E cá estamos novamente para escrever sobre mais uma temporada de Cara Gente Branca. Façamos uma crítica então: spoilers free e destacando o que há de bom tecnicamente nesta nova etapa. Recordo-me de há um ano e alguns meses ter me animado ao escrever uma análise da primeira temporada e até mesmo citar algumas situações vividas por pessoas próximas, muito próximas mesmo, a mim. Desta vez, portanto, abstenho-me dos comentários de caráter pessoal e trago uma crítica, de fato. Mas, aos curiosos de plantão, vocês podem conferir o texto aqui.
E só uma observação: esta decisão não tem absolutamente nada a ver sobre querer criar ou não polêmica, ou querer evitar tal, é apenas uma posição escolhida por uma profissional. Foi importante destacar aqueles pontos na primeira, assim, vocês entendem melhor sobre quem escreve. Mas enfim, vamos ao que interessa.
A segunda temporada da série criada por Justin Simien (roteirista do filme ‘Cara Gente Branca’) foi um soco no estômago. Mas não é daqueles soquinhos leves, mas sim, um de deixar marcas enraizadas na alma do ser humano (afinal, bem mais marcante do que na pele). Se a primeira parte da série original da Netflix foi uma verdadeira demonstração do que os negros norte-americanos, e em diversas outras partes do mundo, vivem diariamente, esta etapa veio para ensinar a cada um dos telespectadores o que realmente é viver na pele de um indivíduo que passa por essas situações.
O roteiro é uma construção e desconstrução de discursos impressionante. Rico de diálogos excepcionais e marcantes, sem contar que é só piscar o olho e você perde. O espectador é atraído, mais uma vez, para a Universidade de Winchester e as vidas de Sam (Logan Browning), Lionel (DeRon Horton), Coco (Antoinette Robertson), Reggie (Marque Richardson), Joelle (Ashley Blaine Featherson), Troy (Brandon P Bell), Gabe (John Patrick Amedori), entre outros. É o embarque no pós-acontecimentos finais da primeira temporada e como tudo vai se interligando em perfeita sincronia.
E por falar em narrativa, é preciso exaltar (e muito) o oitavo episódio da segunda temporada, onde pode-se ver Samantha White dialogando com o ex-namorado um dos melhores debates sobre preconceito racial já vistos numa ficção. Uma verdadeira lição para levar na mente (e no coração) pelo resto da existência. É buscar no fundo da alma os significados do que é ser uma pessoa com a pele de uma determinada cor, cuja esta permanece enraizada na sociedade como inferior, e o quanto isso afeta a vida de alguém, o quanto as falas de um privilegiado caem fora do pote mediante a posição de quem verdadeiramente faz parte da realidade. A trama é uma aula de como construir uma boa história com conversas realísticas entre personagens.
Outro detalhe que é preciso salientar são as participações especiais de nomes que Simien teve nesta parte como Tessa Thompson (Westworld), Tyler James Williams (Todo Mundo Odeia o Chris), Giancarlo Esposito (que também é o narrador) e Lena Waithe (Master of None). Thompson, inclusive, rouba uma das cenas durante o episódio final e mostra um lado das coisas nem sempre vistos, uma crítica muito bem construída. Um ponto que também torna o roteiro encorpado é o fato de cada capítulo colocar a história na perspectiva de um personagem diferente, abrindo espaço não só para a protagonista como para os outros que também compõem a trama contada.
A direção da produção permanece mantendo os padrões da primeira temporada e sendo coerentes com a narrativa apresentada. Um destaque necessário é para a trilha sonora que continua excelente e fazendo a crítica aqui querer escutar em um looping eterno. A arte também segue o padrão de qualidade deixando pequenos detalhes ao longo dos episódios que se conectam no final.
Cara Gente Branca é aquela série que todos deveriam abrir um pouco a mente e conferir, afinal, talvez assim, a sociedade possa começar a dar um pequeno passo rumo ao real progresso.