Desde que o mundo é mundo os processos migratórios dos seres humanos é uma realidade recorrente. Particularmente aqui no Brasil esse é um cenário ainda mais frequente, dadas as condições climáticas das regiões, as constantes crises financeiras, a falta de oportunidade de trabalho em muitas partes e, mais recentemente, os terríveis desastres ambientais: tudo isso vem forçando milhares e milhares de pessoas a se deslocarem de suas terras, muitas vezes contra suas vontades. É assim que começa a história de ‘Cidade; Campo’, novo filme nacional que chega a partir dessa semana aos cinemas brasileiros.
Na primeira história, conhecemos Joana (Fernanda Vianna), uma mulher que morava na região rural de Minas Gerais e que teve sua fazenda invadida pela lama após o rompimento da barragem de minérios. Tendo perdido tudo, Joana se muda para a capital, para a casa de sua irmã, Tânia (Andrea Marquee), e o neto desta, o menino Jaime (Kalleb Oliveira). Na cidade, Joana vai precisar reaprender a viver, procurando emprego e se reconectando com os arredores, enquanto ao mesmo tempo busca manter suas raízes interioranas. Na segunda história, conhecemos Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer), um casal que decidiu deixar a cidade e se mudar para a fazenda do falecido pai de Flávia, em busca de paz e qualidade de vida. Uma vez no campo, as duas terão que reaprender a se desconectar da lógica e viver a magia da natureza.
‘Cidade; Campo’ é um projeto curioso e ousado. Vencedor do prêmio de Melhor Filme pelo júri da crítica e de Melhor Atriz no Festival de Gramado deste ano, o filme de Juliana Rojas provoca uma reflexão inesperada no espectador. Primeiramente, se o espectador não tiver lido a sinopse antes de ver o filme, ele já é surpreendido por se deparar com duas histórias, em vez de uma. Assim, à medida que o longa avança, percebemos, então, a sutil conexão entre ambos os enredos: um, da cidade ao campo, o outro, do campo à cidade.
Se por um lado essa tecnologia é uma grata surpresa (e uma técnica muito inteligente), por outro evidencia a diferença entre ambas as histórias: a primeira, mais centrada no drama com leves toques cômicos (muito por conta do jovem Kalleb Oliveira, adorável em um personagem genuíno gente como a gente) e o outro mais carregado no suspense com o realismo fantástico, que mistura a realidade com o sobrenatural (ou aquilo que não podemos ver nem controlar, mas sabemos que está lá). Como ambos os enredos ficam tão marcados, a sensação temporal do longa parece que se expande, e o filme parece ficar bem mais longo do que suas duas horas de projeção.
Juliana Rojas faz uma ótima escolha ao elencar atores menos conhecidos do grande público para os papeis principais, o que permite que o espectador se concentre na história e na tênue ligação interna do projeto da diretora, em vez de se distrair com rostinhos conhecidos e comparar suas performances. Assim, ainda que tendo Bruna Linzmeyer no elenco (e ela está bem no filme), são Kalleb Oliveira e Fernanda Vianna que se destacam.
‘Cidade; Campo’ é um ótimo exercício de cinema realizado por uma diretora corajosa que entende a arte como meio, não como fim. Juliana Rojas é um nome para o bom cinéfilo ficar de olho.