quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Chernobyl: 1ª Temporada – HBO acerta em cheio com trágica e envolvente minissérie

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Na madrugada do dia 25 para o dia 26 de abril de 1986, o reator número quatro da usina de Chernobyl, na cidade de Pripyat, Ucrânia. O maior desastre causado por mãos humanas, então, tornou-se uma história mundialmente conhecida e que é relembrada até hoje, não apenas por ter influenciado no aumento esporádico de mutações genéticas (leia-se câncer) de milhares de pessoas, mas também por ter nos mostrado a que ponto o ser humano pode chegar quando movido pelo ego.

33 anos depois e uma infeliz tentativa de transformar essa trágica história em um terror barato, a HBO resolveu imortalizar o triste legado que tal evento deixou para todos nós em uma minissérie de cinco episódios – e, considerando a enorme carga criativa da emissora, estávamos entregando tal história nas mãos de um time muito competente. Tal qual foi nossa surpresa quando, após a desconcertante conclusão de Game of Thrones, o canal nos entregou a uma das melhores produções da atualidade e provou, mais uma vez, que ainda tem muito a oferecer.



Criada por Craig Mazin, Chernobyl insurge como uma série extremamente bem construída e que une em um mesmo local uma epopeia dramática que se respalda com força nos elementos mais clássicos do suspense. É interessante perceber como Mazin fugiu por completo de sua zona de conforto, abandonando sua filmografia cômica (‘Uma Ladra Sem Limites’ e ‘Se Beber Não Case 2’) para se aprofundar em uma história que jamais havia ganhado essa perspectiva. O showrunner inclusive alcança o feito de humanizar as narrativas científicas que alimentam a mitologia das usinas, traduzindo-as para um agonizante tour-de-force sem se render a artifícios novelescos.

De fato, não há palavras que consigam definir toda a sinestesia construída por essa obra: o episódio piloto não perde tempo em iniciar com uma aterrorizante sequência protagonizada por Jared Harris como o professor Valery Legasov, que acompanhou de perto as catástrofes astronômicas em questão, e logo nos transpondo para uma cronologia anterior que já traz o ápice com a explosão. Nos primeiros diálogos, é nítido perceber como as consequências (futuramente seculares) residem na megalomania do homem em querer se sobrepor à fúria da natureza e das coisas que não conhece: afinal, sabe-se que o reator da usina explodiu por superaquecimento e por tentativas desnecessárias de se conquistar o poder.

Aliás, Mazin abre um espaço considerável para explorar os últimos anos da Guerra Fria e de que forma a ideologia conflituosa entre a União Soviética e Estados Unidos também foi responsável pelas medidas controversas tomadas pelo alto-escalão político da Ucrânica (afinal, o país era aliados da URSS à época). O roteiro, cautelosamente delineado para travestir o jargão científico em uma didática aula do que não fazer em tempos de crise, carrega consigo uma naturalidade emocionante, arrancando suspiros de indignação a todo momento.

É claro, temos de um lado os engenheiros-chefes que se recusam a acreditar que o potente reator havia explodido; os patrocinadores multibilionários que tacham de louco qualquer um que ousar dizer que está sofrendo por causa de uma “suposta” radiação; e temos as dúzias e mais dúzias de civis que sentiam suas peles sendo perfuradas por agulhas invisíveis, observando impotentes seus corpos se transformando em algo irreconhecível, digno dos clássicos filmes de terror. O combate entre ambas as polaridades é reafirmada por diversos elementos estéticos e arduamente trabalhados, incluindo uma paleta de cores melancólica e uma tétrica trilha sonora que traduz o surto radioativo em uma cíclica jornada para a ruína.

A constante névoa, resultado dos esforços frustrantes de conter os corolários descomunais da tragédia, é outra investida estética que nos afasta com repulsa da explicitação dos eventos ao mesmo tempo que nos envolve em um condescendente abraço. Esse dúbio jogo não é algo pontual, e sim alastra-se desde o primeiro capítulo até o último, fazendo questão de nos chocar cada vez mais. Algumas sequências, aliás, são tão drasticamente necessárias e fortes que é impossível não sentir empatia por aqueles que padeceram em meio a um erro tolo, e tantos outros que sofrem até hoje.

Mazin também cuida para que os espectadores mergulhem em uma inebriante realidade que não parece palpável até ser tarde demais – refletida nos diversos personagens que se recusam a acreditar que aquilo realmente aconteceu. A luta de mentalidades ganha inúmeras camadas quando materializada tanto pela presença de Legasov quanto do vice-primeiro-ministro Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard em uma espetacular performance). A física nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson) emerge como a principal investigadora do que aconteceu, ainda que permaneça em sua solitária e perigosa bolha, perseguida por nomes que podem dar-lhe um fim em um estalar de dedos.

Em meio a várias intrigas, são as múltiplas subtramas mais intimistas que carregam consigo a maior carga dramática – como, por exemplo, as sequências de adeus estreladas por Jessie Buckley e Adam Nagaitis, interpretando o casal Ignatenko, e as confissões em leito de morte proferidas por Paul Ritter e Robert Emms como os responsáveis por cuidar do funcionamento de Chernobyl. Cada uma das construções cênicas segue um padrão semelhante, diferenciando-se, contudo, no tocante ao tom que deseja transmitir às audiências.

Chernobyl é um incrível acerto da HBO e uma declaração realista-pessimista, como supracitado, sobre o desejo humano e suas derradeiras consequências. É um fato declarar que não houve precedentes para o que aconteceu à Pripyat e a seus habitantes; mas é instigante e frustrante saber, através de uma história bem construída e coesa, que tudo poderia ser evitado.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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33 anos depois e uma infeliz tentativa de transformar essa trágica história em um terror barato, a HBO resolveu imortalizar o triste legado que tal evento deixou para todos nós em uma minissérie de cinco episódios – e, considerando a enorme carga criativa da emissora, estávamos entregando tal história nas mãos de um time muito competente. Tal qual foi nossa surpresa quando, após a desconcertante conclusão de Game of Thrones, o canal nos entregou a uma das melhores produções da atualidade e provou, mais uma vez, que ainda tem muito a oferecer.

Criada por Craig Mazin, Chernobyl insurge como uma série extremamente bem construída e que une em um mesmo local uma epopeia dramática que se respalda com força nos elementos mais clássicos do suspense. É interessante perceber como Mazin fugiu por completo de sua zona de conforto, abandonando sua filmografia cômica (‘Uma Ladra Sem Limites’ e ‘Se Beber Não Case 2’) para se aprofundar em uma história que jamais havia ganhado essa perspectiva. O showrunner inclusive alcança o feito de humanizar as narrativas científicas que alimentam a mitologia das usinas, traduzindo-as para um agonizante tour-de-force sem se render a artifícios novelescos.

De fato, não há palavras que consigam definir toda a sinestesia construída por essa obra: o episódio piloto não perde tempo em iniciar com uma aterrorizante sequência protagonizada por Jared Harris como o professor Valery Legasov, que acompanhou de perto as catástrofes astronômicas em questão, e logo nos transpondo para uma cronologia anterior que já traz o ápice com a explosão. Nos primeiros diálogos, é nítido perceber como as consequências (futuramente seculares) residem na megalomania do homem em querer se sobrepor à fúria da natureza e das coisas que não conhece: afinal, sabe-se que o reator da usina explodiu por superaquecimento e por tentativas desnecessárias de se conquistar o poder.

Aliás, Mazin abre um espaço considerável para explorar os últimos anos da Guerra Fria e de que forma a ideologia conflituosa entre a União Soviética e Estados Unidos também foi responsável pelas medidas controversas tomadas pelo alto-escalão político da Ucrânica (afinal, o país era aliados da URSS à época). O roteiro, cautelosamente delineado para travestir o jargão científico em uma didática aula do que não fazer em tempos de crise, carrega consigo uma naturalidade emocionante, arrancando suspiros de indignação a todo momento.

É claro, temos de um lado os engenheiros-chefes que se recusam a acreditar que o potente reator havia explodido; os patrocinadores multibilionários que tacham de louco qualquer um que ousar dizer que está sofrendo por causa de uma “suposta” radiação; e temos as dúzias e mais dúzias de civis que sentiam suas peles sendo perfuradas por agulhas invisíveis, observando impotentes seus corpos se transformando em algo irreconhecível, digno dos clássicos filmes de terror. O combate entre ambas as polaridades é reafirmada por diversos elementos estéticos e arduamente trabalhados, incluindo uma paleta de cores melancólica e uma tétrica trilha sonora que traduz o surto radioativo em uma cíclica jornada para a ruína.

A constante névoa, resultado dos esforços frustrantes de conter os corolários descomunais da tragédia, é outra investida estética que nos afasta com repulsa da explicitação dos eventos ao mesmo tempo que nos envolve em um condescendente abraço. Esse dúbio jogo não é algo pontual, e sim alastra-se desde o primeiro capítulo até o último, fazendo questão de nos chocar cada vez mais. Algumas sequências, aliás, são tão drasticamente necessárias e fortes que é impossível não sentir empatia por aqueles que padeceram em meio a um erro tolo, e tantos outros que sofrem até hoje.

Mazin também cuida para que os espectadores mergulhem em uma inebriante realidade que não parece palpável até ser tarde demais – refletida nos diversos personagens que se recusam a acreditar que aquilo realmente aconteceu. A luta de mentalidades ganha inúmeras camadas quando materializada tanto pela presença de Legasov quanto do vice-primeiro-ministro Boris Shcherbina (Stellan Skarsgard em uma espetacular performance). A física nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson) emerge como a principal investigadora do que aconteceu, ainda que permaneça em sua solitária e perigosa bolha, perseguida por nomes que podem dar-lhe um fim em um estalar de dedos.

Em meio a várias intrigas, são as múltiplas subtramas mais intimistas que carregam consigo a maior carga dramática – como, por exemplo, as sequências de adeus estreladas por Jessie Buckley e Adam Nagaitis, interpretando o casal Ignatenko, e as confissões em leito de morte proferidas por Paul Ritter e Robert Emms como os responsáveis por cuidar do funcionamento de Chernobyl. Cada uma das construções cênicas segue um padrão semelhante, diferenciando-se, contudo, no tocante ao tom que deseja transmitir às audiências.

Chernobyl é um incrível acerto da HBO e uma declaração realista-pessimista, como supracitado, sobre o desejo humano e suas derradeiras consequências. É um fato declarar que não houve precedentes para o que aconteceu à Pripyat e a seus habitantes; mas é instigante e frustrante saber, através de uma história bem construída e coesa, que tudo poderia ser evitado.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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