Enquanto vários acreditavam que o gênero da rom-com não conseguiria se reinventar, o longa-metragem ‘Com Amor, Simon’ veio para cumprir o que prometia e com uma subversão dos dramas coming-of-age LGBTQ+ que tanto povoaram o cinema nos últimos anos. A mistura quase perfeita e emocionante baseada no romance homônimo de Becky Albertalli tornou-se um sucesso sem precedentes que, apesar da espetacularização do romance gay, nos envolveu do começo ao fim. E, seguindo os passos de tantas produções de sucesso comercial e crítico, o filme deu origem a uma série derivada intitulada ‘Love, Victor’ que, apesar de não chegar no mesmo patamar que a obra original, também entrega o que propõe ao longo de breves dez episódios.
Puxando a ideia predecessora, a trama gira em torno de Victor Salazar (Michael Cimino), um jovem prestes a fazer dezesseis anos que se muda do conservador e tradicionalista estado do Texas para a cidade de Atlanta, porque sua família resolveu recomeçar a vida do zero após alguns problemas que não ficam claros nos primeiros episódios. E, com o auge da adolescência, o protagonista percebe que sua descoberta sexual está à flor da pele, lutando contra sua orientação e tentando se apaixonar por alguma menina de sua nova escola. Eventualmente, Victor vai contra quem realmente é se envolve com Mia Brooks (Rachel Naomi Hilson), a garota mais popular e legal do colégio, chamando a atenção dos outros alunos – e daqueles que querem apenas sua desgraça. O problema insurge quando ele cria laços de amizade muito fortes com o adorável e sedutor Benji (George Sear), colocando em xeque sua normatividade autoimposta.
Logo de cara, percebe-se que a série criada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger se restringe às fórmulas das comédias dramáticas românticas – o que não é um problema, visto que esse é a premissa da qual se valem. Desde o conflito interno até as externalidades sociais (que envolvem seu núcleo familiar de criação religiosa e uma escola que se diz fora dos padrões, apesar de não ser), Victor é o centro de uma história que já sabemos como irá terminar. Ele tenta ao máximo aproximar-se fisicamente de Mia, provando para si mesmo que é um “garoto normal”, mas em segredo troca mensagens com Simon (Nick Robinson reprisando seu papel do longa através de voiceovers e uma breve aparição) contando sobre seu cotidiano e como as coisas não vêm saindo como o esperado.
Diferente de outras produções contemporâneas do gênero, a estética visual se afasta-se da costumeira sobriedade azulada e volta-se para uma vibrante construção artística que reflete a cultura latina dos personagens principais. Mais do que isso, se distancia de uma presença majoritariamente branca para dar voz a outras minorias que, apesar de convergirem para uma celebração da diversidade, eventualmente rendem-se a diálogos convencionais o bastante para não sair da zona de conforto, mas não coeso o suficiente para indicar uma exploração além do que o público está acostumado.
As dinâmicas entre personagens seguem uma linha bastante e que não diverge muito da solidez e praticidade das obras adolescentes. O tímido e recém-chegado Victor é recebido de braço abertos pela altiva personalidade de Felix (Anthony Turpel), que o apresenta ao Creekwood High e o avisa sobre em quem ele deve confiar ou não; pouco depois, entra em conflito com o astro do basquete local, Andrew (Mason Gooding), um jogador passivo-agressivo que utiliza o humor como defesa e como ataque ao mesmo tempo, afastando todos ao seu redor; quando esses dois mundos diferentes colidem, o atrito causado é recheado de potencial, por mais previsível que seja. E, no topo de tudo isso, temos também a presença de alguns atores cuja essência é desperdiçada sem qualquer explicação, como a professora de educação sexual, Srta. Thomas (Ali Wong), e a vice-diretora, Srta. Albright (Natasha Rothwell).
A cereja do bolo vem com a habilidade dos criadores em usar todos os pontos automaticamente reconhecíveis das rom-coms em favor próprio. A ambiência convidativa passa longe do espectro pedante de construções audiovisuais que querem ser mais do que conseguem, deixando suas claras mensagens tomarem conta das tramas principais e secundárias. De qualquer forma, o escapismo promovido pelo show é uma amálgama de paradigmas sondados à exaustão entre os anos 1990 e 2000, talvez numa tentativa oscilante mimética de revivê-los em uma apresentação moderna. Desde a patricinha da escola até a rebelde sem causa, cada estereótipo técnico está presente no programa.
‘Love, Victor’ é um presente bem-vindo em tempos complicados como os de hoje. Permitindo ser tão pura, mesmo que não tão coerente, quanto a que a precedeu, a obra é uma ótima opção para se devorar nos próximos dias.