Crítica de Álbum | Tove Lo reencontra o electro-dance em ‘Sunshine Kitty’

A cantora sueca Tove Lo definitivamente não tem o reconhecimento que merece: iniciando sua carreira em 2006 e vindo lançar seu primeiro álbum apenas em 2014, a artista grunge ganhou notoriedade por suas cruas e autobiográficas investidas no gênero pop, mostrando seu apreço inigualável pela mistura de gêneros e por complexas lyrics que até hoje são consideradas como algumas das melhores de sua geração. De fato, sua música mais conhecida, “Habits (Stay High)”, foi lançada há cinco anos e, desde então, ela vem trilhando um caminho original e envolvente que culminou, finalmente, na divulgação de sua intimista quarta obra, intitulada ‘Sunshine Kitty’. E, diferente do que podemos imaginar, seu controverso título mergulha numa melancólica jornada que nega um escopo ensolarado e prefere entregar algo mais agridoce e com a mesma profundidade que suas iterações predecessoras.

Em sua mais nova epopeia musical, Tove Lo recupera mais uma vez o controle de suas produções e fica responsável por todas as canções de forma propositalmente solitária, imprimindo as conhecidas características de sua discografia ao mesmo tempo que convida outros nomes conhecidos (e inesperados) para ajudá-la nesse processo. Partindo de uma premissa paradoxalmente sintética e natural, ela busca por uma extensão de seu último CD lançado (‘Blue Lips’, 2017) e explora as múltiplas camadas do synth-pop enquanto se alia com uma vanguardista tendência do PC music, convidando-nos para revisitar os primeiros anos da década passada e o nascimento do electro-music.

Logo, a breve introdução “Gritty Pretty” funciona como uma espécie de “ato de contrição” que reúne em um mesmo lugar as sonoridades encontradas nessas 14 novas faixas – desde as baladas guiadas pela guitarra até as obrigatórias dissonâncias que conversam com o nicho eletrônico. O pano de fundo também serve como prólogo para “Glad He’s Gone”, track na qual a lead singer usa e abusa de sua extensão em soubrette para premeditar cada uma das estrofes, além de deixar bem claro que irá se restringir ao recuo de um delicioso e melódico mezzosoprano. E, bom, se em “Habits” essa eu-lírico mergulhava em um angustiante tour-de-force, aqui ela se vê de frente para uma superação e um amadurecimento que vão de encontro à sutil sonoridade e ao aspecto enganoso de romance: na verdade, como ela repete diversas vezes, “você está melhor, estou feliz que ele se foi”.

É inegável dizer que Tove Lo procura nos entregar algo diferente do que tantos outros membros da indústria fonográfica vêm entregando nos últimos meses, mas ela não consegue (ou não quer) se desvencilhar de inúmeras referências automaticamente reconhecíveis. Temos uma drenagem familiar em “Bad as the Boys”, no qual divide os holofotes ao lado do tradicional pop de ALMA, e uma minimalista abordagem com “Sweettalk my Heart”, que funde elementos desde “Borderline” até “The Way It Is”. Mas isso não é tudo: essa inclinação permite também que as faixas em questão se afastem de um anacronismo amador e abracem uma crescente e bem-vinda atemporalidade.

‘Sunshine Kitty’ não é apenas sagaz o suficiente para entrelaçar o novo e o antigo, mas também bombardeia os ouvintes com um incontrito electro-dance que viaja pelas décadas de 1980, 1990 e 2000 sem se importar em reverenciar essas três épocas das formas mais inesperadas possíveis. Nesse território, a artista partilha de seus esforços com Jax Jones na sensual e mística “Jacques”, traça uma colaboração abrasileirada com o funkeiro Mc Zaac em uma interessante soturnidade que nos rouba a atenção do começo ao fim na track “Are U Gonna Tell Her?” (com harmonizações surpreendentes) e cria um estilo movido puramente pelos sintetizadores e por um ambience-pop ao lado da lendária Kylie Minogue em “Really Don’t Like U” – que, sem sombra de dúvidas, configura-se como um dos ápices do álbum.

Tove Lo também mostra que não está alheia aos estilos explorados nos dias atuais, voltando-se para uma versão acuada e minimalista do trap que, apesar de aprazíveis, encontram-se em uma dificultosa situação de não conseguir se desvencilhar dos convencionalismos estruturais. É basicamente isso que ocorre com a dramática “Mateo” e é reparado com “Come Undone”, cujo recuo em mid-tempo preza por uma elegante e sexy transição entre seus atos. Já em “Equally Lost”, os aspectos em questão deixam de existir em prol de algo mais latino, diferente de qualquer coisa que já ouvimos dentro de sua ainda jovem carreira.

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“Shifted” insurge como inevitavelmente a melhor música do álbum por diversas razões: desde sua resplandecente atmosfera dark, passando pela perfeição vocal da cantora e a culminação no melodrama almejado pelo impacto dos sintetizadores em paralelo aos acordes do violão – tudo caminhando para uma teatral e antirromântica rendição. Felizmente, a clareza sonora dessa peça é seguida pelo avant-pop de “Mistaken”, que pode até perder um pouco de seu brilho por se assemelhar a outras produções, mas presta atenção nos deslizes cometidos e atinge seu propósito.

Tove Lo retorna em gloriosa forma com uma obra inebriante e transbordando com artísticas tendências à frente de seu tempo – sem deixar que essa originalidade ofusque marcas saudosistas e que refletem sua inserção numa época categórica da música contemporânea. Por tais razões, ‘Sunshine Kitty’ aproveita de seus propositais fragmentos para dilacerar e costurar, ao mesmo tempo, um percurso sensorial conduzido por intimistas e melancólicas declamações.

Nota:

  • Gritty Pretty (Intro) – 4/5
  • Glad He’s Gone – 4/5
  • Bad as the Boys (feat. ALMA) – 4/5
  • Sweettalk my Heart – 4,5/5
  • Stay Over – 5/5
  • Are U Gonna Tell Her? (feat. MC Zaac) – 4,5/5
  • Jacques (with Jax Jones) – 5/5
  • Mateo – 3/5
  • Come Undone – 4,5/5
  • Equally Lost (feat. Doja Cat) – 4/5
  • Really Don’t Like U (feat. Kylie Minogue) – 5/5
  • Shifted – 5/5
  • Mistaken –  4,5/5
  • Anywhere U Go – 3,5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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