Melodrama de Primeira
Quando falamos em refilmagens, surge logo certo preconceito por focarmos somente em produções famosas pelas quais temos grande afeto. No entanto, muitas passam despercebidas, principalmente em se tratando de remakes de produções europeias (ou de qualquer território fora dos EUA). E inclusive aquele filme que você tanto gostou pode se tratar de uma reedição de outro sem que você saiba. É o caso com este Depois do Casamento.
A versão original é uma obra dinamarquesa, coproduzida pela Suécia, Reino Unido e Noruega, escrita (em parceria com Anders Thomas Jensen) e dirigida pela prestigiada Susanne Bier. O longa inclusive foi indicado ao Oscar de produção estrangeira, mas perdeu o prêmio para o alemão A Vida dos Outros – e não para o mexicano O Labirinto do Fauno, de Guillermo del Toro, como está no consciente coletivo. Na trama, um humanitário vivendo na Índia (papel de Mads Mikkelsen) recebe ajuda financeira de um ricaço na Dinamarca. Tudo que ele precisava fazer para sacar o dinheiro é ir até o país para um encontro. Uma vez lá, durante o casamento da filha do sujeito, segredos do passado irão ressurgir com força, mudando a vida de todos.
Normalmente é aqui o ponto onde os puristas começariam a torcer o nariz. Porém, o voto de confiança foi dado na largada ao escalarem para o projeto duas das mais talentosas atrizes de suas respectivas gerações: Julianne Moore (vencedora do Oscar por Para Sempre Alice) e Michelle Williams (quatro vezes indicada ao Oscar). Moore demonstra interesse maior pelo projeto atuando também como produtora, ao lado do veterano cineasta Michael Caton-Jones (Rob Roy – A Saga de uma Paixão e O Chacal).
Aliás, a versão norte-americana de Depois do Casamento espelha sua trama e deixa tudo em família. O cargo da adaptação ficou com o cineasta Bart Freundlich, marido da estrela e produtora da obra na vida real. Os dois inclusive já vêm trabalhando juntos até mesmo antes do casamento em 2003, em filmes como O Mito das Digitais (1997), Cidadão do Mundo (2001) e Totalmente Apaixonados (2005). Ou seja, afinação é o que não falta nas telas. Até mesmo o talentoso e subestimado Billy Crudup entrou na dança, sendo velho amigo do casal e tendo participado dos dois últimos filmes citados acima.
A refilmagem segue de perto o orquestrado por Bier, obviamente mudando a locação da Dinamarca para os EUA, em Nova York. A maior mudança mesmo vem da troca do sexo dos protagonistas. Desta vez, a história centra em uma personagem feminina, a Isabel, defendida ilustremente pela talentosa Michelle Williams. É ela a altruísta humanitária vivendo na Índia e ajudando um abrigo de crianças. Tudo, como viremos a descobrir depois, uma forma de redimir um passado sombrio, que a jovem luta para esquecer.
Depois do Casamento conta com algumas das melhores performances do ano. O trio Williams, Moore e Crudup mostram toda sua eficiência no melhor do seu jogo, fazendo desaparecer qualquer ousadia de questionamento sobre seus talentos como intérpretes. Além disso, temos destaque também para a jovem Abby Quinn, que vive a noiva do casamento, filha do casal Moore e Crudup. Freundlich cria diálogos memoráveis e inteligentes, acompanhados de situações muito relacionáveis e humanas. Aliás, a forte humanidade entranhada no filme é um de seus mais potentes atrativos.
Para além de um dramalhão familiar, com direito a todas as reviravoltas dignas do folhetim mais mirabolante da TV – mas feito com qualidade de Oscar – Depois do Casamento oferece outros tipos de discussões nas entrelinhas. Sendo o mais latente deles, o estilo de vida abnegado e socialista (personificado na personagem de Williams) e o poder que faz o mundo girar do capitalismo (representado nas formas de Moore), que numa relação simbiótica e complementar, demonstram o quanto precisam uma da outra – sem discursos inflamados ou qualquer levantar de bandeiras. Esta é uma lição que nos faz lembrar que acima de tudo somos humanos e lotados de falhas. E sim, precisamos melhorar.