Big Little Truth
Enquanto assistia ao novo filme protagonizado pela estrela Reese Witherspoon, uma das rainhas das comédias românticas de Hollywood na atualidade, eu pensava em como estruturalmente e esteticamente esta produção remetia aos filmes de Nancy Meyers (Um Senhor Estagiário e Alguém tem que Ceder), cineasta veterana e proeminente quando o assunto é obra de qualidade dentro do gênero. Bom, tal julgamento foi certeiro, já que ao escrever este texto me deparo com a revelação de que é justamente a filha de Meyers, Hallie Meyers-Shyer, quem comanda este longa, estreando na direção.
Além da função de diretora, Hallie Meyers-Shyer estreia também como roteirista de um longa-metragem, seguindo de perto o caminho percorrido pela progenitora. E o resultado é um filme bem doce, mas incrivelmente honesto e satisfatório, ainda mais levando em conta que é o debute de uma jovem cineasta. Hallie replica os passos da mãe e em breve poderá entregar obras do mesmo nível ou até melhores que as da matriarca.
A trama criada pela diretora aborda relações passadas no meio do cenário cinematográfico de Los Angeles, tendo a paixão da cineasta como pano de fundo. E daí pensamos que Hallie, assim como Sofia Coppola fez em Um Lugar Qualquer (2010), provavelmente incluiu muitas de suas experiências pessoais crescendo com pais famosos, nesta mistura fictícia.
A história apresenta Alice Kinney (Witherspoon), mulher de 40 anos, arquiteta, divorciada e mãe de duas meninas. Ela é também a filha de um grande cineasta da década de 1970, desses revolucionários, que ajudaram a moldar um cinema mais artístico e autoral, surgidos justamente no boom de tal era, vide Coppola e Scorsese. A ligação com o pai se estende até depois da morte do diretor, já que a protagonista mora na grande casa aonde cresceu.
Entram em cena Harry (Pico Alexander), George (Jon Rudnitsky) e Teddy (Nat Wolff), três artistas “famintos”, lutando para conseguir trabalho no disputadíssimo mercado de cinema Hollywoodiano. O trio produziu um curta, com Harry na direção, George no roteiro e Teddy protagonizando, que chamou atenção e está prestes a lhes conseguir um contrato para um longa com um grande estúdio. No ínterim, eles precisam encontrar um lugar para morar. O destino intervém e coloca a personagem de Witherspoon em seu caminho.
Como dito, o filme de Meyers-Shyer é bem leve e doce, parecendo existir num mundo à parte, dentro de uma redoma onde questões polêmicas são adereçadas de forma superficial, sem que adentremos as minúcias ou qualquer drama. Aqui o que temos é quase um conto de fadas, típico da fórmula que se tornou a comédia romântica. O que deixa feliz, no entanto, é que a estreia da diretora não trata sua audiência como idiota, ao contrário de muitas produções do gênero, e apesar do peso quase inexistente, a cineasta preza coerência e uniformidade do teor escolhido.
Temos, por exemplo, o desconforto do relacionamento de Alice, uma mulher de 40 anos, com Harry, um rapaz de 27. O que daria por si só o tópico de uma história a ser destrinchada, aqui é parte de nota de rodapé, apenas pincelado esporadicamente, sem que qualquer discussão mais significativa seja dada ao item. O mesmo ocorre com o “comercial de margarina estendido” que se torna a convivência dos rapazes com a mulher, onde as tarefas do dia a dia começam a ser supridas pelo trio. De fato, De Volta para Casa daria um bom piloto de uma série de TV.
Pegue em contrapartida Big Little Lies, a série indicada para inúmeros Emmys, incluindo melhor atriz para Witherspoon, e vencedora de melhor minissérie, como comparativo. Temos uma estética similar, mas uma olhada crua nos bastidores da superfície reluzente. Coisa que não ocorre aqui, restando apenas o brilho afastado de qualquer problema real. Seja como for, se pensarmos que o cinema da Meyers mãe é uma releitura feminina e moderna do que cineastas como Frank Capra fizeram durante toda a carreira, Hallie não está tão dissonante da trilha correta.