Cristóbal Balenciaga não é um nome pouco conhecido – afinal, não é por qualquer motivo que ele carrega, mesmo cinquenta anos após a sua morte, a alcunha de rei da alta-costura. Fundados da Maison Balenciaga em 1937 assim que chegou a Paris após ter vestido a elite espanhola nos anos anteriores, Balenciaga lidou com a selva fashion da cidade-luz, digladiando com nomes como Coco Chanel e Christian Dior à medida que procurava se reinventar e chocar uma sociedade que acabara de enfrentar a ocupação nazista da II Guerra Mundial – além de manter sua vida pessoal às escondidas e temendo que o pior pudesse acontecer caso se posicionasse sobre qualquer assunto que fosse.
Agora, somos convidados a conhecer os trinta anos de sua carreira em Paris com a minissérie homônima que estreou hoje, 19 de janeiro, no catálogo do Star+. Criada por Aitor Arregi, Jon Garaño, Jose Mari Goenaga e Lourdes Iglesias, o compilado de seis episódios faz o máximo para exaltar um dos maiores nomes da história da moda e, por mais que existam alguns deslizes técnicos, o resultado é fabuloso, guiado por atuações maravilhosas, uma direção de arte magnífica e uma exploração do que significa estar dentro do mundo fashion – que mantém-se praticamente imutável décadas depois da ambientação da obra, ainda que seja mascarada por uma falsa sensação de contemporaneidade.
Quando pensamos em produções desse gênero, títulos como ‘Halston’, ‘O Diabo Veste Prada’ e ‘Coco Antes de Chanel’ (incursões que têm como foco tanto a moda quanto os estilistas que se tornaram mundialmente conhecidos). Logo, é natural que convencionalismos desse tipo de enredo venham à tona e consagrem-se como um arquétipo a ser seguido; dessa forma, como a minissérie criada pelo quarteto supracitado poderia nos chamar a atenção? Bom, um dos aspectos explorados pelo roteiro e pelo incrível time criativo, que demonstra suas habilidades exímias capítulo a capítulo, é a mística em torno de Cristóbal – que, ao longo de sua vida, nunca gostou de dar as caras ou ser entrevistado pela mídia (motivo pelo qual inúmeras questões eram levantadas sobre sua própria personalidade).
Aqui, todo esse escopo é guiado pelo tour-de-force inenarrável de Alberto San Juan como o personagem titular. É notável como ele encarna de modo espetacular cada uma das camadas de Balenciaga, desde seus sutis trejeitos com o meneio das mãos ou o crispar dos lábios, ao tom de voz, que oscila entre uma confiança inabalável e uma bagagem inextricável que é refletida em seus últimos dias de vida. San Juan faz um trabalho aplaudível que merece ser reconhecido – mas ele não está sozinho e é acompanhado de nomes como Thomas Coumans como Wladzio D’Attainville, colaborador e par romântico de Cristóbal; Anouk Grinberg como Chanel; Gabrielle Lazure como Carmel Snow, editora-chefe da Harper’s Bazaar que se tornou um dos pontos-chave para o sucesso da maison; e vários outros que fornecem brilho e magia às telinhas.
A ideia de cinebiografias é desconstruir o mito por trás de célebres nomes que marcaram época, dando-lhes uma camada inédita de vulnerabilidade e humanidade às quais não costumamos associar tais pessoas. Logo, é natural que isso aconteça na minissérie, permitindo que conheçamos os valores defendidos ou escondidos pelo estilista, seus medos e inseguranças – e até mesmo fraquezas que são transformadas em combustível para que ele continue remodelando a si mesmo e a influenciar gerações e gerações de designers que acompanhariam seu frenético e inesperado ritmo. E isso não é tudo: a produção também emerge como um aparato para reiterar que a arte e a política andam de mãos dadas – e que uma não pode se desassociar da outra.
Por mais que as fórmulas existam, elas não têm força o suficiente para ofuscar a beleza ímpar que efervesce sequência a sequência. De um lado, temos a sóbria fotografia marcada pela renegação do exagero e pela promoção de uma simplicidade apaixonante, acompanhada de tons mais leves e amarelados que mostram um lado diferente da animosidade de Paris ou da beligerante época enfrentada pela Espanha; de outro, uma trilha sonora orquestral que nos rememora George Gershwin, explodindo numa celebração do jazz, do chanson e do manouche. E é claro, a cereja do bolo: os incríveis designs imortalizados por Balenciaga, apresentando suas “eras” de forma compreensível e envolvente.
‘Cristóbal Balenciaga’ é um grande acerto do Star+ e um prato cheio para os amantes da moda e das histórias que acompanham os maiores estilistas do mundo da haute couture. A minissérie tangencia a impecabilidade criativa, assim como o nome que a inspirou; e, como bem pontuou Chanel ao falar de seu legado, Balenciaga era “o único costureiro no sentido mais verdadeiro da palavra. Os outros são apenas designers de moda”.