quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Dumplin’ – O Filme Que Diz Para Sua Mãe Tudo Que Você Não Consegue Falar

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Dumplin’ não é apenas uma comédia, nem tampouco é apenas um filme adolescente. É mais que isso: é um grito sufocado de milhares de jovens que não são aceitas em uma sociedade esteticamente restrita a rígidos padrões, e que sofrem por isso.



Baseado no livro de mesmo nome da escritora norte-americana Julie Murphy, o romance foi publicado no Brasil pela editora Valentina, que o promoveu intensamente entre blogueiros literários e influencers, o que ajudou a criar uma base de fãs sensíveis à história. Com dois meses de atraso, finalmente o filme chegou à Netflix (inicialmente, ele estava previsto para estrear em dezembro de 2018).

Lembram da menina inocente que abriu a porta em ‘Bird Box’ e causou todo aquele caos? Pois bem, Danielle Macdonald está de volta, interpretando a jovem Willowdean Opal Dickson, uma adolescente comum, gorda, com sonhos, anseios e desejos. Ela seria uma adolescente como qualquer outra, porém, com Rosie Dickson (o nome dela é Jennifer Aniston) como mãe – justo ela, que foi 10 vezes vencedora de concursos de beleza, ex-Miss Teen Bluebonnet –, o fato de Will ser uma jovem gorda ganha uma dimensão maior.

Depois de perder sua Tia Lucy, que era seu referencial de vida, Will se sente perdida e, num ato de pura afronta, decide se inscrever no tal concurso Miss Teen Bluebonnet, ao que é acompanhada por sua melhor amiga, Ellen (Odeya Rush), e por outras duas meninas, Hannah (Bex Taylor-Klaus) e Millie (Maddie Baillio), que ajudam a compor o grupo de jovens que não pertencem aos padrões estéticos dos concursos de beleza da cidade de Clover, no Texas. Ao se inscreverem no concurso, elas fazem disso um protesto contra todas essas regras calcadas na aparência das pessoas.

É claro que, por ser um drama cômico, o filme não escapa de meia dúzia de clichês, mas nada que tire o brilho – ou o glitter – da sua história. ‘Dumplin’ não é nem pretende ser um filmão, mas sim uma ferramenta de comunicação das jovens gordas que não conseguem encontrar voz nem espaço na sociedade do culto à magreza. É um filme que as filhas devem assistir com os pais ou que as escolas deveriam passar nas salas, para ajudar os jovens a aceitarem seus corpos e abraçarem as diferenças. ‘Dumplin’ é uma plataforma para a autoestima sufocada de adolescentes num “mundo que está cheio de pessoas tentando te dizer quem você é, mas (que) é você quem decide quem é”, como diz Elle para Will logo no início do longa.

A trama é recheada de frases motivacionais e inspiradoras, que ajudam a causar uma sensação boa enquanto o assistimos. Um ponto de destaque é o figurino usado pela personagem Millie, todo fofo e com ares de pin-up. Lindinho.

A direção de Anne Fletcher (‘Vestida Para Casar‘) é pontual, conduzindo as cenas de forma a construir a problemática da jovem Will, porém, sem se aprofundar em desenvolver os personagens periféricos da trama – o que deixa um buraco no conjunto, mas não chega a abalar o filme. Jennifer Aniston faz novamente o papel que a levou ao estrelato – a da mulher que se preocupa com a beleza, que tem senso fashion e policia o que come. Os trejeitos da personagem Rachel, de Friends, estão todos lá: a parada reflexiva seguida de piscadas de olhos frenéticas; o balançar das mãos quando está exasperada; a ajeitada de franja quando se sente nervosa. Para os fãs, é como revisitar uma Rachel da meia idade.

A escolha de Danielle Macdonald  para o papel foi muito fortuita, pois a atriz consegue ter um ar de inocência que se mescla com maturidade. Para a construção de uma personagem em crescimento, que luta para ser aceita da forma como é, mas que tem medo dessa comunidade que aponta o dedo, a atriz passa a sensação de enfado e aborrecimento com as pequenas situações do dia a dia, sejam elas boas ou más, andando pesadamente e tendo explosões de raiva como qualquer adolescente, até o momento chave da trama, e isso a aproxima do público alvo.

O ponto negativo fica por conta da tradução da Netflix, que parece ter tentado “suavizar” os diálogos. Em 1h50 de filme, em nenhum momento a palavra “gorda” é utilizada. Enquanto no original em inglês ouvimos “big girls”, “round”, “dumplin’”, “fat”, em português foi utilizado apenas “fofinha” e “gordinha” como opções. De uma vez por todas, para que fique claro, “gorda” não é ofensivo e nem é palavrão. E, em um filme que trabalha justamente essa questão sensível da aceitação do próprio corpo e do próprio peso, optar por uma tradução que tem medo de usar a palavra gorda é um tiro no pé da Dona Netflix. Ao não utilizar a palavra “gorda” em nenhum momento, a tradução vai da direção contrária ao que o filme se propõe – que é a aceitação dos corpos como eles são.

 

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Baseado no livro de mesmo nome da escritora norte-americana Julie Murphy, o romance foi publicado no Brasil pela editora Valentina, que o promoveu intensamente entre blogueiros literários e influencers, o que ajudou a criar uma base de fãs sensíveis à história. Com dois meses de atraso, finalmente o filme chegou à Netflix (inicialmente, ele estava previsto para estrear em dezembro de 2018).

Lembram da menina inocente que abriu a porta em ‘Bird Box’ e causou todo aquele caos? Pois bem, Danielle Macdonald está de volta, interpretando a jovem Willowdean Opal Dickson, uma adolescente comum, gorda, com sonhos, anseios e desejos. Ela seria uma adolescente como qualquer outra, porém, com Rosie Dickson (o nome dela é Jennifer Aniston) como mãe – justo ela, que foi 10 vezes vencedora de concursos de beleza, ex-Miss Teen Bluebonnet –, o fato de Will ser uma jovem gorda ganha uma dimensão maior.

Depois de perder sua Tia Lucy, que era seu referencial de vida, Will se sente perdida e, num ato de pura afronta, decide se inscrever no tal concurso Miss Teen Bluebonnet, ao que é acompanhada por sua melhor amiga, Ellen (Odeya Rush), e por outras duas meninas, Hannah (Bex Taylor-Klaus) e Millie (Maddie Baillio), que ajudam a compor o grupo de jovens que não pertencem aos padrões estéticos dos concursos de beleza da cidade de Clover, no Texas. Ao se inscreverem no concurso, elas fazem disso um protesto contra todas essas regras calcadas na aparência das pessoas.

É claro que, por ser um drama cômico, o filme não escapa de meia dúzia de clichês, mas nada que tire o brilho – ou o glitter – da sua história. ‘Dumplin’ não é nem pretende ser um filmão, mas sim uma ferramenta de comunicação das jovens gordas que não conseguem encontrar voz nem espaço na sociedade do culto à magreza. É um filme que as filhas devem assistir com os pais ou que as escolas deveriam passar nas salas, para ajudar os jovens a aceitarem seus corpos e abraçarem as diferenças. ‘Dumplin’ é uma plataforma para a autoestima sufocada de adolescentes num “mundo que está cheio de pessoas tentando te dizer quem você é, mas (que) é você quem decide quem é”, como diz Elle para Will logo no início do longa.

A trama é recheada de frases motivacionais e inspiradoras, que ajudam a causar uma sensação boa enquanto o assistimos. Um ponto de destaque é o figurino usado pela personagem Millie, todo fofo e com ares de pin-up. Lindinho.

A direção de Anne Fletcher (‘Vestida Para Casar‘) é pontual, conduzindo as cenas de forma a construir a problemática da jovem Will, porém, sem se aprofundar em desenvolver os personagens periféricos da trama – o que deixa um buraco no conjunto, mas não chega a abalar o filme. Jennifer Aniston faz novamente o papel que a levou ao estrelato – a da mulher que se preocupa com a beleza, que tem senso fashion e policia o que come. Os trejeitos da personagem Rachel, de Friends, estão todos lá: a parada reflexiva seguida de piscadas de olhos frenéticas; o balançar das mãos quando está exasperada; a ajeitada de franja quando se sente nervosa. Para os fãs, é como revisitar uma Rachel da meia idade.

A escolha de Danielle Macdonald  para o papel foi muito fortuita, pois a atriz consegue ter um ar de inocência que se mescla com maturidade. Para a construção de uma personagem em crescimento, que luta para ser aceita da forma como é, mas que tem medo dessa comunidade que aponta o dedo, a atriz passa a sensação de enfado e aborrecimento com as pequenas situações do dia a dia, sejam elas boas ou más, andando pesadamente e tendo explosões de raiva como qualquer adolescente, até o momento chave da trama, e isso a aproxima do público alvo.

O ponto negativo fica por conta da tradução da Netflix, que parece ter tentado “suavizar” os diálogos. Em 1h50 de filme, em nenhum momento a palavra “gorda” é utilizada. Enquanto no original em inglês ouvimos “big girls”, “round”, “dumplin’”, “fat”, em português foi utilizado apenas “fofinha” e “gordinha” como opções. De uma vez por todas, para que fique claro, “gorda” não é ofensivo e nem é palavrão. E, em um filme que trabalha justamente essa questão sensível da aceitação do próprio corpo e do próprio peso, optar por uma tradução que tem medo de usar a palavra gorda é um tiro no pé da Dona Netflix. Ao não utilizar a palavra “gorda” em nenhum momento, a tradução vai da direção contrária ao que o filme se propõe – que é a aceitação dos corpos como eles são.

 

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Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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