‘Pânico’ não se tornou uma das franquias mais emblemáticas do cinema por qualquer motivo – mas sim pela genial mente de Wes Craven, um dos nomes mais conhecidos do entretenimento contemporâneo. Duas décadas e meia atrás, o realizador eternizou a figura do serial killer Ghostface e de atores e atrizes memoráveis ao construir um épico slasher metalinguístico que revolucionava o modo de se contar histórias e influenciava uma geração de diretores e roteiristas nos anos seguintes. Depois de sua morte, coube a Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett revisitarem os filmes e entregarem um dos melhores capítulos da saga – que honrou a memória de Craven em um diabólico e delicioso banho de sangue.
A cena de abertura do longa, que recebeu o mesmo título do original em uma homenagem ainda mais concisa, remonta à icônica sequência com Drew Barrymore – mas, dessa vez, abrindo espaço para a primeira personagem original, Tara (Jenna Ortega). Diferente do que poderíamos esperar, Tara não é uma coadjuvante desperdiçada; pelo contrário, ela sofre brutais ataques de um Ghostface muito mais impiedoso, sobrevivendo e resguardando as forças que sobraram para catalisar o retorno de Sam (Melissa Barrera), sua irmã afastada que retorna a Woodsboro depois de saber que a irmã quase morreu pelas mãos de um assassino em série.
A concepção mais inteligente da obra é não se aventurar no caminho sem volta de deixar os personagens clássicos roubarem os holofotes. Pelo contrário, não é até o começo do segundo ato que Sidney Prescott (Neve Campbell), Dewey Riley (David Arquette) e Gale Weathers (Courteney Cox) dão as caras. Os diretores, que se aliam ao roteiro espetacular de James Vanderbilt e Guy Busick, levam o tempo necessário para que o grupo de novas vítimas ganhe a nossa atenção e demonstre que veio para ficar. Nesse quesito, Ortega e Barrera fazem um trabalho espetacular, mas não posam como artistas egoístas que não deixam os outros brilhar – e talvez o aspecto mais interessante é o confronto geracional que emerge com essas vibrantes introduções.
É claro que, quando pensamos em ‘Pânico’, não podemos esquecer de alguns deslizes problemáticos que ocorreram nas iterações predecessoras: ‘Pânico 3’ tentou expandir a mitologia de Ghostface ao criar um filme dentro de um filme e, mesmo com as boas intenções, falhou em cumprir com o prometido; ‘Pânico 4’ atualizou a narrativa criada por Craven, mas descartou personas bem construídas em prol de deixar o legado vivo – livrando-se sem pensar duas vezes de Jill (Emma Roberts) e Charlie (Rory Culkin) e impedindo que qualquer continuidade fosse dada ao novo enredo. Mas não é isso que acontece na incursão de 2022: os cineastas conseguem manter a identidade da franquia, lapidar os excessos do passado e deixar claro que têm todas as intenções de voltar mais vezes.
O teor autorreferenciativo é constante, como é de se esperar, mas aqui ele engloba termos relativamente recentes na indústria cinematográfica, como os requels (reboot e sequência, ao mesmo tempo). De um lado, temos a extensão temática que encantou as audiências desde meados dos anos 1990; de outro, considerações tão precisas sobre como as coisas irão funcionar: ninguém está a salvo, e isso fica óbvio com a chocante morte de Dewey, já premeditada desde o primeiro trailer oficial, ou da xerife Judy (Marley Shelton), cuja carga emotiva fornece um dramático desfecho para os chamados “personagens-legado”. E tudo fica ainda mais comovente quando o brusco desfecho desperta ações imediatas em Sidney e Gale, que vestem seus trajes bad-ass mais uma vez para derrotar Ghostface de uma vez por todas.
Bettinelli-Olpin e Gillett já provaram seu apreço e seu respeito pelo terror no elogiado e divertido ‘Casamento Sangrento’, que superou as expectativas e consagrou-se como uma sólida aventura slasher e sobrenatural. E, enquanto alguns pensavam que isso poderia ser “sorte de principiante”, eles provaram errado e mergulharam de cabeça numa miscelânea equilibrada e explosiva de alusões a títulos atemporais do gênero: o gore Sean S. Cunningham e John Carpenter se fundem à elegância de Alfred Hitchcock e ao despojo estético do próprio Craven, deixando que as reviravoltas corram soltas por quase duas horas. E, no topo de tudo isso, há uma quantidade considerável de fan-service que revisita o saudosismo do público mais velho e introduz os novos espectadores a um mundo perigoso e feroz.
A eficácia de longa é notável, mas não livre de algumas problemáticas. As viradas no roteiro são inúmeras e fornecem ritmo para a trama, ainda que a revelação final venha acompanhada de uma previsibilidade perceptível (colocar o namorado e uma adolescente conturbada como os homicidas não é original, mas utiliza os clichês a favor de um elogio ao que já foi apresentado). E, no que a produção peca em fórmulas, procura ofuscá-las com uma voraz e crua imagética que tira o nosso fôlego e que se rende a um proposital exagero.
‘Pânico’ é o capítulo da saga que todos queríamos – e seu sucesso provém de uma total despreocupação em revolucionar um gênero que não pode mais ser revolucionado, e sim prestigiado. A obra não quer entregar nada além do quer e, por esse motivo, funciona com uma surpreendente honestidade que merece ser reconhecida em sua completude.