Por anos, os filmes com super-heróis foram malvistos pela crítica, que definiam as aventuras cinematográficas como “filmes para crianças”, o que particularmente nunca enxerguei como algo negativo, já que a molecada precisa de entretenimento e nada mais lúdico do que trazer humanos com habilidades especiais fazendo as coisas mais impossíveis e mirabolantes em tela em meio a piadocas divertidinhas e bombas de imaginação.
E a falecida 20th Century Fox desempenhou um grande papel nisso, já que foi ela quem manteve o nome da Marvel nas telonas, mesmo na época em que a ‘Casa das Ideias’ passava por uma crise financeira catastrófica. Com a venda dos direitos de personagens como os X-Men e o Quarteto Fantástico, a Marvel conseguiu se reerguer, se recuperar nos quadrinhos até eventualmente ser comprada pela Disney e encabeçar um verdadeiro império do entretenimento que culminou em mais de uma década de pura e simples febre de super-heróis.
E ninguém sintetizou tão bem essa era de heróis pré-MCU quanto o Wolverine de Hugh Jackman. Por se tratar de um personagem polivalente, ele encantou as crianças com seu jeitão meio ‘bom demais para ligar para o que os outros pensam’ nos filmes de classificação indicativa mais baixa, mas também dono de um passado obscuro, que foi mais desenvolvido – de forma confusa, é verdade, nos longas de classificação para maiores. Conseguindo obter sucesso nessa transição do infantil para o adulto, o Hugh se despediu do personagem em 2017, com Logan.
Na mesma época, porém, um pequeno revolucionário começou a fazer barulho dentro da Fox. Após ser escorraçado dos filmes com super-heróis, Ryan Reynolds conseguiu uma cartada final com uma adaptação extremamente fiel de Deadpool, incluindo violência gráfica, palavrões e muita sacanagem nas telonas. O resultado agradou a jovens e adultos, fazendo do Mercenário boca suja um fenômeno da Cultura Pop. Ele ficou tão grande nesse cenário, que foi transportado do falecido universo Fox direto para o Universo Cinematográfico Marvel em uma aventura que traz de tudo que qualquer HQ do personagem tem: falta de noção e um humor deliciosamente babaca.
Deadpool & Wolverine, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (25), é a materialização perfeita do espírito da quinta série. O filme não se leva a sério em momento algum, permanecendo fiel à essência que consagrou o personagem nos quadrinhos e nas telonas. O Mercenário Tagarela é uma criatura extremamente poderosa, mas é tão besta e descontraída que chega a ser difícil passar a sensação de perigo que ele representa aos adversários. Isso até o momento em que ele começa a chacinar os bandidos a sangue frio, profanar cadáveres e contar piadas que fariam seu tio se orgulhar.
Ao lado dele, um Wolverine desiludido e extremamente agressivo se vê preso a esse mala para tentar sobreviver em uma dimensão-lixão conhecida como ‘O Vazio’. Em meio a essa combinação de opostos, o longa se desenvolve carregado pelas situações mais sem-noção e divertidas possíveis, fazendo uma verdadeira viagem pelo que restou do Universo Fox.
É curioso ver como o roteiro do filme é simples e bobo, mas ainda assim consegue ser ridiculamente eficaz em te prender com os olhos vidrados na tela. Ele sai de um ponto conhecido, te leva por uma aventura de doer a barriga de tanto rir e termina em um ponto promissor para o futuro do MCU. Pode parecer pouco, só que fazia tempo que o público não era agraciado com o famoso ‘arroz com feijão’ bem feito da Marvel.
Para quem já assistiu os filmes do Deadpool e vem acompanhando os longas com super-heróis há décadas, não há absolutamente nenhuma novidade. É uma porção de referências deliciosas a diversas franquias da Cultura Pop, sejam elas de propriedade da Disney ou não, o Deadpool descendo tiro e espadada nos adversários enquanto zomba de tudo e todos, o Wolverine sendo rabugento mas se rendendo aos desencantos encantadores da situação bizarra em que se enfiou e um caminhão de participações especiais que vão suprir toda a carência da galera que se decepcionou com Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022).
Faz um tempo que uma fala de Martin Scorsese viralizou negativamente dentre os fãs de heróis. Na ocasião, a lenda viva do cinema definiu os filmes da Marvel como parques de diversão, não filmes. E como diz a regra: quando um mestre fala, você para, escuta e aprende. No entanto, falar de aprendizado junto a um personagem como o Deadpool beira o escárnio. Ele não aprende, ele sacaneia.
Nesse ponto, o filme abraça a declaração de Scorsese, mas não para tentar provar que o diretor está errado. Shawn Levy grita a plenos pulmões que está fazendo um legítimo parque de diversões na telona. Ele quer que você ria, se divirta, gargalhe e esqueça das consequências das ações, enquanto dois adultos bombados de trajes coloridos e apertados fazem os maiores absurdos possíveis em tela. E cá entre nós, não dá para questionar o valor artístico de um filme que se propõe a divertir e faz isso de forma fabulosa. É o puro suco do humor adolescente, fazendo deste longa um besteirol espetacular. É ação atrás de ação, é piada atrás de piada, é referência atrás de referência. É entretenimento purinho.
E em momento algum Shawn Levy esconde que esse bombardeio de entretenimento é uma forma de compensar o roteiro bobinho. O próprio Deadpool zomba disso diversas vezes. Só que é tão bem feito que só mesmo sendo muito ranzinza para não se deixar envolver pela onda de diversão que esse filme cria. É uma sensação fantástica de estar em um churrasco junto a velhos amigos que você não vê há muito tempo, enquanto vocês falam as maiores bobeiras do mundo e relembram o que já viveram.
Junto a isso, as atuações de Ryan Reynolds e Hugh Jackman estão excelentes. Ambos encarnam seus personagens com uma naturalidade absurda, assim como exalam uma química impressionante em tela. É de se questionar mesmo como que esse encontro não tinha acontecido antes. Já a vilã, vivida por Emma Corrin, é uma mera coadjuvante. Ela não vem naquele papo batido de que ‘todo vilão é um herói em sua própria história’. Sua Cassandra Nova é má porque sim, e quer acabar com os mundos porque ela pode. O que, particularmente, acho muito bem-vindo. Chega de querer entender o lado do vilão, galera. Os próprios ‘heróis’ do filme são moralmente questionáveis, deixa eles baterem a torto e a direito em quem for pior que eles.
Por fim, mas não menos importante, a trilha musical desse filme é sensacional. Misturando o melhor do Pop dos anos 80, 90 e 2000, a ‘playlist’ foi escolhida a dedo, elevando o nível musical – já altíssimo – da franquia Deadpool. Tem Madonna, Avril Lavigne, Green Day, N’Sync… E todas perfeitamente inseridas.
É legal, depois de uma década de filmes com super-heróis tendo vergonha de serem o que realmente são, ver um longa que não faz questão nenhuma de ser efetivamente um ‘filme de boneco’. Se não fosse a violência explícita, com direito a muito sangue e membros decepados, seria uma experiência divertidíssima para a molecada, que não vai conseguir assistir nos cinemas por conta da classificação indicativa para maiores de 18 anos. Ainda assim, é uma aventura maravilhosa, boba e carregada de sentimentalismo barato, como deve ser um grande filme de heróis – ou quase isso.
Obs: para a galera preocupada com a continuidade do MCU, o longa faz um retcon muito útil e termina com a inserção de um conceito muito interessante para quem está ansioso por Guerras Secretas.