Há uma diferença entre o que é visto na televisão/cinema e nos nomes que se tornam comuns aos ouvidos dos espectadores. Ruth de Souza é um rosto conhecido e reconhecido, mas cujo nome passou muitas décadas sendo pouco conhecido e reconhecido pelo grande público. Inúmeras razões estão por trás desses fatos, e uma delas, claro, é o racismo, que fez com que Ruth de Souza, uma das maiores atrizes brasileiras de todos os tempos, não tivesse recebido em vida o volume de prestígio condizente com o tamanho de sua carreira. Tal constatação é uma das reflexões no documentário ‘Diálogos com Ruth de Souza’, que chega a partir dessa semana no circuito exibidor nacional.
A partir de uma pesquisa inicial sobre dramaturgia, a diretora Juliana Vicente se deparou com um material vastíssimo que deveria vir à luz, e, assim, passou a visitar frequentemente a atriz Ruth de Souza em sua casa, travando com ela conversas que, muitas vezes, duravam tardes inteiras. Nessas visitas, assuntos, histórias e elementos importantíssimos da dramaturgia brasileira vão surgindo, demonstrando a riqueza do acervo pessoal de Ruth. Através de suas memórias e documentos conseguidos para corroborar o dito nas entrevistas, Juliana Vicente foi registrando as mudanças no dia a dia da atriz nos últimos dez anos de vida dela.
Grande vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio 2022, ‘Diálogos com Ruth de Souza’ tem dois pulsares essenciais: o primeiro deles é que faz um panorama biográfico de uma das mais talentosas e longevas atrizes do Brasil; o segundo é que, em se tratando de uma atriz preta, o documentário, claro, também faz um panorama racial de ser ator preto no país no último século, quais foram os outros artistas que conseguiram se destacar e como o racismo impediu muitos trabalhos e ascensão econômica a esses profissionais.
Ao mesmo tempo, ‘Diálogos com Ruth de Souza’ também se transforma numa jornada pessoal para a diretora, que transforma uma simples pesquisa inicial em um material muito mais rico e fundamental para os profissionais da área, para os fãs e para os cinéfilos. Nesse encontro de gerações, vemos como há um cuidado maior dos cineastas mais jovens em lutar pela conferência do devido respeito aos profissionais mais velhos. A sabedoria, a luta, a perseverança de Ruth inspiram Juliana, que usa sua ferramenta documental para também lutar e perseverar por Ruth.
Foram 70 anos de carreira e 95 anos de vida. Um século de cinema brasileiro tem o nome e o rosto de Ruth de Souza. Nos últimos anos de sua vida, a atriz foi homenageada no Carnaval da Acadêmicos de Santa Cruz, participou desse documentário que se tornou super premiado e aplaudido, e ia ganhar um prêmio por sua carreira no Festival de Gramado – onde faleceu, às vésperas. A vida e a obra de Ruth de Souza respiraram e se entremearam com a história do cinema brasileiro até o fim. ‘Diálogos com Ruth de Souza’ é um documentário afetivo que mostra justamente a enormidade de Ruth de Souza. Ainda bem que Juliana Vicente fez esses registros.