[ANTES DE LER A CRÍTICA, FIQUE CIENTE QUE ELA ESTÁ RECHEADA DE SPOILERS]
Se você ainda não Invasão Secreta, saiba que esta contém revelações fundamentais sobre a trama.
Ao longo das últimas semanas, a Marvel tentou emplacar um produção mais pé no chão, o que pode ser considerada uma empreitada ambiciosa dada a grandiosidade dos eventos mais recentes deste universo compartilhado. No entanto, a trama de Invasão Secreta confundiu os conceitos e acabou criando uma série curta, porém enfadonha. E alguns podem até tentar transferir uma porcentagem da culpa para a tal “fadiga de super-heróis”, mas fala-se disso desde 2013, quando teve início a Fase Dois do MCU. E chega a ser engraçado como a tal fadiga simplesmente desaparece quando o filme ou série em questão é bom mesmo.
A verdade é que o público não cansou de produções de super-heróis, o público cansou de produções ruins de super-heróis. E infelizmente, Invasão Secreta é uma delas.
E no caso desta série, tudo deu errado. A começar pela divisão dos episódios. Essa é uma crítica nossa recorrente, então peço desculpas se parecer repetitivo, mas a Marvel ainda não entendeu o formato de série. Se o estúdio tem uma produção de seis episódios aprovada, não tem cabimento fazer um filme de seis horas e tentar dividi-lo em seis partes, como aconteceu em projetos anteriores. Aqui, nota-se que a direção tentou trabalhar melhor o conceito de contar a história focada em núcleos por episódio, só que ainda não ficou bom. A primeira metade da série traz episódios mais densos e com duração próxima a 1h, cada. A metade final, por outro lado, é formada por capítulos de cerca de 35 minutos, cada, enchendo a tela com ação e avançando pouquíssimo com a história.
Essa falta de equilíbrio faz parece que estamos assistindo duas séries diferentes, sendo que as partes mais interessantes dessa história foram justamente as partes mais densas. Isso reflete até mesmo no melhor episódio, o quarto, que encontra um caminho ideal entre desenvolver a história trabalhando bem a ação. Ele é tão bom que faz o público se questionar do motivo da série inteira não ter seguido esse ritmo.
E a grande culpada disso tudo é a direção. Ali Selim é um diretor que vem arriscando nos cinemas e nas séries recentemente, mas fez carreira mesmo com comerciais de TV e mini documentários de aproximadamente meia hora. Talvez por sua experiência, os episódios menores foram mais dinâmicos e focados em entreter, tal qual um comercial, enquanto os episódios maiores se adequam mais a sua visão para cinema. Infelizmente, não estamos falando de produções diferentes, e a unidade final não ficou coesa.
Além disso, ele foi incapaz de transmitir emoção ou criar sensações até em revelações bombásticas. Nem mesmo saber que o Máquina de Combate (Don Cheadle) – membro com acesso irrestrito às informações e instalações dos Vingadores – era um Skrull infiltrado, causou surpresa ou espanto. Foi tudo insosso. Até mesmo a abordagem dos aliens, que estavam vivendo em meio ao lixo nuclear, foi interessante. Houve um princípio de abordagem de questões sociais quanto a eles, mas não passou do segundo episódio. E por falar em lixo nuclear, a ambientação era suja e escura. Nas mãos de um diretor experiente, o “covil dos Skrulls” poderia transmitir uma autêntica sensação de nojo, criando um pesadelo em live action. Parece faltar vontade ou experiência para criar algo marcante.
E que pecado terem pego o promissor Kingsley Ben-Adir e desperdiçá-lo como antagonista. Seu Gravik começa como um líder revolucionário, forte candidato a se tornar um símbolo de esperança para os Skrulls, mas muito fala e pouco faz. No final, quando a série precisava terminar e ele sequer tinha conseguido fazer alguma coisa, a direção decidiu colocá-lo como um vilão para seu próprio povo e acabar com ele em uma grande luta de CGI. Veja bem, esse caminho de líder para tirano pode ser muito bem trabalhado e gerar uma história realmente interessante. Só que não foi isso que aconteceu em Invasão Secreta. Todo o arco de Gravik é jogado em tela, fazendo pequenas sugestões para que o público compre suas motivações confusas.
Ele foi introduzido de uma forma que você não consegue nem odiá-lo nem torcer por ele, não dá nem mesmo para entender seus pontos de argumentação. Afinal, ele aparenta ter uma rivalidade com Fury, mas sempre deixa o espião escapar. Por que o alien não matou Nick Fury nas 500 oportunidades que ele teve por semana? Era uma questão pessoal? Eles tinham algum envolvimento? Era tudo parte de um plano maior? Pois bem, a própria série não se preocupou em responder esses questionamentos e transformou Gravik em um tipo de Dick Vigarista, que estava ali apenas para ser derrotado e humilhado a cada semana.
E não há como falar em desperdício sem mencionar a Gi’Ah. Eles trouxeram a Emilia Clarke para o MCU para ignorar sua personagem em quatro dos seis episódios, separando para ela uma virada completamente desproporcional no fim, transformando uma personagem que sequer criou envolvimento emocional ou qualquer tipo de laço afetivo com o público, em uma das criaturas mais poderosas deste universo, senão a mais poderosa. Agora, ficará uma alienígena capaz de replicar os poderes das principais ameaças do MCU perambulando por aí e ninguém simplesmente dá a mínima.
A impressão que dá é que esqueceram que ela estava na série e só lembraram na reta final. É um verdadeiro desperdício. Inclusive, se não fosse a Emilia ali, o público seguiria não ligando para a Gi’Ah pela forma que ela foi “trabalhada” pela direção. Ou seja, só gastaram mais dinheiro num casting caro.
Mas não dá para ser injusto e dizer que foi uma completa porcaria. Isso o Talos foi um oásis em meio a esse deserto de emoções. O trabalho de Ben Mendelsohn é digno de aplausos, criando um personagem muito mais vulnerável do que os que ele costuma interpretar. Ele é um líder militar espacial que entendeu que a chave para a paz é a diplomacia. A forma como ele se abre e mostra seus sacrifícios sem parecer pedante ou arrogante, sempre disposto a ajudar seu oposto, Nick Fury (Samuel L. Jackson), sem exageros, carregou a série nas costas. Porém, ele foi assassinado na série, talvez até para abrir espaço para sua filha assumir um papel mais relevante neste universo.
E junto a ele, Samuel L. Jackson até tentou trabalhar mais sua vulnerabilidade, só que o roteiro não permite que ele abrace de vez sua fraqueza, mostrando apenas uma fração do que foi prometido nas entrevistas de divulgação da série. Isso porque na reta final, ele abre mão de boa parte do seu desenvolvimento para voltar a série o velho Nick de sempre.
Outro destaque positivo foi a adição de Sonya Falsworth (Olivia Colman). Todas as suas aparições foram excelentes, mostrando que Olivia deve ter se divertido horrores gravando essa série. Ela deu um aspecto sádico para a espiã que bizarramente ajudou a compor seu carisma. Sonya tem alguns momentos bem pesados para os padrões do MCU e ainda assim conseguiu fazer seu nome. Pena que ela apareceu em poucas cenas. Foi sub-utilizada e já a colocaram em uma ponta para um misterioso projeto futuro que sequer sabemos se chegará a ver a luz do dia.
No fim das contas, Invasão Secreta é uma série frustrante, que não soube trabalhar as ideias apresentadas por ela mesmo, deixando uma grande sensação de cansaço e de desperdício de verbas. Se você for assistir As Marvels, é provável que façam uma pequena menção a um acontecimento ou outro da série, mas nada que seja fundamental. É algo irrelevante, muito por conta dessa proposta da Disney de fazer séries que influenciem no MCU sem fazer com que o público precise assisti-las para entender o que vier depois. O resultado não poderia ser outro: é uma produção irrelevante, que mostra para a Marvel que já passou da hora dela rever o projeto para suas séries.
Invasão Secreta está disponível no Disney+.