Amanhecer Vermelho
Quando ainda lutava para se estabelecer como ator, lá atrás em 1976, Sylvester Stallone nem imaginava que estaria hoje reprisando o mesmo personagem pela oitava vez (alguma espécie de recorde) no cinema – 43 anos, 8 filmes e 2 derivados depois. Rocky – Um Lutador (1976) é mais do que um filme, pois corre em paralelo com a carreira do próprio intérprete – criando uma involuntária metalinguagem. Justamente por isso, tamanho é o carinho de Sly pelo personagem e franquia. Stallone também era um iniciante desacreditado e morto de fome, quando escreveu o roteiro de Rocky. Assim como o personagem que havia criado, tudo que o ator queria era uma chance e, como o boxeador, ao final conquistou os holofotes.
Justamente por isso, a única exigência era: ele deveria ser o protagonista. E sim, Stallone foi indicado ao Oscar de melhor ator pelo filme. Devido ao forte vínculo, foi emocionante ver a plateia gritar por Rocky e aplaudi-lo ao final de Rocky Balboa (2006) – o sexto episódio -, numa época em que o veterano via sua carreira ficar restrita a lançamentos direto em vídeo (assim como muitos heróis de ação da década de 1980 e 1990). Foi um sopro de ar para um novo fôlego, e no fundo todos sabíamos que os gritos eram para Stallone igualmente. Com Creed – Nascido para Lutar (2015), o astro foi ainda mais longe, resgatou o prestígio junto aos críticos e recebeu uma segunda indicação ao Oscar como ator em sua carreira.
E parecia que Creed seria o canto do cisne para perfeito Rocky e a série de filmes – um desfecho digno na forma de uma bela homenagem. Mas o sucesso da obra trouxe a velha coceira de volta para Stallone, desafiando-o novamente – a não parar quando está por cima, mas a se manter novamente no topo do jogo, agora no auge de seus 72 anos. Para a nova empreitada, o roteirista Stallone (uma das quatro mãos que assina o roteiro, baseado na história de Sascha Penn) desenvolve um elo ainda maior com a série Rocky, trazendo de volta à cena o maior adversário físico de seu personagem: o russo Ivan Drago (Dolph Lundgren), de Rocky IV (1985).
A presença do russo (e de seu filho, Viktor Drago – papel do gigante Florian ‘Big Nasty’ Munteanu, boxeador na vida real) Ivan não é apenas a cereja do bolo em Creed II, mas sim sua força motriz. É o motor que puxa todo o longa – e o que desencadeia toda a narrativa. É seguro dizer que o filme só existe pela presença de Drago e sem ele não haveria motivo para sua produção. Tamanha confiança é depositada no personagem, e assim como Stallone, Dolph Lundgren (intérprete do antagonista) recebe seu devido reconhecimento. O que os realizadores conseguem aqui é pegar o robótico vilão do filme de 1985, e lhe dão personalidade, aprofundamento, motivação e mais dramaticidade do que esperado. Entendemos o que significou a derrota para ele, como sua vida ficou desde então, e como agora, depois de todos estes anos, recebe a chance de dar a volta por cima – trajetória que se emparelha com a do próprio Rocky – justamente por isso as trocas entre os dois, seja através de diálogos ou simplesmente olhares, são tão gratificantes para o espectador que realiza o desdobramento de um reencontro cujo hiato vara mais de três décadas.
Tecnicamente, Creed II não supera seu antecessor. Em todos os quesitos, seja em atuações, roteiro, diálogos e inclusive na direção (Ryan Coogler vem se provando um dos talentos natos de Hollywood atualmente) – quem comanda agora é o novato Steven Caple Jr. – , Creed – Nascido para Lutar permanece invicto. Mas sua sequência não é vencida por nocaute e aguenta todos os rounds, ficando cabeça a cabeça com o antecessor – e ganhando na pontuação quando o assunto é envolvimento emocional, nostalgia e aflição durante as cenas de combate. Mais está em risco desta vez e o desafio a ser superado é maior – o brutamontes Munteanu cria uma das presenças mais ameaçadoras dos últimos anos nas telas.
Em sua estrutura, Creed II se assemelha muito a Rocky II – A Revanche (1979) e a Rocky III – O Desafio Supremo (1982), embora se comporte mais como continuação direta de Rocky IV. Tudo o que envolve a família e a vida pessoal de Adonis Creed (Michael B. Jordan) – num relacionamento ainda mais próximo com Bianca (Tessa Thompson) – ecoa diretamente o segundo filme daquela franquia; enquanto a jornada do herói nos ringues remete ao terceiro longa do “garanhão italiano”.
Creed II não reinventa a roda como fez seu predecessor, mas a mantém rodando sem engasgar, conseguindo inclusive injetar novo gás para os amortecedores. Assim como a celebrada série do Youtube, Cobra Kai, o segundo Creed cria uma forte conexão entre as vidas de vilões e mocinhos, invertendo papeis e nos fazendo olhar com novo prisma esta dinâmica. O auge da Guerra Fria ficou para trás, assim como a politicagem e a celebração exacerbada do patriotismo na era Reagan (ou será?). Nos novos tempos, a clareza de heróis e vilões se mescla em uma área acinzentada, humanizando causas e compreendendo lados. É claro que todos escolherão o seu.