domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Com Amor e Fúria – Claire Denis discute questões raciais em irritante dilema amoroso

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Um relacionamento feliz aos 50 anos regado a sexo, piadas e cumplicidade. Quem não quer? A diretora francesa Claire Denis abre espaço para o amor maduro, mas longe dos sonhos e perto da irritação em Com Amor e Fúria (no original Avec Amour et Acharnement). 

Sara (Juliette Binoche) e Jean (Vincent Lindon) acabaram de voltar de férias de uma praia paradisíaca para o seu pequeno apartamento na cidade. A cena inicial do filme apresenta Sara flutuante ao mar e entregue aos braços de Jean. Ou seja, o retrato de um casal legítimo na sua paixão e entregue nas suas carícias.



Um dia Sara rever seu ex-marido François (Grégoire Colin) na rua e o episódio circunstancial mexe com ela. Logo após o ocorrido, o relacionamento entre ela e o seu atual companheiro começa a estremecer. O ponto de rachadura é quando Jean confessa ter conseguido finalmente um trabalho, mas ao lado de François. 

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Ex-presidiário e pivô da separação entre seu ex-amigo e sua atual esposa, Jean encontra-se em uma situação difícil. Vindo de uma cidade do interior, ele vive no centro graças ao apartamento de sua mulher. Seu filho adolescente Marcus (Issa Perica) vive com a avó paterna (Bulle Ogier), pois a mãe voltou a Martinica e o pai não encontra meios de lhe sustentar. 

Sem rumo e conselho, o jovem rouba da avó e, só então, recebe uma visita do pai para um sermão. Segundo seu progenitor branco, ele não deve se sentir inferior por ser um jovem negro. Como radialista, Sara confronta o tema do racismo na França com um entrevistado. Esses são os momentos que Claire Denis pincela a temática bastante importante para ela, entretanto, a questão é subjacente ao irritante dilema amoroso proposto neste filme. 

Após dez anos de separação, apenas a menção do nome “François” começa a fazer Sara estremecer e ter lampejos de saudade. Ela verbaliza que ama Jean, mas ao mesmo tempo ela pensa e deseja encontrar François. Assim, Com Amor e Fúria constrói o dilema da escolha entre um casamento estável ou a aventura de uma paixão incandescente. 

Com um tom melancólico, Claire Denis tenta sempre apresentar sentimentos ambíguos e contraditórios em seus filmes, além de indagações sociais e raciais. Apesar de ter nascido na França, a cineasta viveu seus primeiros anos em países do continente africano, algo explorado em seu filme de estreia Chocolate (1988) e o elogiado Bom Trabalho (1999). A obra Com Amor e Fúria, no entanto, está mais próxima das dramatizações amorosas Bastardos (2013) e Deixa a Luz do Sol Entrar (2017).

Premiado este ano com o Leão de Prata no Festival de Berlim de Melhor Direção, Com Amor e Fúria provoca um mal estar de sentimentos confusos. Dentro do apartamento e em ambientações soturnas, a diretora nos transmite a sensação de angústia, desamor e também indignação. Afinal, uma mulher aos 50 anos não consegue decidir seguir seu relacionamento com o marido ou voltar aos braços do ex-parceiro depois de anos em uma nostalgia adolescente. 

Triângulos amorosos são a tônica de vários romances, na maioria das vezes entre jovens incertos sobre suas carreiras e planos futuros. Quando a incerteza atinge o patamar entre duas relações já vividas, a gente pode até tentar compreender, mas é extremamente irritante. Ainda mais porque a protagonista Sara age com desprezo e desrespeito ao atual parceiro para satisfazer fantasias pueris. 

De modo geral, crises de meia idade são irritantes. Apresentar um personagem em distúrbio de existência sem uma tonicidade cômica incomoda. É como apontar uma ferida social sobre a monogamia, como se fosse a única via de felicidade. Na maioria das vezes, as esposas são complacentes ao desvio de rota. Claire Denis ousa em mostrar que as mulheres também podem ser imaturas sentimentalmente e procurar abrigo nas garras de algozes.

Com Amor e Fúria apresenta a dicotomia do seu título, mas principalmente uma sensação de exasperação perene por conta de personagens pouco sábios e imaturos para a idade. Pondo-se em seus sapatos, podemos nos imaginar mais inteligentes e resolutos ao fazermos nossas escolhas. 

Com Amor e Fúria foi lançado na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Com distribuição da Synapse Distribution, o filme está em cartaz nos cinemas brasileiros desde de 3 de novembro de 2022. 
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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Sara (Juliette Binoche) e Jean (Vincent Lindon) acabaram de voltar de férias de uma praia paradisíaca para o seu pequeno apartamento na cidade. A cena inicial do filme apresenta Sara flutuante ao mar e entregue aos braços de Jean. Ou seja, o retrato de um casal legítimo na sua paixão e entregue nas suas carícias.

Um dia Sara rever seu ex-marido François (Grégoire Colin) na rua e o episódio circunstancial mexe com ela. Logo após o ocorrido, o relacionamento entre ela e o seu atual companheiro começa a estremecer. O ponto de rachadura é quando Jean confessa ter conseguido finalmente um trabalho, mas ao lado de François. 

Ex-presidiário e pivô da separação entre seu ex-amigo e sua atual esposa, Jean encontra-se em uma situação difícil. Vindo de uma cidade do interior, ele vive no centro graças ao apartamento de sua mulher. Seu filho adolescente Marcus (Issa Perica) vive com a avó paterna (Bulle Ogier), pois a mãe voltou a Martinica e o pai não encontra meios de lhe sustentar. 

Sem rumo e conselho, o jovem rouba da avó e, só então, recebe uma visita do pai para um sermão. Segundo seu progenitor branco, ele não deve se sentir inferior por ser um jovem negro. Como radialista, Sara confronta o tema do racismo na França com um entrevistado. Esses são os momentos que Claire Denis pincela a temática bastante importante para ela, entretanto, a questão é subjacente ao irritante dilema amoroso proposto neste filme. 

Após dez anos de separação, apenas a menção do nome “François” começa a fazer Sara estremecer e ter lampejos de saudade. Ela verbaliza que ama Jean, mas ao mesmo tempo ela pensa e deseja encontrar François. Assim, Com Amor e Fúria constrói o dilema da escolha entre um casamento estável ou a aventura de uma paixão incandescente. 

Com um tom melancólico, Claire Denis tenta sempre apresentar sentimentos ambíguos e contraditórios em seus filmes, além de indagações sociais e raciais. Apesar de ter nascido na França, a cineasta viveu seus primeiros anos em países do continente africano, algo explorado em seu filme de estreia Chocolate (1988) e o elogiado Bom Trabalho (1999). A obra Com Amor e Fúria, no entanto, está mais próxima das dramatizações amorosas Bastardos (2013) e Deixa a Luz do Sol Entrar (2017).

Premiado este ano com o Leão de Prata no Festival de Berlim de Melhor Direção, Com Amor e Fúria provoca um mal estar de sentimentos confusos. Dentro do apartamento e em ambientações soturnas, a diretora nos transmite a sensação de angústia, desamor e também indignação. Afinal, uma mulher aos 50 anos não consegue decidir seguir seu relacionamento com o marido ou voltar aos braços do ex-parceiro depois de anos em uma nostalgia adolescente. 

Triângulos amorosos são a tônica de vários romances, na maioria das vezes entre jovens incertos sobre suas carreiras e planos futuros. Quando a incerteza atinge o patamar entre duas relações já vividas, a gente pode até tentar compreender, mas é extremamente irritante. Ainda mais porque a protagonista Sara age com desprezo e desrespeito ao atual parceiro para satisfazer fantasias pueris. 

De modo geral, crises de meia idade são irritantes. Apresentar um personagem em distúrbio de existência sem uma tonicidade cômica incomoda. É como apontar uma ferida social sobre a monogamia, como se fosse a única via de felicidade. Na maioria das vezes, as esposas são complacentes ao desvio de rota. Claire Denis ousa em mostrar que as mulheres também podem ser imaturas sentimentalmente e procurar abrigo nas garras de algozes.

Com Amor e Fúria apresenta a dicotomia do seu título, mas principalmente uma sensação de exasperação perene por conta de personagens pouco sábios e imaturos para a idade. Pondo-se em seus sapatos, podemos nos imaginar mais inteligentes e resolutos ao fazermos nossas escolhas. 

Com Amor e Fúria foi lançado na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Com distribuição da Synapse Distribution, o filme está em cartaz nos cinemas brasileiros desde de 3 de novembro de 2022. 
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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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