sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica de Álbum | Lana Del Rey nos convida para uma inebriante experiência musical em ‘Norman Fucking Rockwell!’

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Apesar de sua costumeira doce sonoridade, Lana Del Rey vive dentro de belíssimas e sofridas contradições que, diferente do que poderíamos pensar, é o principal aspecto que sempre nos rouba a atenção quando anuncia uma peça musical nova ou um álbum em potencial. E é claro que, dois anos depois do lançamento de ‘Lust for Life’, ela retornaria com mais uma obra conceitual e nostálgica, sem perder sua originalidade e sua incrível habilidade como compositora. Nesse escopo, a parceria entre Del Rey e Jack Antonoff intitulada Norman Fucking Rockwell!’ acerta em praticamente tudo a que se propõe a fazer – incluindo desenhar uma triste jornada amorosa que se desenvolve em mais de uma hora de duração.

Como se não bastasse, o sexto álbum de estúdio da cantora não se isola em uma investida completamente original e faz ótimo uso da discografia antecessora. Não é surpresa, pois, que a produção retome construções de ‘Honeymoon’, Born to Die e até mesmo ‘Ultraviolence’ (em uma perspectiva bem mais sutil, é claro), dando vida a um delicioso compilado que, apesar das longas faixas (como “Venice Bitch”, que se desenrola em mais de nove minutos), é aprazível do começo ao fim e sabe muito como se estruturar. Além disso, é interessante observar de que forma a artista se mantém fiel às raízes, trazendo elementos do trip hop e do rock psicodélico com assertiva fluidez.



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Logo de cara, a faixa-titular demonstra a regência principal dessa epopeia musical: o piano clássico é o instrumento que definitivamente ganha maior peso ao longo das catorze tracks, algo que também não se configura como uma escolha inesperada. O choque (no sentido mais positivo da palavra), na verdade, dialoga com a forma de uso à qual Lana se rende, em detrimento de uma significação convencional do que o classicismo exacerbado representa para a indústria fonográfica contemporânea; em outras palavras, a cantora mergulha em uma narcótica experiência, respaldando-se em uma narcótica sinestesia que desconstrói o formulaico e abre portas para uma identidade única e emocionante.

As sutilezas psicológicas também configuram a preferência pessoal de Del Rey: temos as notas propositalmente dissonantes de “Venice”, que se rearranjam na verborrágica “Fuck It, I Love You”, em que esse descompasso se transpõe para os vocais quase falados, antecedendo o refrão em crescendo. Em uma análise mais profunda, entretanto, é inegável dizer que as lyrics roubam nossa atenção com força maior que a progressão sonora – aliás, esta faixa se dispõe de um cansaço criativo notável que, apesar de ser retificado nas faixas seguintes, não deixa de representar um deslize considerável.

Porém, não pense que Lana abre mão de outras características próprias de sua discografia: se em ‘Honeymoon’ nos víamos diante de acuadas delineações, ‘Rockwell’ dosa com maestria a complacência e a sedução, algo que toma forma com “Doin’ Time”. Mesmo não sendo composta por Del Rey – visto que a ideia aqui é revisitar a clássica produção da banda Sublime, que já funciona como cover de “Summertime”, de George Gershwin. E, enquanto o grupo em questão já se afastava do jazz de Gershwin, a lead opta por dar adeus à constância do rap da virada do século para abraçar com força inegável a mistura do trap e de um onírico pop que reflete suas tendências para o hibridismo de gêneros e suis-generis. Porém, essa revitalização também vem acompanhada de uma inexpressividade obrigatória dos vocais, que variam do ecoante grave até o belo falsetto sem qualquer dificuldade aparente.

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Ao contrário do que poderíamos imaginar, a primeira balada romântica não dá as caras até a metade do álbum: é claro que a artista chega a explorá-la com “Mariners Apartment Complex”, mesmo prestando homenagem a nomes como Anna Nalick em um pop-rock travestido de folk acústico à la anos 1970, mas é com “Love Song” que Lana volta a atingir sua excelência. Em meio à abafada sobriedade do violão, do piano e do violino, ela se dispõe a cantar de modo milimetricamente cronometrado, oscilando dentro de um dinamismo que, por vezes, nos faz esquecer do lent-tempo que ouvimos – isso sem mencionar a teatralidade que ela também imprime nesses quase quatro minutos. Tal escopo se expande para a similar “Cinnamon Girl”, que, ao mesmo tempo, se excede em uma épica e sintética entrega.

Não podemos deixar de mencionar alguns deslizes que beiram o amadorismo, como a supracitada “Fuck It, I Love You” e a esquecível “Bartender”, que acaba abrindo mão de um suposto subito e orquestra uma monótona e frustrante peça. Felizmente, Del Rey não deixa que alguns tropeços tirem sua concentração, permitindo que ela volte à boa forma com a sucessora “Happiness Is a Butterfly” antes de culminar com a ilustre presença de “Hope Is a Dangerous Thing for a Woman Like Me to Have – but I Have It”, cuja premeditada redundância é composta por inúmeras referências sagazes e um minimalismo conceitual e trágico que refrata uma memorável joia fonográfica.

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O classicismo mencionado alguns parágrafos acima aparece também com impactante força na rock-ballad “The Greatest”, track que, sem sobra de dúvida, é uma das melhores produções de sua carreira. A aliança entre baixo e guitarra vem à tona em uma opressiva jornada psicológica que preconiza um icônico solo apenas como forma de sustentar uma dramática e comovente performance. Essa mesma união instrumental também é utilizada em outras faixas, incluindo a transgressora “California” – que não se esconde em meio a tanta coisa acontecendo.

Norman Fucking Rockwell!’ é um explícito convite de Lana Del Rey para uma experiência bastante sensorial que, talvez daqui a um tempo, seja consagrado como o álbum mais intimista de sua carreira. Em meio a ótimas composições e deslizes ofuscados pela competência musical de sua artista, o álbum entrega tudo o que promete – e mais.

Nota por faixa:

  • Norman Fucking Rockwell – 4,5/5
  • Mariners Apartment Complex – 4/5
  • Venice Bitch – 4,5/5
  • Fuck It, I Love You – 3/5
  • Doin’ Time – 4,5/5
  • Love Song – 5/5
  • Cinnamon Girl – 5/5
  • How to Disappear – 4/5
  • California – 4/5
  • The Next Best American Record – 4,5/5
  • The Greatest – 5/5
  • Bartender – 2,5/5
  • Happiness Is a Butterfly – 4,5/5
  • Hope Is a Dangerous Thing for a Woman Like Me to Have – but I Have It – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Apesar de sua costumeira doce sonoridade, Lana Del Rey vive dentro de belíssimas e sofridas contradições que, diferente do que poderíamos pensar, é o principal aspecto que sempre nos rouba a atenção quando anuncia uma peça musical nova ou um álbum em potencial. E é claro que, dois anos depois do lançamento de ‘Lust for Life’, ela retornaria com mais uma obra conceitual e nostálgica, sem perder sua originalidade e sua incrível habilidade como compositora. Nesse escopo, a parceria entre Del Rey e Jack Antonoff intitulada Norman Fucking Rockwell!’ acerta em praticamente tudo a que se propõe a fazer – incluindo desenhar uma triste jornada amorosa que se desenvolve em mais de uma hora de duração.

Como se não bastasse, o sexto álbum de estúdio da cantora não se isola em uma investida completamente original e faz ótimo uso da discografia antecessora. Não é surpresa, pois, que a produção retome construções de ‘Honeymoon’, Born to Die e até mesmo ‘Ultraviolence’ (em uma perspectiva bem mais sutil, é claro), dando vida a um delicioso compilado que, apesar das longas faixas (como “Venice Bitch”, que se desenrola em mais de nove minutos), é aprazível do começo ao fim e sabe muito como se estruturar. Além disso, é interessante observar de que forma a artista se mantém fiel às raízes, trazendo elementos do trip hop e do rock psicodélico com assertiva fluidez.

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Logo de cara, a faixa-titular demonstra a regência principal dessa epopeia musical: o piano clássico é o instrumento que definitivamente ganha maior peso ao longo das catorze tracks, algo que também não se configura como uma escolha inesperada. O choque (no sentido mais positivo da palavra), na verdade, dialoga com a forma de uso à qual Lana se rende, em detrimento de uma significação convencional do que o classicismo exacerbado representa para a indústria fonográfica contemporânea; em outras palavras, a cantora mergulha em uma narcótica experiência, respaldando-se em uma narcótica sinestesia que desconstrói o formulaico e abre portas para uma identidade única e emocionante.

As sutilezas psicológicas também configuram a preferência pessoal de Del Rey: temos as notas propositalmente dissonantes de “Venice”, que se rearranjam na verborrágica “Fuck It, I Love You”, em que esse descompasso se transpõe para os vocais quase falados, antecedendo o refrão em crescendo. Em uma análise mais profunda, entretanto, é inegável dizer que as lyrics roubam nossa atenção com força maior que a progressão sonora – aliás, esta faixa se dispõe de um cansaço criativo notável que, apesar de ser retificado nas faixas seguintes, não deixa de representar um deslize considerável.

Porém, não pense que Lana abre mão de outras características próprias de sua discografia: se em ‘Honeymoon’ nos víamos diante de acuadas delineações, ‘Rockwell’ dosa com maestria a complacência e a sedução, algo que toma forma com “Doin’ Time”. Mesmo não sendo composta por Del Rey – visto que a ideia aqui é revisitar a clássica produção da banda Sublime, que já funciona como cover de “Summertime”, de George Gershwin. E, enquanto o grupo em questão já se afastava do jazz de Gershwin, a lead opta por dar adeus à constância do rap da virada do século para abraçar com força inegável a mistura do trap e de um onírico pop que reflete suas tendências para o hibridismo de gêneros e suis-generis. Porém, essa revitalização também vem acompanhada de uma inexpressividade obrigatória dos vocais, que variam do ecoante grave até o belo falsetto sem qualquer dificuldade aparente.

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Ao contrário do que poderíamos imaginar, a primeira balada romântica não dá as caras até a metade do álbum: é claro que a artista chega a explorá-la com “Mariners Apartment Complex”, mesmo prestando homenagem a nomes como Anna Nalick em um pop-rock travestido de folk acústico à la anos 1970, mas é com “Love Song” que Lana volta a atingir sua excelência. Em meio à abafada sobriedade do violão, do piano e do violino, ela se dispõe a cantar de modo milimetricamente cronometrado, oscilando dentro de um dinamismo que, por vezes, nos faz esquecer do lent-tempo que ouvimos – isso sem mencionar a teatralidade que ela também imprime nesses quase quatro minutos. Tal escopo se expande para a similar “Cinnamon Girl”, que, ao mesmo tempo, se excede em uma épica e sintética entrega.

Não podemos deixar de mencionar alguns deslizes que beiram o amadorismo, como a supracitada “Fuck It, I Love You” e a esquecível “Bartender”, que acaba abrindo mão de um suposto subito e orquestra uma monótona e frustrante peça. Felizmente, Del Rey não deixa que alguns tropeços tirem sua concentração, permitindo que ela volte à boa forma com a sucessora “Happiness Is a Butterfly” antes de culminar com a ilustre presença de “Hope Is a Dangerous Thing for a Woman Like Me to Have – but I Have It”, cuja premeditada redundância é composta por inúmeras referências sagazes e um minimalismo conceitual e trágico que refrata uma memorável joia fonográfica.

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O classicismo mencionado alguns parágrafos acima aparece também com impactante força na rock-ballad “The Greatest”, track que, sem sobra de dúvida, é uma das melhores produções de sua carreira. A aliança entre baixo e guitarra vem à tona em uma opressiva jornada psicológica que preconiza um icônico solo apenas como forma de sustentar uma dramática e comovente performance. Essa mesma união instrumental também é utilizada em outras faixas, incluindo a transgressora “California” – que não se esconde em meio a tanta coisa acontecendo.

Norman Fucking Rockwell!’ é um explícito convite de Lana Del Rey para uma experiência bastante sensorial que, talvez daqui a um tempo, seja consagrado como o álbum mais intimista de sua carreira. Em meio a ótimas composições e deslizes ofuscados pela competência musical de sua artista, o álbum entrega tudo o que promete – e mais.

Nota por faixa:

  • Norman Fucking Rockwell – 4,5/5
  • Mariners Apartment Complex – 4/5
  • Venice Bitch – 4,5/5
  • Fuck It, I Love You – 3/5
  • Doin’ Time – 4,5/5
  • Love Song – 5/5
  • Cinnamon Girl – 5/5
  • How to Disappear – 4/5
  • California – 4/5
  • The Next Best American Record – 4,5/5
  • The Greatest – 5/5
  • Bartender – 2,5/5
  • Happiness Is a Butterfly – 4,5/5
  • Hope Is a Dangerous Thing for a Woman Like Me to Have – but I Have It – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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