa na cara da sociedade que não acredita em tratamentos diferenciados pela polícia entre brancos e negros. Sabe o movimento Black Lives Matter? Então, ele é importante. Sabe as notícias que vemos de que jovem negro, morador de comunidade, foi morto por bala perdida? Nem sempre é bala perdida.

A cena é retratada de forma tão realista que dói, sabe por qual motivo? Porque numa festa, se tiver briga, em um furto dentro de algum coletivo, loja, ambientes de trabalho, entre outras situações deste cunho, nas quais não se sabe quem é, de fato, o culpado, o primeiro para o qual a maioria das pessoas e principalmente, as que se chamam de autoridades, que deveriam proteger os cidadãos, apontam o dedo são para as de pele negra.

Terceiro: permita-me fazer um paralelo. Sabe o diálogo em que eles falam sobre privilégio branco, sobre pessoas que não conseguem uma vaga devido à cor da pele? Já aconteceu com alguém que faz parte da minha família. Essa pessoa possui conhecimento vasto e ao ser subestimada pela empresa conseguiu compreender, já que os dois entrevistadores conversaram entre si em outra língua, o motivo pelo qual não queriam a mesma. Ela falava o outro idioma também. Já fui mal atendida em lojas devido a este mesmo fator, tenho amigos que já foram mal tratados em restaurantes pelo mesmo motivo.

Tenho dois irmãos, um adolescente e um pré-adolescente, uma vez os dois estavam em uma estação de BRT, no Rio de Janeiro, aguardando a mãe que vinha buscar eles. Uma tia nossa os deixou lá e foi no banco resolver um problema antes de fechar. Os dois estavam arrumados, com mochilas e animados para ver a mãe. Um dos seguranças começou a gritar com meus irmãos, exigindo que eles saíssem da estação imediatamente ou ele chamaria a polícia para levá-los. Meus irmãos são da mesma cor de pele que eu. E choraram muito quando contaram o ocorrido. Já vi jovens brancos da mesma idade deles nessas estações e nada acontecer.

Racismo existe. E é preciso debater sobre isso, é preciso fazer movimentos, protestos, é preciso que mais séries e filmes abordem sobre este tema, pois só assim é possível, aos poucos, mudar essas situações que não devem ser consideradas normais.

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