quinta-feira, junho 27, 2024

Crítica | Diamante Bruto – Retrato de uma geração influenciada por Kim Kardashian [Cannes 2024]

O que você quer ser quando crescer? Esta é uma pergunta recorrente feita às crianças e, posteriormente, aos adolescentes na época de decidir qual profissão seguir. A resposta normalmente está relacionada aos modelos construídos ao redor desta pessoa ao longo dos anos. Em Diamante Bruto (Diamant Brut), a diretora estreante Agathe Riedinger, nos apresenta a jovem Liana (Malou Khebizi), de 19 anos, com os sonhos de tornar-se famosa e conhecida por seus atributos. 

Em lançamento mundial na Mostra Competitiva do Festival de Cannes 2024, Diamante Bruto fala diretamente sobre a geração Z, pessoas nascidas entre 1997 e 2010, e suas aspirações futuras. Partindo do microuniverso de uma jovem do subúrbio da cidadezinha de Fréjus, localizada na região de Côte d’Azur, na França, o enredo engloba qualquer jovem de classe média baixa do planeta, a qual cresceu na era dos “influenciadores” e de pessoas famosas por atrair atenção dos outros sobre elas mesmas. 

Malou Khebizi em Diamante Bruto
Malou Khebizi em Diamante Bruto

Morando com a mãe e a irmã dez anos mais nova, Liana quer escapar do seu cotidiano precário. Reprova a vida sexual ativa da sua mãe, realiza furtos em lojas para revender e publica o seu cotidiano de selfies no Instagram em busca da atenção renegada pela família e pelos colegas de saideira. Liana maquia-se pesadamente para festas, sempre procura roupas para tirar uma boa foto e tudo que mais deseja é participar de um reality show e torna-se, finalmente, famosa.

Para essa geração que cresceu assistindo participantes de realities tornarem-se estrelas e serem admirados por milhares de pessoas, esta é uma profissão tão almejada quanto ser atriz, médica ou advogada em outras épocas. Além do dinheiro, o glamour e, principalmente, a atenção são fatores chaves para que diversas jovens desejem ser tão conhecidas e ricas quanto todas as mulheres da família Jenner/Kardashian.

Qual é o melhor exemplo de retorno milionário em consequência de compartilhar intimidades do cotidiano com os outros? Somos uma sociedade voyerista? Com certeza, em certa medida, um dos maiores clássicos de suspenses da sétima arte — Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock —  é exatamente sobre o tão cativante e interessante pode ser observar a vida alheia. 

Diamante Bruto 2

Diamante Bruto, no entanto, coloca as lentes sobre o outro lado da equação. O quanto você é capaz de fazer para receber este tipo de atenção? A família Kardashian ganhou interesse midiático a partir do emblemático julgamento de O.J. Simpson, já outros têm a sua aparência e personalidade como pontos preciosos para serem selecionados em um casting de reality show e nos entreter, os voyeurs

A jovem protagonista deseja apenas isso, uma oportunidade de participar de um programa chamado Ilha do Milagres. Ao ser chamada por um teste, ela acredita fielmente ter chegado o seu momento de glória. Nesse entremeio, ela faz em si mesma uma tatuagem, junta dinheiro para colocar silicone nas nádegas, após já ter posto nos seios, tudo em busca de seguidores fiéis nas suas redes. 

Embora Liana sofra com os comentários alheios sobre a sua aparência, digamos “too much”, ela encontra o jovem Dino (Idir Azougli), o qual aparenta gostar dela sem poréns. Sem outros planos para o futuro, Liana tem apenas um objetivo: participar do reality show e, como explica algumas vezes no filme, viver de promoções para marcas após tornar-se conhecida. 

Malou Khebizi e Idir Azougli em Diamante Bruto
Malou Khebizi e Idir Azougli em Diamante Bruto

Diretora e roteirista, Agathe Riedinger aborda um tema pertinente na nossa sociedade, mas constrói uma personagem perdida em sua própria busca. Embora Liana mostra-se super sexy nas redes, ela é sexualmente inativa e despreza a sua progenitora exatamente por não se colocar no papel de mãe em frente ao de mulher. Embora acompanhamos, um despertar sexual da jovem, a sua personalidade é demolida pela importância dada ao seu corpo no filme.

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Liana rouba, mente e engana, mas é impossível julgá-la diante da sua vida precária e sem bons exemplos. A personagem, entretanto, não desperta a nossa empatia, apenas comiseração. Apesar de usar o seu corpo para ganhar seguidores, a jovem não se deixa tocar, é como se fosse a gata borralheira do século XXI. Com o pouco de conhecimento dado pelo mundo ao seu redor, ela espera a sua salvação. 

Na era do capitalismo digital, o resgate não é mais representado pelo “príncipe encantado” e a promessa de um casamento, mas a combinação dos algoritmos a serem trocados por publicidade e uma renda para manter-se nesse mundo de fantasias. Se ser amada por apenas um homem não é mais o objetivo, a gata borralheira da geração Z quer ser amada por milhares. Com o pé na fantasia, Agathe Riedinger recria uma ilusória busca pela felicidade e promove uma mensagem “consoladora” à geração Z.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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