Quando o primeiro episódio foi ao ar, em 2010, o público se deparou com uma série histórica um pouco diferente: ao invés de focar no glamour da vida aristocrática distante de todos nós, ‘Downton Abbey’ mostrava também o lado mesquinho não só dos ricos, mas também daqueles que por muito tempo não tiveram suas histórias contadas: os funcionários da mansão. De lá para cá, o sucesso da série só fez crescer, tanto que, após seu término, os produtores decidiram fazer um filme de presente para os fãs, que chega hoje aos cinemas brasileiros.
O longa-metragem começa exatamente onde terminou a série em 2015. E começa com a chegada de uma carta que irá mudar a rotina do castelo: um comunicado de que a rainha da Inglaterra e seu séquito estarão de visita na região em breve e, por conta da longa viagem, precisarão pernoitar em Downton Abbey por um par de noites. Não é preciso dizer que essa notícia deixa a todos em polvorosa, especialmente Lady Mary (a sempre ótima Michelle Dockery), que se vê diante do maior desafio de toda a sua vida, ao ter que colocar o castelo em ordem e a contento para a comitiva da rainha. Em igual proporção, também os funcionários ficam nervosos e animados, afinal, servir a comitiva real será não só uma honra imensurável, mas também o auge de suas vidas.
É claro que esse é apenas o argumento do filme, porque o roteiro de Julian Fellowes apresenta muito mais. Quem é fã da série irá encontrar tudo aquilo de que mais gostamos: segredos ocultos sendo revelados, intrigas, inveja aristocrática, puxada de tapete, romance, perseguição, glamour, etiqueta, reviravoltas e muito, muito requinte. ‘Downton Abbey’ consegue manter a mesma linha dinâmica da aclamada série, fiel à integridade dos personagens construídos e dando novos caminhos para uma possível continuação desse universo das luvas de pelica. A bem da verdade a história joga seu foco nas mulheres da casa e nos funcionários dela, deixando pouco espaço para os homens. Ainda assim, o roteiro constrói uma tensão crescente em ambos os núcleos com tudo que vai sendo apontado – apenas para dar errado na perfeição.
Outro ponto de destaque são as tomadas aéreas de tirar o fôlego do castelo de Highclere na transição das cenas, e o incrível plano-sequência de abertura, no qual acompanhamos a emissão, o transporte e a entrega da carta da família real até as mãos do Lord Grantham (Hugh Bonneville, com poucas cenas, porém, essenciais). Igualmente, não é de se espantar o requinte do figurino e da composição, que estão tal como vemos na série, potencializados por uma fotografia que ajuda a compor essa sensação de que o espectador está quase sempre à mesa com os convidados ou atrás do buraco da fechadura, ouvindo segredos sórdidos. O resultado geral que o diretor Michael Engler conseguiu é extremamente positivo.
Maaaas, eu sei que o que vocês querem mesmo saber é da maravilhosa Lady Grantham (Maggie Smith). E, sim, ela está mais afiada do que nunca, extremamente lúcida, ácida, mordaz. Cada cena em que aparece é um tapa na cara. Cada frase que professa parece um desses dizeres inspiradores/motivacionais pra vida. Se anotássemos cada uma de suas falas, dava um livro de autoajuda best-seller. É sério. Em cada cena de Lady Grantahm dá para sentir o veneno escorrendo da tela, e isso é muito incrível. O merecido sucesso da atriz Maggie Smith deve ser reconhecido, afinal, construir um personagem tão antipático quanto carismático é extremamente difícil de se conseguir, e Maggie o fez muito bem, ao longo de uma década inteira.
O longa-metragem de ‘Donwton Abbey’ é um verdadeiro chá das cinco para os fãs, um convite a adentrar em um novo tempo que está batendo às portas da família Crawley: a modernidade. Os fãs da série vão adorar e ficar com gostinho de quero mais; e quem não conhece igualmente irá se divertir com a trama, embora talvez se perca no grande universo de personagens e histórias paralelas que correm nos diversos núcleos do longa-metragem. Porém, nada que uma boa xícara de chá e uma maratona das seis temporadas não ajude a resolver.