domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Coffee e Kareem – A MELHOR e MAIS ERRADA comédia da Netflix

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Coffee e Kareem’ é uma comédia improvável, errada em muitos níveis, que traz algum frescor a um gênero bem difícil de trabalhar em tempos modernos.

Partindo da clássica fórmula do policial bom + policial mau, o longa de Michael Dowse conta a história de Kareem (o ótimo Terrence Little Gardenhigh), um garoto super marrento de 12 anos que, um dia, flagra a mãe, Vanessa (Taraji P. Henson) tendo relações sexuais com um policial branco, James Coffee (Ed Helms). Kareem fica bolado com o flagra e tem a ideia genial (insira ironia aqui) de pedir para que um gangster malvadão dê uma surra em Coffee, para que ele aprenda a lição e se afaste de vez de sua mãe. Em paralelo a isso, Vanessa acha que James deve tentar conhecer melhor o seu filho, por isso pede para que o namorado o busque na escola. Só que é claro que a convergência desses dois planos faz tudo dar errado.



O roteiro de Shane Mack é extremamente inteligente. Primeiramente, Shane constrói diálogos ácidos, ágeis e super naturais, aproximando seus personagens da linguagem coloquial das ruas (mesmo que cada um em seu universo). Em segundo lugar, em vez de criar uma comédia politicamente incorreta, ele se apropria desses temas para jogar a luz descaradamente nas questões que quer abordar; em vez de construir cenas que denigram a raça ou a identidade sexual de um personagem, ele apresenta uma cena em que esses personagens justamente alfinetam essa realidade e mostram o quanto ela não tem graça nenhuma na vida real. Por exemplo, na cena em que Coffee solicita que um cidadão, um homem negro, lhe entregue seu carro porque ele, na condição de policial, está precisando; o cidadão pergunta “é isso mesmo? Você, um homem branco, está roubando meu carro? E se fosse o contrário?”. Todos nós sabemos que o contrário não tem graça nenhuma, mas que a situação, dada como está no longa, provoca o riso nervoso pela ironia contida nela.

Assista também:
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Outro ponto fundamental no roteiro de Shane Mack é como ele se apropriou da homofobia comumente vistas nas comédias e escancarou a raiz do problema: o fato de que a masculinidade, para se mostrar superior, busca subjugar o outro, e a única forma de conseguir fazê-lo é através da subjugação sexual. Em outras palavras: quando um personagem xinga o outro dizendo “chupa meu pau”, isso tem a ver com a colocação do outro na posição submissa diante daquele que detém o poder (físico, da fala, do dinheiro etc). Claro, tudo isso é dito não de forma acadêmica, mas de maneira mastigadinha através do jovem Kareem, tentando ensinar ao adulto Coffee como o ego masculino é construído e blindado através de falas e ameaças de conotação sexual. Algo parecido com o que fez o primeiro ‘Todo Mundo em Pânico’. Aliás, o humor é bem semelhante.

Além disso, a química dos dois protagonistas conquista o espectador desde o primeiro momento. O jovem ator Terrence Little Gardenhigh é simplesmente hilário, já dá vontade de rir só de ver o olhar debochado dele. Suas cenas com Ed Helms são tão improváveis, que faz a gente rir do início ao fim. Terrence é um ator para ficar de olho no futuro.

Coffee e Kareem’ é um filme muito errado em muitos níveis, de uma inteligência extremamente sutil e já se tornou a melhor comédia da Netflix dos últimos meses. É um filme para rir com culpa, mas que diverte e entretém o tempo todo.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Coffee e Kareem’ é uma comédia improvável, errada em muitos níveis, que traz algum frescor a um gênero bem difícil de trabalhar em tempos modernos.

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O roteiro de Shane Mack é extremamente inteligente. Primeiramente, Shane constrói diálogos ácidos, ágeis e super naturais, aproximando seus personagens da linguagem coloquial das ruas (mesmo que cada um em seu universo). Em segundo lugar, em vez de criar uma comédia politicamente incorreta, ele se apropria desses temas para jogar a luz descaradamente nas questões que quer abordar; em vez de construir cenas que denigram a raça ou a identidade sexual de um personagem, ele apresenta uma cena em que esses personagens justamente alfinetam essa realidade e mostram o quanto ela não tem graça nenhuma na vida real. Por exemplo, na cena em que Coffee solicita que um cidadão, um homem negro, lhe entregue seu carro porque ele, na condição de policial, está precisando; o cidadão pergunta “é isso mesmo? Você, um homem branco, está roubando meu carro? E se fosse o contrário?”. Todos nós sabemos que o contrário não tem graça nenhuma, mas que a situação, dada como está no longa, provoca o riso nervoso pela ironia contida nela.

Outro ponto fundamental no roteiro de Shane Mack é como ele se apropriou da homofobia comumente vistas nas comédias e escancarou a raiz do problema: o fato de que a masculinidade, para se mostrar superior, busca subjugar o outro, e a única forma de conseguir fazê-lo é através da subjugação sexual. Em outras palavras: quando um personagem xinga o outro dizendo “chupa meu pau”, isso tem a ver com a colocação do outro na posição submissa diante daquele que detém o poder (físico, da fala, do dinheiro etc). Claro, tudo isso é dito não de forma acadêmica, mas de maneira mastigadinha através do jovem Kareem, tentando ensinar ao adulto Coffee como o ego masculino é construído e blindado através de falas e ameaças de conotação sexual. Algo parecido com o que fez o primeiro ‘Todo Mundo em Pânico’. Aliás, o humor é bem semelhante.

Além disso, a química dos dois protagonistas conquista o espectador desde o primeiro momento. O jovem ator Terrence Little Gardenhigh é simplesmente hilário, já dá vontade de rir só de ver o olhar debochado dele. Suas cenas com Ed Helms são tão improváveis, que faz a gente rir do início ao fim. Terrence é um ator para ficar de olho no futuro.

Coffee e Kareem’ é um filme muito errado em muitos níveis, de uma inteligência extremamente sutil e já se tornou a melhor comédia da Netflix dos últimos meses. É um filme para rir com culpa, mas que diverte e entretém o tempo todo.

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Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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