quarta-feira, agosto 20, 2025
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    Crítica | Dossiê 137 – Drama Morno e Burocrático por Trás da Violência Policial em Paris [Cannes 2025]

    Aclamado pelo instigante A Noite do dia 12 (2022) ao expor a angústia da polícia francesa frente a casos de feminicídio sem solução, Dominik Moll retorna agora com Dossiê 137, um filme igualmente sério e bem-intencionado, mas sem o mesmo impacto, na prestigiada competição oficial do Festival de Cannes 2025. Dessa vez, o cinesta alemão desloca sua lente para um microcosmo perturbador da violência policial contra manifestantes durante os protestos dos Gilets Jaunes (Coletes Amarelos), entre 2018 e 2019, e o uso controverso do armamento conhecido como LBD – a “flash ball”, arma de borracha de uso policial, que deixou dezenas de feridos permanentes.

    Por meio da investigadora da IGPN – a corregedoria da polícia francesa, Stéphanie (Léa Drucker), a narrativa nos apresenta o caso verídico de um adolescente (Côme Péronnet) gravemente ferido por uma dessas armas em meio aos protestos. A investigação ganha contornos mais pessoais quando Stéphanie descobre que a vítima vem de sua cidade natal, Saint-Dizier, a 200 quilômetros de Paris. O reencontro com suas origens adiciona uma camada de drama íntimo, ao mesmo tempo que escancara a distância entre a burocracia da capital e o abandono do interior francês.

    Ao lado do coroteirista Gilles Marchand, Dominik Moll apresenta uma narrativa marcada por um ritmo contido e um rigor quase documental. Acompanhamos passo a passo a busca por imagens de segurança, vídeos de celulares e testemunhas, em um processo meticuloso e árido. O uso de gravações reais de manifestações se entrelaça com a investigação fictícia, criando uma atmosfera de tensão. Esse esforço técnico, no entanto, não se traduz em força narrativa. A trama carece de impulso dramático e não se compromete com os dilemas éticos que propõe.

    Ao contrário de obras como Os Miseráveis (2019), de Ladj Ly, e Bac Nord: Sob Pressão (2020), de Cédric Jimenez, que confrontam de forma visceral a violência sistêmica e a brutalidade das forças de segurança nos subúrbios franceses, Dossiê 137 opta por uma abordagem fria e burocrática, que termina por neutralizar o impacto emocional do caso. 

    O que poderia ser um mergulho angustiante nos dilemas morais da investigadora — dividida entre seu dever institucional e a empatia pela vítima — se dissolve em uma narrativa hesitante, onde ela se revela mais como uma burocrata impotente do que como uma agente transformadora, apesar de sua evidente boa vontade. Sua relação com o ex-marido e a adoção de um gato tentam dimensioná-la como personagem, mas sua trajetória permanece estreita e enfadonha.

    Um dos momentos que melhor ilustra essa limitação é o encontro de Stéphanie com Alicia (Guslagie Malanda), uma camareira de hotel negra que filmou o incidente. A cena, carregada de tensão melodramática, tenta introduzir uma crítica racial (“se a vítima não fosse branca, vocês não estariam aqui”), mas soa forçada e mal resolvida. A própria lógica do roteiro falha nesse ponto, pois a prova crucial não exige que Alicia testemunhe, basta entregar o vídeo e tirá-la de cena. A discussão parece existir apenas para justificar um conflito moral — a banalização da violência policial contra pessoas negras — que o filme não tem coragem de explorar a fundo.

    Por mais que Dominik Moll tente retratar a complexidade da posição de Stéphanie, o roteiro recua sempre que poderia confrontar o espectador. A protagonista nunca chega a se comprometer — pessoalmente ou profissionalmente  — com o caso para apimentar a narrativa, tampouco o filme parece disposto a denunciar com veemência as falhas institucionais. Como resultado, Dossiê 137 termina como uma obra que informa mais do que emociona ou revolta. A tentativa de realidade burocrática vira, no fim, apatia.

    Mesmo que o filme buscasse se afirmar como um documento sobre seu tempo, Um País Que Sabe Se Comportar (2020), de David Dufresne, se mostra muito mais incisivo nesse propósito. Vencedor do César de Melhor Documentário, o longa oferece um retrato corajoso e reflexivo da repressão policial, enquanto Dossiê 137 se apequena diante do mesmo tema.

    Nos últimos anos, obras que abordam as tensões sociais na França — como De Volta à Córsega (2023) e A Fratura (2021) — também chegaram à competição de Cannes, ainda que sem grande inovação estética ou narrativa. O filme de Dominik Moll se encaixa nesse grupo: relevante em sua proposta, mas pouco estimulante em sua realização.

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