segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica de Trilha Sonora | Aladdin (2019) – Uma falha e afetada modernização

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Nota: as faixas analisadas serão apenas aquelas acompanhadas por um performer.

Alan Menken é, sem sombra de dúvida, um dos maiores compositores de sua geração. Para aqueles que não estão familiarizados com o nome em questão, Menken é simplesmente responsável por dar vida a algumas das músicas mais famosas do panteão Disney – como a trilha sonora de A Pequena Sereia, ‘O Corcunda de Notre-Dame’ e Hércules. Logo, foi quase automático ficarmos com as expectativas lá em cima quando ele anunciou seu retorno para o aguardado remake em live-action de Aladdin (recuperando as glórias da animação original, pela qual também ficou responsável). Entretanto, sua proposta de chamar outros artistas para lhe ajudar, inclusive na composição de duas novas faixas, falhou em diversos aspectos, criando um infeliz e perceptível anacronismo.



A proposta aqui é bem simples: abraçar as memoráveis versões originais e repaginá-las com construções sonoras modernizadas, aproximando-se da cultura pop contemporânea com força e envolvência. Tal premissa já mostra suas caras na canção de abertura, “Arabian Nights”, interpretada por Will Smith. De fato, a melódica e sedutora flauta árabe brevemente nos transporta para as areias de Agrabah, porém não ganha protagonismo o suficiente, visto que a linear voz de Smith já nos invade os ouvidos poucos segundos depois. É visível a tentativa do ator em entregar algo mais sombrio, apesar de não alcançar o que promete até a chegada do refrão, em que os violinos e violoncelos acham terreno fértil para explodirem, acompanhados do bem-vindo alaúde e o qanun.

Assista também:
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No geral, a construção da track traz um dinamismo quase assustador que é aprazível dentro de suas restrições. Os equívocos mantêm-se concentrados na unidimensionalidade do cantor principal, que confunde-se com os backing vocals em uma amálgama amorfa. E esses erros se alastrariam para o restante da trilha. “Friend Like Me”, que marca o retorno de Smith como o divertido Gênio da Lâmpada, traduz numa deliciosa releitura o instrumental à la Cab Calloway, trazendo elementos de um híbrido do jazz e do pop, nunca perdendo sua essência (os agudos trompetes que dividem claramente os blocos da música são incríveis, sem mais nem menos). Porém, mesmo que Smith busque por uma espontaneidade que emule Robin Williams (o Gênio original), ele nos passe, novamente, uma impressão limitada.

A música em questão carrega complicadas quebras de fluidez sonora que atiram para todos os lados. A complexidade aqui insurge devido aos deslizes e, num esforço artificial de aglutinar as faixas em um conceito único, não lapida os excessos. É nesse contexto que “Prince Ali”, a declaração aclamatória que introduz Aladdin para a Princesa Jasmine, também se materializa. Seguindo os passos da arquitetura original, os múltiplos coros acompanham trombetas epopeicas, a volta cíclica da flauta e o qanun – com uma mescla moderna arrepiante: na sequência musical em questão, é possível ver que Menken faz bom uso até mesmo de alguns excertos da adaptação teatral do conto, permitindo que o anacronismo funcione e integre o próprio personagem.

Porém, Smith repetitivamente força-se a entregar algo para o qual não está preparado. A track recua para uma parada desnecessária, depois mergulha numa correria extenuante que, mais uma vez, culmina na ofuscação do Gênio e na sobrevalorização de todas as outras vozes. Nem mesmo a esperada conclusão alcança a nota prometida, descendo um degrau e abandonando a última chance de alçar voo.

Felizmente, Mena Massoud e Naomi Scott, que respectivamente dão vida a Aladdin e Jasmine, parecem encontrar uma sintonia brilhante em seu momento romântico. Em “A Whole New World”, os vocais tenores de Massoud parecem transpostos de Brad Kane (o personagem-título original) e emulam-no extremamente bem ao ponto de serem nostálgicos. Scott, por sua vez, já é conhecida por uma potente voz (ouvida no longa Lemonade Mouth, por exemplo), mas prefere manter-se em uma timidez musical durante seus primeiros versos até nos maravilhar dentro de uma fluida harmonização que faz ótimo uso de sua extensão. Mais uma vez, o compositor principal encontra espaço o suficiente para reinventar a si mesmo, ainda que não perceba certas redundâncias.

Scott, em seu solo intitulado “Speechless”, se engolfa em sua zona de conforto em uma balada pop de empoderamento e autoafirmação que seria ainda mais interessante em outro lugar. Porém, a track em questão não tem sentido algum quando comparada com a conjuntura do filme, esbarrando em uma peça fragmentada e alheia às outras. Não há um único tom que converse com a ambiência arábica e épica, assemelhando-se a um single que estranhamente dialoga com a independência de outra performance da cantora – “She’s So Gone”. Porém, Scott se joga de corpo e alma e brevemente nos faz esquecer dessa gritante discrepância.

Os erros, por sua vez, carregam o nome da dupla Pasek & Paul, que ganharam reconhecimento ao trabalharem com Justin Hurwitz no musical ‘La La Land’ e, depois, pelo trabalho em O Rei do Show. O duo, conhecido por transformar o classicismo de época em uma adaptação contemporânea e dialógica com os espectadores e ouvintes – é só nos recordarmos da canção “This Is Me” -, continua a deixa sua marca na indústria cinematográfica. Todavia, seus últimos trabalhos já tinham características propositalmente atemporais; aqui, as lyrics que delineiam despedaçam a atmosfera tão arduamente lapidadas por Menken e, em uma perspectiva abrangente, falham em sua completude.

Duas das composições retornam em mais duas versões: “Prince Ali” une-se com um bizarro remix estrelado por Smith e DJ Khaled que não tem uma gota de coerência; e uma conceitual recriação de “A Whole New World” por ZAYN e Zhavia Ward. O único problema, ofuscado pelos potentes e surpreendentes vocais, é que os dois cantores em questão fundem-se em harmonia apenas na transição do segundo para o terceiro ato: em outras palavras, suas entregas demoram para se separar quanto à caracterização individual.

A trilha sonora principal de Aladdin emula a si mesma de forma mediocramente satisfatória, carregando consigo pouca mágica da original. Algumas faixas fogem do convencional, mas esbarram em outros obstáculos; outras, em uma tentativa de acrescentar algo, tornam-se desnecessárias. Mas, ao menos, a instrumentalização permanece a mesma – e Scott insurge como a principal estrela do longa-metragem.

Nota por faixa:

  • Arabian Nights – 3,5/5
  • One Jump Ahead – 3/5
  • Speechless (Full) – 2,5/5
  • Friend Like Me – 3/5
  • Prince Ali – 2,5/5
  • A Whole New World – 4,5/5
  • A Whole New World (End Title – ZAYN & Zhavia Ward) – 4/5
  • Prince Ali (End Title – Will Smith & DJ Khaled) – 1/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A proposta aqui é bem simples: abraçar as memoráveis versões originais e repaginá-las com construções sonoras modernizadas, aproximando-se da cultura pop contemporânea com força e envolvência. Tal premissa já mostra suas caras na canção de abertura, “Arabian Nights”, interpretada por Will Smith. De fato, a melódica e sedutora flauta árabe brevemente nos transporta para as areias de Agrabah, porém não ganha protagonismo o suficiente, visto que a linear voz de Smith já nos invade os ouvidos poucos segundos depois. É visível a tentativa do ator em entregar algo mais sombrio, apesar de não alcançar o que promete até a chegada do refrão, em que os violinos e violoncelos acham terreno fértil para explodirem, acompanhados do bem-vindo alaúde e o qanun.

No geral, a construção da track traz um dinamismo quase assustador que é aprazível dentro de suas restrições. Os equívocos mantêm-se concentrados na unidimensionalidade do cantor principal, que confunde-se com os backing vocals em uma amálgama amorfa. E esses erros se alastrariam para o restante da trilha. “Friend Like Me”, que marca o retorno de Smith como o divertido Gênio da Lâmpada, traduz numa deliciosa releitura o instrumental à la Cab Calloway, trazendo elementos de um híbrido do jazz e do pop, nunca perdendo sua essência (os agudos trompetes que dividem claramente os blocos da música são incríveis, sem mais nem menos). Porém, mesmo que Smith busque por uma espontaneidade que emule Robin Williams (o Gênio original), ele nos passe, novamente, uma impressão limitada.

A música em questão carrega complicadas quebras de fluidez sonora que atiram para todos os lados. A complexidade aqui insurge devido aos deslizes e, num esforço artificial de aglutinar as faixas em um conceito único, não lapida os excessos. É nesse contexto que “Prince Ali”, a declaração aclamatória que introduz Aladdin para a Princesa Jasmine, também se materializa. Seguindo os passos da arquitetura original, os múltiplos coros acompanham trombetas epopeicas, a volta cíclica da flauta e o qanun – com uma mescla moderna arrepiante: na sequência musical em questão, é possível ver que Menken faz bom uso até mesmo de alguns excertos da adaptação teatral do conto, permitindo que o anacronismo funcione e integre o próprio personagem.

Porém, Smith repetitivamente força-se a entregar algo para o qual não está preparado. A track recua para uma parada desnecessária, depois mergulha numa correria extenuante que, mais uma vez, culmina na ofuscação do Gênio e na sobrevalorização de todas as outras vozes. Nem mesmo a esperada conclusão alcança a nota prometida, descendo um degrau e abandonando a última chance de alçar voo.

Felizmente, Mena Massoud e Naomi Scott, que respectivamente dão vida a Aladdin e Jasmine, parecem encontrar uma sintonia brilhante em seu momento romântico. Em “A Whole New World”, os vocais tenores de Massoud parecem transpostos de Brad Kane (o personagem-título original) e emulam-no extremamente bem ao ponto de serem nostálgicos. Scott, por sua vez, já é conhecida por uma potente voz (ouvida no longa Lemonade Mouth, por exemplo), mas prefere manter-se em uma timidez musical durante seus primeiros versos até nos maravilhar dentro de uma fluida harmonização que faz ótimo uso de sua extensão. Mais uma vez, o compositor principal encontra espaço o suficiente para reinventar a si mesmo, ainda que não perceba certas redundâncias.

Scott, em seu solo intitulado “Speechless”, se engolfa em sua zona de conforto em uma balada pop de empoderamento e autoafirmação que seria ainda mais interessante em outro lugar. Porém, a track em questão não tem sentido algum quando comparada com a conjuntura do filme, esbarrando em uma peça fragmentada e alheia às outras. Não há um único tom que converse com a ambiência arábica e épica, assemelhando-se a um single que estranhamente dialoga com a independência de outra performance da cantora – “She’s So Gone”. Porém, Scott se joga de corpo e alma e brevemente nos faz esquecer dessa gritante discrepância.

Os erros, por sua vez, carregam o nome da dupla Pasek & Paul, que ganharam reconhecimento ao trabalharem com Justin Hurwitz no musical ‘La La Land’ e, depois, pelo trabalho em O Rei do Show. O duo, conhecido por transformar o classicismo de época em uma adaptação contemporânea e dialógica com os espectadores e ouvintes – é só nos recordarmos da canção “This Is Me” -, continua a deixa sua marca na indústria cinematográfica. Todavia, seus últimos trabalhos já tinham características propositalmente atemporais; aqui, as lyrics que delineiam despedaçam a atmosfera tão arduamente lapidadas por Menken e, em uma perspectiva abrangente, falham em sua completude.

Duas das composições retornam em mais duas versões: “Prince Ali” une-se com um bizarro remix estrelado por Smith e DJ Khaled que não tem uma gota de coerência; e uma conceitual recriação de “A Whole New World” por ZAYN e Zhavia Ward. O único problema, ofuscado pelos potentes e surpreendentes vocais, é que os dois cantores em questão fundem-se em harmonia apenas na transição do segundo para o terceiro ato: em outras palavras, suas entregas demoram para se separar quanto à caracterização individual.

A trilha sonora principal de Aladdin emula a si mesma de forma mediocramente satisfatória, carregando consigo pouca mágica da original. Algumas faixas fogem do convencional, mas esbarram em outros obstáculos; outras, em uma tentativa de acrescentar algo, tornam-se desnecessárias. Mas, ao menos, a instrumentalização permanece a mesma – e Scott insurge como a principal estrela do longa-metragem.

Nota por faixa:

  • Arabian Nights – 3,5/5
  • One Jump Ahead – 3/5
  • Speechless (Full) – 2,5/5
  • Friend Like Me – 3/5
  • Prince Ali – 2,5/5
  • A Whole New World – 4,5/5
  • A Whole New World (End Title – ZAYN & Zhavia Ward) – 4/5
  • Prince Ali (End Title – Will Smith & DJ Khaled) – 1/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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